O princípio da anualidade eleitoral

AutorPaulo Henrique de Mattos Studart
Ocupação do AutorMestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas57-122
4
O PRINCÍPIO DA
ANUALIDADE ELEITORAL
Nos capítulos anteriores, foi exposto que a democracia, na concepção con-
temporânea, demanda um elemento fundamental: processos eleitorais demo-
cráticos capazes de legitimar o exercício do poder, propiciando certa gover-
nabilidade e estabilidade social, o que deve ser estabelecido pelo consenso,
entre vencedores e vencidos, quanto à idoneidade desse procedimento e pela
garantia de sua reabertura periódica.
Para que isso seja atingido, como mencionado, concorrem ao menos dois
fatores sensíveis: a regulação e o controle do processo eleitoral, cuja contami-
nação e desvirtuamento, de qualquer um deles, arruínam qualquer pretensão
de se ter um processo eleitoral autenticamente democrático.
Uma das garantias inseridas dentro desse grande arcabouço normativo e
institucional de tutela do processo eleitoral é o chamado princípio da anuali-
dade eleitoral.
Além da denominação aqui utilizada, não são incomuns variações ter-
minológicas, sendo as mais recorrentes: princípio da anualidade eleitoral,
princípio da anualidade da lei eleitoral, princípio da anterioridade eleitoral e
princípio da anterioridade da lei eleitoral. Em qualquer dos casos, a expressão
quer signicar a previsão normativa estabelecida no art. 16, da Constituição de
1988, cuja redação atual é a seguinte: “A lei que alterar o processo eleitoral en-
trará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra
até um ano da data de sua vigência.
O princípio da anualidade eleitoral é tema recorrente em decisões do Poder
Judiciário, sendo frequente em discussões sobre a aplicabilidade de alterações
Book-PRINCÍPIO DA ANUALIDADE.indb 57 6/11/18 3:27 PM
58
PAULO HENRIQUE DE MATTOS STUDART
legislativas, ou de novas legislações, aos pleitos eleitorais que vêm ocorrendo
no Brasil desde a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988.
Tais discussões sobejam em julgamentos promovidos no âmbito da Justiça
Eleitoral, já que nesse ramo especializado do Poder Judiciário são tratadas as
questões administrativas e jurisdicionais afetas ao direito eleitoral e às eleições.
No entanto, invariavelmente, chegam também ao Supremo Tribunal
Federal, considerada a estatura constitucional do dispositivo que regula o cha-
mado princípio da anualidade eleitoral, possibilitando a interposição de re-
curso extraordinário das decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Sem embargo, considerando o exercício da jurisdição constitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, questões relacionadas ao art. 16 da Constituição
também já foram dirimidas por referido tribunal em ações de controle de
constitucionalidade.
Nesse contexto, os precedentes, notadamente do Tribunal Superior
Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, constituem, ao lado da doutrina, far-
to material na compreensão do princípio da anualidade eleitoral, bem como
das questões controvertidas que giram em torno de tal instituto.
Em razão disso, esse capítulo buscará discorrer sobre o princípio da anua-
lidade, visando estabelecer não só a sua denição, mas também as severas
controvérsias que subjazem ao tema, e que se vericam, principalmente, no
âmbito dos tribunais.
Conforme será exposto, tal instrumento tem por propósito assegurar que
as regras do jogo democrático permaneçam estáveis desde quando se avizi-
nham as eleições, de forma a garantir às formas políticas um quadro normati-
vo que possibilite que o processo eleitoral se desenvolva sem surpresas, dentro
da normalidade, sem mudanças abruptas.
Dentro dessa ótica, ao longo do capítulo, serão expostos a origem e o de-
senvolvimento do princípio da anualidade eleitoral, seguindo-se a busca de
sua denição a partir de concepções de segurança jurídica e igualdade, que
fundamentam e acabam por denir o instituto.
Em seguida, serão abordadas questões controvertidas a respeito do prin-
cípio da anualidade eleitoral, notadamente sobre sua aplicação, tendo como
enfoque, principalmente, a modicação do processo eleitoral pela via legisla-
tiva. A dimensão desse princípio sob o enfoque da modicação do processo
eleitoral pela via judicial será objeto de capítulo próprio.
Book-PRINCÍPIO DA ANUALIDADE.indb 58 6/11/18 3:27 PM
59O PRINCÍPIO DA ANUALIDADE ELEITORAL
Também será exposta a séria controvérsia existente quanto ao conceito
de processo eleitoral, que não encontra qualquer consenso doutrinário ou
jurisprudencial.
4.1 Origem e def‌inição do princípio da anualidade
O presente tópico abordará a origem e a denição do princípio da anua-
lidade eleitoral, mediante análise de sua redação, que prevê fórmula peculiar
para o contingenciamento da ecácia da lei modicadora do processo eleitoral
no tempo, apontando-se, ainda, as razões históricas que levaram à inserção do
dispositivo no texto constitucional.
Também buscar-se-á denir o princípio da anualidade eleitoral a partir da
igualdade e da segurança jurídica, dois valores fundamentais que se manifes-
tam de forma peculiar pelo princípio da anualidade, permitindo entendê-lo
como um mecanismo de mediação entre a permanência e a mudança, funcio-
nando como um redutor de instabilidade do sistema normativo que regula o
processo eleitoral, quando esse for alterado.
4.1.1 A redação do dispositivo e sua fórmula para estabilização do
quadro normativo do processo eleitoral
O princípio da anualidade eleitoral já constava no texto original da
Constituição de 1988, com redação distinta daquela atualmente em vigor. Em
sua redação original, o art. 16 da Constituição preconizava que “a lei que alte-
rar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação.” No
entanto, tal redação não perdurou por muito tempo.
A atual conformação constitucional do art. 16 foi estabelecida em 1993,
menos de cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988, pela
Emenda Constitucional n. 4, de 14 de setembro de 1993.
Inicialmente, a proposta de emenda constitucional sugeria que a redação
do dispositivo passasse a estabelecer que “a lei não poderá alterar o processo
eleitoral no ano de realização de eleição, justicando-se a alteração na alega-
ção de que “uma lei para se aplicar a uma eleição precisa ser, na prática, publi-
cada mais de dois anos antes do pleito.” (BRASIL, 1993).
A proposta exemplicava tal circunstância na lei editada para a realização
das eleições municipais de 3 de outubro de 1992 que, publicada em 25 de julho
de 1991, somente entrou em vigor em 25 de julho de 1992, o que inviabilizou
Book-PRINCÍPIO DA ANUALIDADE.indb 59 6/11/18 3:27 PM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT