O princípio do melhor interesse da pessoa idosa: efetividade e desafios

AutorHeloisa Helena Barboza
Páginas3-21
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O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA
PESSOA IDOSA: EFETIVIDADE E DESAFIOS1
Heloisa Helena Barboza
Doutora e Livre-Docente em Direito pela UERJ. Doutora em Ciência pela ENSP/
FIOCRUZ. Professora Titular de Direito Civil da UERJ. Procuradora de Justiça
(aposentada). Advogada. Parecerista.
Se quisermos que o envelhecimento
seja uma experiência positiva, uma
vida mais longa deve ser acompanhada
de oportunidades contínuas de saúde,
participação e segurança.2
Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Cláusula geral de tutela da pessoa humana – 3. Instru-
mentos constitucionais e legais de proteção da pessoa humana – 4. Vulnerabilidade do idoso
– 5. Princípio do melhor interesse do idoso.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A vigente Constituição da República, ao estabelecer a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, deixou
patente ser a pessoa humana o núcleo do ordenamento jurídico. Encontra-se o
sistema jurídico, em consequência, funcionalizado para preservação dos valores
que o orientam e para o atendimento primordial dos interesses dos seres humanos.
Emerge da Constituição a cláusula geral de tutela da pessoa humana, que tem
como um dos seus fundamentos a vulnerabilidade que lhe é inerente e que, em
face de determinadas circunstâncias, é exacerbada. Este o caso da pessoa idosa
que ensejou a edição de legislação especíca para sua proteção, que não esgota,
porém, toda gama de possibilidades em que deve ser assegurado tratamento
diferenciado e preferencial ao idoso. Embora ainda não tenha merecido dos dou-
1. O presente texto foi originalmente publicado em Tânia da Silva Pereira; Guilherme de Oliveira. (Org.).
O Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 2007. p. 57-71. Para a
presente versão, o mesmo foi revisado, atualizado e ampliado. A autora agradece penhoradamente ao
Professor Doutor Vitor Almeida pelo trabalho de revisão, atualização e ampliação.
2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Trad. de Suzana
Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005, p. 14. Disponível em: [www.portal.
saúde.gov.br]. Acesso em: 16.05.2007.
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trinadores estudo mais aprofundado, o princípio do melhor interesse do idoso,
de base constitucional, é consectário natural da cláusula geral de tutela da pessoa
humana e, por excelência, fonte da proteção integral que é devida à pessoa idosa.
Indispensável, portanto, investigar o sentido e o alcance do princípio do me-
lhor interesse do idoso, de modo a permitir a efetividade dos direitos fundamentais
garantidos à pessoa idosa no texto constitucional. Para tanto, é preciso delimitar
os contornos da vulnerabilidade especíca da pessoa idosa e, por consequência,
averiguar se a atual legislação atende ao ditame constitucional de proteção do
melhor interesse do idoso, de modo a vericar os desaos à efetividade da norma
protetiva.
2. CLÁUSULA GERAL DE TUTELA DA PESSOA HUMANA
A posição ora ocupada pelo ser humano no sistema jurídico apresenta muitas
faces não conhecidas ou, pelo menos, pouco esclarecidas, se examinadas à luz dos
princípios constitucionais. A vocação positivista de enumeração e exaurimento
das hipóteses ainda paira sobre o estudo das relações existenciais e na própria
compreensão jurídica do ser humano, conceito que não se esgota no de pessoa
ou mesmo no de sujeito de direito. A cada momento vem se evidenciando a ne-
cessidade da atenção do Direito à complexidade do humano, em seu processo de
vida, que pode começar antes do momento hoje escolhido pela lei para o início de
efeitos jurídicos. Só em data recente, diante da conscientização da não linearidade
do processo da vida, em decorrência de diferentes causas, que vão do reconheci-
mento do pluralismo social aos resultados da biotecnociência, e do desao posto
a direitos estruturais como a liberdade e a igualdade pela realidade de opressão e
discriminação de determinadas pessoas, tanto no espaço público, como no priva-
do, passaram a ser pensados, com maior concretude, os meios de efetivação dos
direitos fundamentais. Não mais é suciente proclamá-los em abstrato, o que de há
muito foi feito. É preciso criar os instrumentos para adequá-los a cada momento
da instável dinâmica da vida, sob pena de permanência no campo meramente
formal, de que é bom exemplo a igualdade pensada em termos absolutos, sob a
fórmula “todos são iguais perante a lei.
Na esteira de movimento ocidental e em momento político de todo propício,
a Constituição da República consagrou o ser humano como valor maior do orde-
namento jurídico, garantindo-lhe tutela integral e privilegiada em suas relações
existenciais, aos estabelecer a dignidade humana como princípio fundamental
do estado democrático de direito. Como consequência, esvaziam-se os debates
sobre a natureza jurídica da personalidade, que deve ser reconhecida como o valor
fundamental do ordenamento, que está na base de uma série de situações existen-
ciais, de todo instáveis como indicado, e que estão a exigir incessante tutela. Pelo
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