Do Problema, sua Controvérsia e Abertura para as Políticas Públicas de Trabalho, Emprego e Renda

AutorAlan da Silva Esteves
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho/TRT 19. Mestre em Direito Público. Especialista em Direito Constitucional do Trabalho. Professor da Escola Judicial do TRT/19. Professor da Escola da Magistratura ? Ematra/19
Páginas73-95

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3.1. Concepções iniciais para justificar o problema e oferecer pontos de partida

No capítulo anterior, foram estudados os potenciais efeitos da espécie normativa do inciso XXVII do art. 7º da Carta Magna. Detectou-se, entre outras razões, que para mantê-la viva é preciso que haja uma interpretação não formalista e que concretize os valores, princípios e regras constitucionais. Verificou-se que ela é uma categoria inclusiva, pois atua como princípio quando impõe finalidades, como regra quando traduz comportamentos, especialmente do Estado, além de postulado, por orientar à aplicação de regras e princípios. Tal versículo constitucional é classificado essencialmente como norma programática, pois consigna objetivos ao Estado Social de realizar a proteção do trabalhador em face da auto-mação. Porém, é possível dizer que é um preceito não bastante em si, pois, para produzir certos efeitos, carece de legislação. Esta pode ser tanto construída a partir de documentação normativa internacional como a nacional, desde que se relacione aos termos expostos no enunciado constitucional que se conecte a vários outros, como promoção por existência digna, justiça social, solidariedade, igualdade, liberdade, democracia. O estudo profundo do fenômeno jurídico na sua inteireza pelas razões axiológicas, normativas e sociológicas foi efetivado para declarar que a

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proteção do trabalhador é uma forma de segurança em face do desemprego, a qual acontece pela mudança de mentalidade e técnica de produção, decorrente da evolução tecnológica. Isso faz o trabalhador perder o posto de serviço e buscar rápida adaptação em outra atividade. Nesse interregno, há muito sofrimento; por isso, é do interesse do direito qualificar o fato automação como prejudicial e comandar proteção no sentido de formação social e profissional continuada, renda e diálogo com os empregadores, entre outros direitos.

O progresso das técnicas de produzir bens e serviços é cíclico. Por isso mesmo, pode-se dizer que existem rodadas tecnológicas que convulsionam o mercado de trabalho. Este capítulo tem essa tarefa, então, de estudar se o problema existe ou não, a fim de configurar a sua controvérsia para uma abertura de esboço das políticas públicas de trabalho, emprego e renda.

É preciso saber se o problema da automação existe no sentido de indagar se aquelas rodadas impactam o mercado de trabalho, o emprego ou função do trabalhador. Há importantes e variadas discussões. Há todo um arcabouço teórico e prático fundamentando a ideia de que as empresas reestruturam-se em torno de novas tecnologias, conhecimentos e informações em busca de expansões lucrativas. Não só suas estruturas internas são alteradas, mas seus produtos, suas capacidades e, inclusive, seus trabalhadores. Isso é natural e acontece pela conexão delas com a sociedade e o mercado, de forma a atender as especificidades de cada época.

Esse processo de reorganizar-se e concentrar-se em modalidades inovadoras propicia a extinção de funções dos trabalhadores, embora crie outras. O desafio dessa lógica é perguntar se o número de extinções corresponde ou equivale ao número de criações. Todas as mudanças estruturais não são choques apenas para a empresa, mas especialmente para os trabalhadores, pois acontecem em etapas diferentes. As novas técnicas são testadas pelas empresas para verificar o quanto podem suportar, dito como fase de transição, mas para os trabalhadores sobra a versão cruel da realidade de terem que adquirir em tempo mínimo os conhecimentos necessários para manter ou ter possibilidades de trabalho.

Com efeito, esses ajustes sociais decorrentes da era de informação, conhecimento e tecnologia exigem uma preocupação com os trabalhadores, especialmente um comprometimento de efetivar a Constituição Federal, de que possam ser protegidos em face da automação e, principalmente, que venham a ter direito ao trabalho. É a busca de um conteúdo para eficácia jurídica e social.

Então, o direito pode atuar de muitas e variadas maneiras, principalmente quando se quer dar eficácia ao inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal, a qual – sempre é salutar a lembrança – preceitua como direito do trabalhador ser protegido em face da automação, na forma da lei. Identificar o que é do trabalhador – o sentido da proteção –, bem como detectar o que essa norma programática estabelece passam por abordagens de por que a Administração Pública tem a tarefa de melhorar a qualidade de vida dele. E, queira ou não, influenciar o comportamento do mundo

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social não apenas no sentido quantitativo, como fazer crescer a renda e oferecer oportunidades, mas no sentido qualitativo: distribuir renda e efetivar os direitos.

Também é preciso notar a lição de Mello: o direito vive a reboque dos fatos.1

Isso para dizer que a interpretação constitucional tende a adaptar-se às práticas e ao que há em sua órbita. O objetivo é dar maior legitimidade a construção da norma e, possivelmente, um programa público mais eficiente.

Estudar a problematização da automação, no seu significado mais amplo, de que novas tecnologias, informação, conhecimento afligem o mercado de trabalho, é refletir sobre as controvérsias e assumir uma posição. Esta é a necessidade de proteger o trabalhador através de políticas públicas, especialmente aquela que se relaciona com uma norma programática do dispositivo do inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal Brasileira.2 O caso é que, apesar da relevância de tal norma, inclusive porque são inconstitucionais enunciados legais e práticas de comportamentos antagônicos ao disposto no preceptivo, percebe-se que a posição jurídica do trabalhador tem grau de consistência reduzido.

Porém, ela tem dois objetivos pragmáticos em dois momentos distintos. Eles constituem a centralidade deste trabalho, pois preceituam a tarefa do Estado e constroem o direito do trabalhador. O primeiro objetivo, então, é proteger o trabalhador contra o desemprego. O segundo: trabalhar o processo adaptativo dele. Os momentos são distintos, pois sequenciados. Um é a revolução da técnica e outro, a preparação do homem. Faz bem consignar a doutrina do Süssekind a respeito daquele dispositivo, que é a mesma referida acima ante a sua correção: “Proteção que tem em vista o trabalhador considerado lato sensu, em abstrato, e não somente os empregados das empresas que evoluem para automação”.3

Isso, escrito de outra forma, edifica as bases para dar eficácia à Carta Magna: proteger o trabalhador é permitir o exercício da cidadania, pois é a partir do trabalho que ele é qualificado como cidadão e pode participar das relações sociais, culturais e políticas. Desse modo, necessariamente, deve ser ligada a uma política que tenta realizar o que Silva disse: “[...] o direito ao trabalho, direito de ter um trabalho, possibilidade de trabalhar [...]”.4 É preciso consignar, ainda, tal norma--princípio tem força jurídica, pois, apesar de constar a expressão “na forma da lei”, pode desenvolver efeitos concretos.5

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Nesse compasso, é preciso deixar evidente que os avanços da tecnologia reestruturam os ambientes de trabalho e minimizam a presença do humano. Por isso, toda a forma de defesa do trabalhador neste contexto deve ser bem acolhida, especialmente porque, como ponderou Cavalcante, com acerto: “[...] os direitos fundamentais são resultado de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da afirmação da dignidade humana. [...]. São realidades históricas e consistem num construir incessante”.6

O estágio atual do desenvolvimento científico, com o uso da informática, automação, robótica, servossistemas, microeletrônica, e do capitalismo internacional, com sua concentração, concorrência, disputas de mercado, monopólios, fusões, incorporações, depara com utilizações crescentes de tecnologias de produção que formam o capital e excluem o trabalho; porém, isso não é uma questão simples, pacífica. Há controvérsias, pois há padrões de perdas e ganhos.

O que fazer com os trabalhadores que sobrevivem a esse processo e têm que se adaptar? Qual a melhor estratégia de uma política pública moderna, especialmente aquela que crie oportunidades de geração de emprego e renda?

O trabalhador na revolução tecnológica ora em curso tem estes problemas: não ficar desempregado, ter uma função útil, ter uma renda ou crédito, além de possibilidades de trabalho. É, portanto, em cima desses interesses que a problematização é estudada, sua controvérsia e as razões da tomada de posição, para aportar em programas públicos de atividades econômicas, pois todas protegem o trabalhador de alguma forma. São evidências de que uma ou outra forma de programa captura o sentido de proteção.

Contudo, é preciso deixar remarcado que existe uma nova racionalidade e automatização dos processos produtivos que se centra na equação: mais produção com menor presença humana. Esse deve ser o problema maior de qualquer política social nessa seara: equilibrar a lógica de antecipar a adaptação do trabalhador a cada etapa de revoluções industriais.

Claro que há como contrabalançar a equação, apesar de existirem muitas variáveis, especialmente de política econômica, formação cultural e profissional de um povo, além da ideologia em torno da proteção do trabalhador.

Assim, neste...

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