Efeitos Prospectivos de Decisões Definitivas da Suprema Corte em Matéria Tributária

AutorIves Gandra da Silva Martins
CargoProfessor Emérito da Universidade Mackenzie, em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito
Páginas5-12

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Constituição futura. A Constituição sobrevinda não toma inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido" (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, DJ 21-11-1997,Ementário 1892-01)1.

Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes - sua posição terminou prevalecendo, e não a minha, na redação do art. 11 da referida Lei - pretendeu que não haveria hipótese que não pudesse ser objeto de declaração de uma inconstitucionalidade, com foros de "constitucionalidade operacional" relativamente ao passado, desde que a Corte Máxima assim entendesse e os fatos demonstrassem necessidade dessa providência2. Está o artigo 11 assim redigido:

"Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

Cheguei mesmo a escrever artigo, inconformado por ter sido voto vencido na Comissão, no livro "Argüição de descumprimento de preceito fundamental" (coordenação de André Tavares e Walter Claudius Rothemburg) e participado, com o próprio ministro Gilmar Mendes, de congressos e seminários em que o tema foi debatido. Lembro-me, inclusive, que, em encontro internacional de Direito Constitucional, na USP, presidido pelo prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, com amplo apoio de esmagadora maioria dos constitucionalistas, minha posição terminou prevalecendo sobre a do eminente ministro, na discussão de ambos os artigos 27 (9.868/99) e 11 (9.882/99)3.

Nos sucessivos debates, todavia, que fizemos no Centro de Extensão Universitária, no Instituto Brasileiro de Direito Público e em outros simpósios nacionais e internacionais, assumimos novas posições, ele admitindo que em grande Abordarei a questão tanto no concernente ao controle concentrado como ao controle difuso. De início, não vejo qualquer impedimento a que, em controle difuso de constitucionalidade, possa a Suprema Corte adotar o princípio, incluído no direito germânico, de que, para determinadas situações e em face da lesão gravíssima à estabilidade das instituições ou à irreversibilidade das relações antes asseguradas, possa adotar-se a eficácia ex nunc e não ex tunc das decisões pretorianas.

Lembro-me das discussões que travei, na Comissão de Juristas presidida pelo prof. Celso Bastos e constituída pelos profs. Gilmar Mendes, Oscar Corrêa, Arnoldo Wald e por mim, para elaborar o anteprojeto da Lei 9.882/99 (ADPF), com o ministro Gilmar Mendes, ele defendendo a adoção do critério do artigo 27 da Lei 9.868/99, assim redigido:

"Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado", e eu me opondo, por entender que a inconstitucionalidade de uma lei, no Brasil (direta ou indiretamente), gera, automaticamente, a perda de sua eficácia ex tunc. Argumentei, inclusive, com decisão da Suprema Corte, que transcrevo e da qual foi relator o ministro Paulo Brossard:

"Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 21/600. Origem: Distrito Federal - Relator: Min. Paulo Brossard - Requerente: Fed. Nac. dos Estabelecimentos de Ensino - Fenen - Requerido: Presidente da República. Ementa: Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade Superveniente. Impossibilidade.

A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir parte das situações, principalmente nas questões tributárias em que o Estado, e não o contribuinte, se tivesse beneficiado de leis inconstitucionais por ele propostas, não poderia ser favorecido com eficácia ex nunc, admitindo eu que, em determinadas circunstâncias, a irreversibilidade da decisão tornaria a sua eficácia, atual ou futura, possível de ser estabelecida pelo Pretório Excelso, com o que a decisão valeria a partir de sua publicação, ou para um porvir determinado.

Viemos, os dois, inclusive, a admitir, publicamente, em Congresso do IBDP, que a eficácia ex nunc poderia ser aplicada ao controle difuso, em casos de gravíssima lesão ao patrimônio público ou privado ou de irreversibilidade de situações e/ou relações criadas ou protegidas por decisões anteriores.

Levantei caso em que o ministro Carlos Madeira, anteriormente à Constituição Federal de 88, aplicou o critério da eficácia ex nunc4. Nele, a alteração implicaria, pela adoção de eficácia ex tunc, a necessidade de devolução do numerário recebido e presumivelmente já gasto, tendo considerado, S.Exa., a impossibilidade material da devolução de tais recursos5.

Por outro lado, o STF, na questão dos vereadores de Mira-Estrela, definiu que, apesar de seu número para aquele município ser maior do que o que a Constituição admitiria, não se poderia aceitar a tese de que todas as leis aprovadas na Edilidade durante o período de sua inconstitucional composição seriam, por decorrência, inconstitucionais, com o que a Suprema Corte admitiu também a continuidade de sua composição, ou seja, a manutenção do quadro inconstitucional de vereadores até o fim de seu mandato, quando então, na eleição para a próxima composição da Casa Legislativa, seria adotado o número de edis permitido pela lei maior do país. O acórdão está assim redigido:

"Recurso Extraordinário 197.917-8 São Paulo Relator: Min. Maurício Corrêa Recorrente: Ministério Público Estadual Recorridos: Câmara Municipal de Mira Estrela e outros Advogado: Jair Cesar Nattes

Recurso Extraordinário. Municípios. Câmara de Vereadores. Composição. Autonomia municipal. Limites constitucionais. Número de vereadores proporcional à população. Cf, artigo 29, IV. Aplicação de critério aritmético rígido. Invocação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional.

  1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.

  2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CE, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

  3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.

  4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.

  5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).

  6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1°).

  7. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de vereadores dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes.

  8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos 'pro futuro' à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, dar parcial provimento ao recurso para, restabelecendo, em parte, a decisão de primeiro grau, declarar inconstitucional, incidenter tantum, o parágrafo único do artigo 6° da Lei Orgânica n. 226, de 31 de março de 1990, do Município de Mira Estrela/SP, e determinar à Câmara de Vereadores que, após o trânsito em...

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