A Proteção da Relação Empregatícia no Estado Democrático de Direito

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas237-219

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O critério da dispensa desmotivada por ato empresarial confere, infelizmente, a essa modalidade de ruptura do contrato empregatício o estatuto jurídico do simples exercício de um poder potestativo pelo empregador — poder próximo ao absoluto, portanto —, desconsiderando todos os aspectos pessoais e sociais envolventes à dinâmica da extinção do contrato de trabalho1.

Introdução

O presente artigo tem dois objetivos. O primeiro é prestar uma justa e merecida homenagem ao homem, professor, jurista, magistrado e amigo Mauricio Godinho Delgado, pela sua inestimável contribuição em prol da humanização e, consequentemente, da constitucionalização do Direito do Trabalho em nível nacional e internacional.

O segundo objetivo deste artigo é analisar a estabilidade e a garantia no emprego como institutos integrantes da política pública de garantia de emprego e sob o enfoque do fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho e da teoria dos Direitos Humanos e Fundamentais.

Buscar-se-á distinguir as diversas espécies de estabilidade e garantia no emprego, procurando demonstrar que tanto a política de empregabilidade quanto a proteção da relação empregatícia são condições necessárias para a efetivação dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa e, em última análise, para a concretização do próprio Estado Democrático de Direito.

O problema central a ser enfrentado nesta pesquisa é o seguinte: o chamado direito potestativo patronal de resilir o contrato de trabalho é compatível com os princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito e o direito fundamental dos trabalhadores à proteção da relação empregatícia contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa?

1. Aspectos terminológicos

Preferimos fazer distinção entre os institutos da estabilidade e da garantia no emprego que são espécies do gênero garantia de emprego. Vale dizer, garantia de emprego concerne aos valores eleitos no vértice do ordenamento jurídico que estabelece princípios voltados a políticas públicas de valorização do trabalho humano e geração de empregos, como o princípio fundamental do valor social do trabalho (CF, art. 1º, IV) e o princípio da busca do pleno emprego (CF, art. 170, VIII).

A garantia no emprego é um direito fundamental conferido ao empregado que o protege a sua relação empre-gatícia contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa (CF, art. 7º, I) apurada em processo administrativo ou em defesa do empregador em ação proposta pelo empregado. A garantia no emprego pode ser permanente ou provisória, como veremos mais adiante.

Já a estabilidade no emprego também visa à manutenção da relação empregatícia, protegendo-a contra a vontade do

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empregador em extinguir unilateral e desmotivadamente o contrato de trabalho, salvo nos casos de falta grave cometida pelo empregado e apurada em inquérito judicial ajuizado pelo empregador ou, ainda, na hipótese de força maior devidamente comprovada.

Analisaremos em seguida os institutos da estabilidade e da garantia no emprego.

2. Estabilidade

A doutrina, de um modo geral, classifica a estabilidade em: estabilidade definitiva (absoluta ou decenal), que é destinada, em princípio, àquele empregado que, não tendo feito opção pelo regime do FGTS, contasse com dez anos ou mais de serviço na mesma empresa (CLT, art. 492); estabilidade provisória (relativa ou especial), que é destinada a alguns trabalhadores em situações especiais, como os dirigentes sindicais, os representantes do Conselho Curador do FGTS, a empregada gestante, os empregados eleitos para Cipa — Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, o empregado acidentado etc.

Há autores que preferem classificar a estabilidade segundo a fonte normativa da qual se origina. Haveria, então, estabilidade legal, judicial (sentença normativa) e contratual (prevista em contratos individuais de trabalho, convenções e acordos coletivos).

Como o próprio nome está a indicar, o termo estabilidade nos dá a ideia de firmeza, solidez, segurança, perenidade, razão pela qual afigura-se-nos contraditória a expressão "estabilidade provisória".

Pode-se dizer que estabilidade, para os fins justrabalhistas, consiste no direito que o empregado tem de permanecer no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, salvo quando existir grave motivo que justifique a sua dispensa que torne incompatível a sua permanência na empresa ou no caso de força maior devidamente comprovada.

Pode ser estável, por outro lado, o empregado que for contemplado com este direito mediante cláusula prevista no contrato de trabalho, já que a lei não proíbe o empregador de conceder qualquer vantagem ao empregado. Convém frisar que esta espécie de estabilidade (contratual) constitui raridade no direito do trabalho pátrio.

Outro aspecto deve ser ressaltado a respeito à possibilidade de o empregador fraudar a estabilidade empregatícia conferida ao empregado. É o que se convencionou chamar de "despedida obstativa", que pode ocorrer: a) mesmo com o pagamento de indenização; b) quando o empregado completasse nove anos na mesma empresa (TST, Súmula n. 26 que, embora cancelada, constitui fonte principiológica); c) embora despedido depois de nove anos de serviços à empresa, não teria direito ao pagamento de indenização em dobro, se ficasse demonstrada a inexistência de intuito de obstar a aquisição de estabilidade; d) antes de nove anos, a presunção é de que o despedimento não teria aquele vício, admitindo-se, porém, prova em contrário.

2.1. Estabilidade decenal

À luz do art. 492 da CLT: "O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas".

Na verdade, o empregado que completasse 10 anos de serviço prestado ao mesmo empregador e que não tivesse feito opção pelo regime do FGTS, nem fosse exercente de cargo de diretoria, gerência ou de outros de confiança imediata do empregador (CLT, art. 499), adquiriria o direito à estabilidade.

Eis a chamada estabilidade absoluta, decenal ou definitiva.

Tal espécie de estabilidade não foi recepcionada pela atual Constituição, uma vez que esta, ao contrário da Carta de 1967, com redação dada pela EC n. 1/69 ao art. 165, XIII, que previa dois regimes ("estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente"), instituiu um único regime jurídico inerente à relação empregatícia: o regime do FGTS.

Restou preservado, no entanto, o direito adquirido daqueles trabalhadores não optantes que já contavam, em 5 de outubro de 1988, com dez anos de serviço efetivo na empresa, como se infere do art. 14 da Lei n. 8.036/1990.

O empregado detentor do direito à estabilidade decenal somente pode ser despedido mediante inquérito judicial em que seja apurado o cometimento de falta grave (que é mais ampla do que a simples justa causa, a teor do art. 493 da CLT) ou circunstância de força maior, devidamente comprovada, como, por exemplo, extinção da empresa ou do estabelecimento, nos termos dos arts. 497 e 498 da CLT, caso em que terá o trabalhador direito à indenização em dobro.

2.2. Estabilidade do servidor público
2.2.1. Servidor não concursado

É estável o servidor público "celetista" que, na data da promulgação da atual Constituição (5.10.1988), tivesse completado cinco ou mais anos de serviço público prestado a pessoas jurídicas de direito público (não se incluem as empresas públicas e as sociedades de economia mista), nos termos do art. 19 do ADCT. No que tange à extensão desta estabilidade aos servidores de fundações públicas, a SBDI-1/TST editou a OJ n. 364:

ESTABILIDADE. ART. 19 DO ADCT. SERVIDOR PÚBLICO DE FUNDAÇÃO REGIDO PELA CLT (DJ 20, 21 e 23.5.2008). Fundação instituída por lei e que recebe dotação ou subvenção do Poder Público para realizar atividades de interesse do Estado, ainda que tenha personalidade jurídica

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de direito privado, ostenta natureza de fundação pública. Assim, seus servidores regidos pela CLT são beneficiários da estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT.

Afora a hipótese do art. 19 do ADCT, nenhum servidor público adquire estabilidade sem ter sido aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos.

2.2.2. Servidor concursado

É igualmente estável o servidor da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional que tenha sido aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público, desde que aprovado no estágio probatório (CF, art. 37, II, e 41)2.

Com efeito, dispõe o art. 41 da CF (com redação dada pela EC n. 19/1998): "São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público".

A interpretação literal do dispositivo em causa autorizaria a ilação de que apenas o servidor "nomeado para cargo de provimento efetivo", ou seja, o servidor investido em cargo público sujeito ao regime administrativo/instituticonal, seria o destinatário da estabilidade. O TST, porém, dando interpretação teleológica ao art. 41 da CF, estende a estabilidade ao servidor concursado investido em emprego público contratado pelas pessoas jurídicas de direito público. É o...

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