A prova ilícita por violação ao sigilo profissional do advogado

AutorFilipe Ramos Oliveira
CargoMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), servidor público. Vitória/ES, Brasil. E-mail: filipero@gmail.com.
Páginas424-461
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 424-461
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
424
A PROVA ILÍCITA POR VIOLAÇÃO AO SIGILO PROFISSIONAL
DO ADVOGADO
1
ILLEGAL EVIDENCE FOR VIOLATION OF THE ATTORNEY-CLIENT
PRIVILEGE
Filipe Ramos Oliveira
2
RESUMO: O artigo propõe uma análise da ilicitude da prova provocada pela violação ao
sigilo profissional do advogado. Elegem-se três situações hipotéticas a fim definir como a
garantia do sigilo se articula com a inadmissibilidade das provas ilícitas, estudando-se, ao
fim, a forma como o sistema repele essa ilicitude.
PALAVRAS-CHAVE: Prova ilícita; inadmissibilidade; sigilo profissional do advogado;
devido processo legal; ampla defesa; vedação à valoração da prova ilícita.
ABSTRACT: The article proposes an analysis of the illegality of the evidence caused by
the violation of the attorney-client privilege. Three hypothetical situations are elected to
define how the privilege is articulated with the inadmissibility of illegal evidence,
studying, finally, how the system repels this illegality.
KEYWORDS: Illegal evidence; inadmissibility; attorney-client privilege; due process of
law; full defense; prohibited valuation of illegal evidence.
1
Artigo recebido em 05/10/2021 e aprovado em 20/12/2021.
2
Mestre em Direito Pr ocessual pela Universidade Federal do Espírito S anto (UFES), Doutorando em Direito
Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), servidor público. Vitória/ES, Brasil. E-mail:
filipero@gmail.com.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 424-461
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
425
1. INTRODUÇÃO
O advogado é indispensável à administração da justiça e, para que possa bem
exercer o seu mister, deve contar com a plena confiança daquele que representa em juízo.
Essa confiança, porém, pressupõe que os segredos revelados pelo constituinte sejam
protegidos e é a isso que serve o sigilo profissional.
A proibição dirigida ao próprio advogado (art. 154, CP), porém, é apenas uma
faceta do sigilo profissional, que encontra sua mais rica aplicação como limite à prova.
Nessa condição, a violação do sigilo profissional é causa da ilicitude da prova e, pois, de
sua inadmissibilidade, nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição.
Ainda que se tome por premissa bem aceita a ilicitude das provas obtidas ou
produzidas em violação ao sigilo, há situações em que a revelação do segredo é lícita e
outras em que seu conhecimento por agentes do Estado, na investigação ou em juízo, é
inevitável e deve ser remediada.
Nesse cenário, mais do que compreender as razões pelas quais o sigilo deve ser
protegido, interessa delimitar como o processo reage à sua violação de modo a garantir a
inadmissibilidade da prova ilícita.
Elegem-se, para tanto, três situações em que essa garantia é colocada em jogo:
quando se pretende colher o depoimento do advogado; quando o escritório profissional é o
local em que se realizará a busca e apreensão de documentos e coisas; e quando são
interceptados diálogos telefônicos entre advogados e clientes.
Em cada uma dessas situações, o mesmo limite à prova opera de forma
significativamente distinta, oferecendo interessantes reflexões a respeito de sua inserção na
dinâmica processual e da maneira como o sistema previne a violação ao sigilo e repele a
prova produzida em desatenção a essa garantia.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 424-461
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
426
2. VERDADE, PROVA E LIMITES PROBATÓRIOS
2.1. Prova e verdade no processo penal: juízo racional sobre a ocorrência dos fatos
A perspectiva adotada neste trabalho é a de que há uma relação teleológica entre
prova e verdade: a verdade, como correspondência, é o objetivo da atividade probatória
3
.
Os limites do conhecimento humano, porém, resultam em que essa busca se
satisfaça com graus de probabilidade
4
, tendo-se por comprovada uma afirmação de fato
quando as provas produzidas a indiquem como provavelmente verdadeira
5
. No processo,
portanto, não se declara ou descobre a verdade, mas produz-se conhecimento suficiente
para que se tenha por racional decidir assumindo determinadas afirmações de fato como
verdadeiras. Por isso, está provado que “p”, não significa que “p” seja verdade, mas, tão
somente, que há suficientes elementos de juízo para que se tome “p” por verdadeiro
6
.
A pressuposição de que a finalidade da prova é o conhecimento da verdade das
afirmações de fato indica que, prima facie, deve-se propiciar ao órgão julgador o maior
número de elementos de prova possível, pois a qualidade epistêmica de sua decisão será
3
TARUFFO, Michele. A prova . São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 15-16; FERRER-BELTRAN, Jordi.
Valoração racional da prova. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 46-47; FERRER-BELTRAN, Jordi. Prova e
verdade no direito. São Paulo: RT, 2017, p. 74-76. Para a adoção da correspondência e refutação de outros
critérios: BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2019, p. 84-90; TARUFFO, Michele. A prova, p. 23-28.
4
Não há, pois, graus de verdade, mas graus de conhecimento da verdade: BADARÓ, Gustavo Henrique.
Epistemologia judiciária e prova penal, p. 92. Por razões semelhantes, não faz mais sentido diferenciar a
“verdade” que se busca no processo civil da que se busca no processo penal (FERRER -BELTRÁN, Jordi.
Prova e verdade no direito, p. 65-72), ou, até mesmo, da que buscam as ciências em geral (TARUFFO,
Michele. A prova, São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 23-24).
5
A referência é à probabilidade lógica, como se vê em: TARUFFO, Michele. A prova, p. 31-34; FERRER-
BELTRÁN, Jordi. Valoração racional da prova, p. 133-135 e 172-180; BADARÓ, Gustavo Henrique.
Epistemologia judiciária e prova penal, BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova
penal. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 2 24-232.
6
FERRER-BELTRÁN, Jordi. Prova e verdade no direito, p. 37-39 e 103-105. Essa suficiência não é, porém,
um dado da epistemologia, mas uma prescrição do ordenamento, que reflete uma escolha política a respeito
da distribuição dos erros judiciais. São os standards probatórios, tema ainda pouco desenvolvido na doutrina
nacional e que escapa aos limites deste texto. Para um pan orama, vide: PEIXOTO, Ravi. Standards
probatórios no direito processual brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 62 -87, passim; FERRER-
BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons,
2021, p. 17-28; BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal. BADARÓ, Gustavo
Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thom son Reuters Brasil, 2019, p. 235-245.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT