A publicidade testemunhal de medicamentos difundida por influenciadores digitais e seu enquadramento no direito luso-brasileiro

AutorAna Clara Azevedo Amorim
CargoUniversidade Portucalense, Departamento de Direito, Porto, Portugal.
Páginas1-18
1
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0017, 2022
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.173231
Artigo Original
http://revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
A indústria farmacêutica tem encontrado novas
técnicas para promover os me dicamentos isentos
de prescrição médica junto do público geral.
Neste contex to, a publicidade testemunhal permi te
incrementar a credibilidade da mensagem,
ficando o seu enquadramento dependente da
categoria do emissor nos ordenamentos jurídicos
português e brasileiro. Adotando uma perspetiva
de direito comparado, o presente trabalho
visou analisar a publicidade testemunhal, com
especial enfoque nos depoimentos veiculados
por influenciadores digitais que recomendam o
consumo de medicamentos. Trata-s e de um estudo
qualitativo, assente no levantamento b ibliográfico
e legislativo, bem como na análise detalhada
de decisões dos organismos de autorregulação
competentes, tanto em Por tugal como no Brasil.
Concluiu-se que alguns influenciadores digitais
podem ser consider ados pessoas famosas, e não
meros consumidores, o que det ermina a ilicitude
da publicidade difundida, atenta a necessidade
de acautelar a objetivid ade e o uso racional dos
medicamentos. No entan to, resultou das decisões
analisadas uma abordagem tradicional destas
novas técnicas de promoção de medicamentos,
centrada ainda nas menções obrigatórias
e nos princípios gerais vigentes em matéria
de publicidade.
Palavras-cha ve: Influenciadores Digitais;
Medicamentos Isentos de Prescr ição Médica;
Publicidade Testemunhal.
ABSTRACT
The pharmaceutical industry has found new
techniques to promote over-the- counter drugs
to the public. In this contex t, testimonial
advertising makes it possible to increase the
credibility of the me ssage, its framework being
dependent on the category of the sender, in
the Portuguese and Brazilian legal systems.
Adopting a comparative law perspective, the
present work aimed at analysing testimonial
advertising, with a s pecial focus on testimonies
given by digital influencers who recommend
the consumption of drugs. I t is a qualitative
study, based on a bibliograp hic and legislative
survey, as well as on a detailed analysis of
decisions by competent self-regulatory bodies,
both in Portugal and B razil. It is concluded that
some digital influencer s can be considered
famous people and not just consumers, which
determines the unlawfulness of widespread
advertising, considering the need to safeguard
objectivity and the rational use of drugs.
However, a traditional approach to these new
techniques of drugs promotion, still focused
on mandatory mentions and the general
principles of advertising, resulted from the
decisions analyzed.
Keywords: Digital Influencers; Over-the-
counter Drugs; Testimonial Advertising.
Ana Clara Azevedo Amorim1
http://orcid.org/0000-0003-4121-2723
1 Universidade Portucalense, Departamento de Direito, Porto, Portugal.
Correspondência:
Ana Clara Azevedo Amorim
ana_amorim2003@hotmail.com
Recebido: 03/08/2020
Revisado: 04/10/ 2021
Aprovado: 0 6/12/ 2021
Conito de interesses:
A autora declara não haver
conflito de interesses.
Contribuição dos autores:
A autora é responsável por todo o
desenvolvimento do artigo.
Copyright: Esta licença permite
que outros remixem, adaptem
e criem a partir do seu trabalho
para fins não comerciais, desde
que atribuam a você o devido
crédito e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.
A publicidade testemunhal de medicamentos
difundida por inuenciadores digitais e seu
enquadramento no direito luso-brasileiro
The testimonial advertising of medicines disseminated by digital
influencers and its framework in Portuguese-Brazilian law
2
A publicidade testemunhal de medicamentos no direito luso-brasileiro Amorim A. C. A.
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0017, 2022
Introdução
O regime jurídico dos medicamentos isentos de prescrição médica tem sido alvo
de progressiva liberalização, tanto em Portugal como no Brasil. Esta liberalização
manifesta-se no domínio da publicidade, sobretudo quando estão em causa mensagens
dirigidas ao público geral. A comunicação comercial favorece a automedicação, num
contexto histórico em que se procura incentivar os indivíduos a assumir uma maior
responsabilidade pela sua própria saúde, nomeadamente na escolha dos meios de
tratamento. Em face dos riscos que este comportamento apresenta, o nível de informação
dos consumidores tem sido acautelado com a exigência de menções obrigatórias e o
reforço dos princípios gerais vigentes em matéria de publicidade.
A difusão de publicidade de medicamentos por influenciadores digitais constitui uma
prática comercial cada vez mais frequente, tendo sido reconhecida como uma das
principais tendências de marketing para os próximos anos na indústria farmacêutica
(DMI, 2019). Contudo, estes depoimentos não só tendem a violar outras normas, como
são suscetíveis de comprometer a objetividade e o uso racional dos medicamentos.
Depois de delimitados os fundamentos constitucionais do direito da publicidade,
serão abordadas as principais questões suscitadas pela publicidade testemunhal de
medicamentos isentos de prescrição médica. Neste sentido, será tratado o regime
jurídico dos depoimentos de especialistas, pessoas famosas e consumidores, com
recurso não só à doutrina e à jurisprudência, mas também às decisões dos organismos
de autorregulação competentes. Por fim, serão abordadas as recomendações de
medicamentos veiculadas por influenciadores digitais, considerando o respetivo
enquadramento nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.
I Perspetiva constitucional
O direito da publicidade regula a comunicação destinada a promover produtos ou
serviços no exercício de uma atividade económica. A garantia da liberdade publicitária
dos anunciantes funda-se axiologicamente na liberdade de expressão, enunciada no
artigo 37º da Constituição da República Portuguesa (CRP) (PORTUGAL, 1976) e no
artigo 5º, inciso IX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88)
(BRASIL, 1988).
No nível legislativo em Portugal, o direito da publicidade resulta hoje sobretudo do
Código da Publicidade (CPub) (PORTUGAL, 1990) e do Decreto-Lei (DL) n. 57/2008
(PORTUGAL, 2008), na sequência da transposição da Directiva 2005/29/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho (EUR-Lex, 2005), relativa às práticas comerciais
desleais das empresas em face dos consumidores no mercado interno. Com efeitos
no setor de atividade concretamente abordado, vigora também o Estatuto do
Medicamento (EM), aprovado pelo Decreto-Lei n. 176/2006 (PORTUGAL, 2006),
resultante da transposição da Directiva 2001/83/CE (EUR-Lex, 2001), do Parlamento
Europeu e do Conselho. Em sede de autodisciplina, é aplicável o Código de Conduta
da Auto Regulação Publicitária (ARP) (AUTO-REGUL AÇÃO PUBLICITARIA) – pessoa
coletiva sem fins lucrativos cujo objeto é a defesa dos princípios éticos e deontológicos
da comunicação comercial em Portugal – e, no domínio dos medicamentos,
o Código Deontológico para as Práticas Promocionais da Indústria Farmacêutica e
para as Interações com os Profissionais de Saúde e Instituições, Organizações ou
Associações constituídas por Profissionais de Saúde da Associação Portuguesa da
Indústria Farmacêutica (Apifarma) (APIFARMA) – pessoa coletiva sem fins lucrativos
que representa as empresas associadas.
No Brasil, o direito da publicidade enquadra-se genericamente nos artigos 36º a
38º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) (BRASIL, 1990). A
publicidade de medicamentos está regulada sobretudo na Lei de Vigilância Sanitária

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