Qual o gênero no STF? Uma análise do discurso de gênero presente nos votos das(os) ministras(os) do Supremo Tribunal Federal

AutorCamilla de Magalhães Gomes
CargoDoutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo. Professora Adjunta da Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6993-7289. E-mail: camillagomes...
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2225-2262.
Camilla de Magalhães Gomes
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/51710| ISSN: 2179-8966
Qual o gênero no STF? Uma análise do discurso de gênero
presente nos votos das(os) ministras(os) do Supremo
Tribunal Federal
What is the gender on STF? An analysis of the gender discourse found
in the decisions of the Supreme Court Judges
Camilla de Magalhães Gomes¹
¹ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E -mail:
camillagomes@direito.ufrj.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6993-7289.
Artigo recebido em 12/06/2020 e aceito em 23/03/2021.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2225-2262.
Camilla de Magalhães Gomes
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/51710| ISSN: 2179-8966
Resumo
Do que falam as/os Ministras/os do Supremo Tribunal Federal quando falam de gênero?
A proposta deste artigo é analisar como o gênero aparece no discurso da jurisprudência
da Corte Constitucional brasileira. A partir de um levantamento dos acórdãos que
mencionam a palavra “gênero”, 24 decisões foram encontradas e seus votos foram
examinados, à luz da teoria da performatividade, para tentar responder à pergunta. Três
empregos principais foram destacados e os trechos foram separados e examinados de
acordo com uma categorização desse uso (sexo e gênero; gênero masculino e feminino e
identidade de gênero). Ao fim, uma análise sobre a produção normativa do gênero e a
produção da relação entre ideal e cópia como produção da matriz heteronormativa de
gênero é identificada no discurso examinado.
Palavras-chave: Gênero; Performatividade; Votos; Supremo Tribunal Federal.
Abstract
What do the Supreme Court Judges talk about when they talk about gender? The purpose
of this article is to analyze how gender appears in the Brazilian Constitutional Court
jurisprudence discourse. Based on a survey of judgments that mention the word "gender",
24 decisions were found and their sentences were examined, under the theory of
performativity, in order to try to answer the question. Three main uses were highlighted
and the excerpts were separated and examined according to a categorization of this
usage (sex and gender; male and female gender and gender identity). In the end, an
analysis of the normative production of gender and the production of relations between
ideal and copy as a production of the heteronormative gender matrix is identified in the
discourse examined.
Keywords: Gender; Performativity; Sentences; Federal Supreme Court.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2225-2262.
Camilla de Magalhães Gomes
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/51710| ISSN: 2179-8966
Introdução
Do que falamos quando falamos de gênero? Quais os diversos sentidos do gênero? Quais
as bases teóricas das discussões no tema? O que as palavras que escolhemos para falar
de gênero podem revelar? Há, sem dúvida, uma longa trilha teórica a respeito do gênero
e seus muitos conceitos e teorias. Muitas dessas linhas se relacionam ou pensam a lingua-
gem e os discursos a seu respeito. Não poderia ser diferente: falar de gênero, desde suas
primeiras menções na teoria e no movimento feminista, tem por um dos propósitos afas-
tar o recurso à natureza para pensar o ser homem e ser mulher e os papeis, estereótipos,
imagens e estrutura de poder presentes nessas definições, levando o tema para o campo
das ciências sociais e para a discussão sobre as formações culturais. “Gê nero é cultura”,
vamos ver se repetir em vários discursos, como é o caso do discurso da jurisprudência da
Suprema Corte. Afirmar isso, contudo, não é suficiente, especialmente se o discurso, de
algum modo, ainda se sustenta em reivindicações de natureza, em referências biológicas,
em recursos à essência do ser.
É por isso que apresento a proposta que aqui se desenvolve: analisar, sob a te-
oria da performatividade, o discurso de gênero que circula no STF. A partir de um levan-
tamento dos acórdãos que mencionam a palavra “ gênero”, 30 decisões foram encontra-
das usando o termo no contexto de que tratamos aqui.
1
As decisões serão examinadas
em um único ponto: de que gênero falam as/os Ministras/os? Com a realização da pes-
quisa na base de jurisprudência da Corte, muitas decisões apareceram usando o termo
dos mais diversos modos (ex: “gêneros alimentícios”). Com esse primeiro filtro, foram en-
contrados 30 acórdãos que mencionam a palavra gênero no sentido empregado para falar
de pessoas homem/mulher, masculino/feminino. Pela limitação do tempo e espaço e
pela busca de usos presentes no discurso das decisões em colegiado, foram buscadas ape-
nas decisões em acórdãos, sejam de ações ou recursos em Plenário, sejam das Turmas.
Em se tratando de pesquisa na base de jurisprudência, portanto, todas elas constituem
ações e recursos com decisão final os acórdãos aqui mencionados - e foram analisadas
em seu “inteiro teor”: na linguagem jurídica, o inteiro teor dos acórdãos corresponde à
Ementa que representa o resultado final uma vez proferidos todos os votos seguida
1
Importante mencionar que a pesquisa foi realizada entre fins de 2019 e meados de 2020.
Assim, nesse momento de publicação, a pessoa leitora pode, utilizando dos recursos metodológicos
aqui apresentados, acompanhar e atualizar a lista de julgados.

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