Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário

AutorMaira Rocha Machado
CargoProfessora da Graduação e do Mestrado Acadêmico da Fundação Getúlio Vargas ? FGV Direito SP (São Paulo-SP, Brasil). Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
Páginas631-664
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o
lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
When the state of aairs is unconstitutional: about the
judiciary position in the incarceration problem
MAIRA ROCHA MACHADO I, *
I Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP (São Paulo, São Paulo, Brasil)
maira.machado@fgv.br
https://orcid.org/0000-0003-1303-5790
Recebido/Received: 25.07.2018 / July 25th, 2018
Aprovado/Approved: 26.10.2020 / October 26th, 2020
Como citar esse artigo/How to cite this article: MACHADO, Maira Rocha. Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o
lugar do Poder Judiciário no problema carcerário. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664,
maio/ago. 2020. DOI: 10.5380/rinc.v7i2.60692.
* Professora da Graduação e do Mestrado Acadêmico da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito SP (São Paulo-SP, Brasil). Doutora
em Direito pela Universidade de São Paulo. E-mail: maira.machado@fgv.br.
Resumo
O objetivo do presente texto é realizar uma análise docu-
mental de relatórios, decisões judiciais e pesquisas que
contribuam a reetir sobre o papel desempenhado pelo
poder judiciário no enfrentamento do problema carce-
rário. Para tanto, o texto parte do contexto latino-ameri-
cano, revelando as semelhanças da situação das prisões
brasileiras com inúmeras outras do continente, o que nos
convida a reetir sobre as possibilidades de intercâmbio
e aprendizado com as experiências de outros países.
Diante disso, o artigo sistematiza e compara as decisões
das cortes constitucionais colombiana e brasileira que
declararam o estado de coisas inconstitucional dos siste-
mas prisionais desses países. E, em seguida, discute os li-
mites da decisão colombiana e o que podemos aprender
Abstract
This paper presents the results of a documental analysis
in reports, judicial decisions and academic research con-
cerning the role of the judiciary power in the incarceration
problem. It departs from the Latin American context to
reveal the similarities between Brazilian prison conditions
and many others in the continent. This scenario invites us
to focus on the possibilities of mutual learning among our
countries. In view of that, the paper systematizes and com-
pares Supreme Court decisions from Colombia and Brazil
that declares the “unconstitutional state of aairs” of their
prison systems. And then discusses the limits of the Colom-
bian decision and what we can learn from this experience to
rethink about ways to deal with the prison problem in Brazil.
To expand this analysis to the lower courts, the last part of
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v7i2.60692
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 631
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“O problema carcerário é puramente de investimento do estado. Deveria o
Judiciário simplesmente libertar os presos que representam risco à
população para solucionar um problema do Executivo?”**
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. O problema carcerário no contexto latino-americano; 3. As decisões na Colômbia
e no Brasil; 4. As ssuras no modelo cristalizado de separação de poderes; 5. A repercussão no TJSP;
6. Considerações nais; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O trecho em epígrafe, entre vários outros da mesma entrevista, coloca direta-
mente em questão o papel do poder judiciário diante do assim chamado “problema
carcerário”.1 Vocaliza um modo ainda bastante difundido de observar as pessoas priva-
das de liberdade, ao distinguir “os presos que representam risco” do conjunto da “popu-
lação”, e o modo como dividimos as tarefas em matéria de penas. Este texto se debruça
sobre esse segundo ponto, ainda que, como se verá, esteja de várias formas relaciona-
do a essa clivagem histórica entre um “nós” e um “eles”.
1 Praticamente todo o conteúdo da entrevista em epígrafe convida à reexão sobre as percepções de magis-
tradas e magistrados sobre as condutas criminalizáveis e sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal.
O presente texto se limita apenas a um deles. Mas diversos outros pontos podem e devem ser escrutinados e
confrontados com o estoque de conhecimento disponível no campo do direito e das ciências sociais.
com ela para reetir sobre o problema carcerário no
Brasil. Debruça-se também sobre o potencial dos pedi-
dos formulados pelos autores da ADPF 347 para promo-
ver o desencarceramento e enfrentar, no longo prazo, o
problema carcerário. Para não restringir essa análise dos
tribunais superiores, a parte nal do artigo focaliza as de-
cisões do Tribunal de Justiça de São Paulo em ações civis
públicas sobre o problema carcerário. E, por m, aponta
questões em aberto para novas pesquisas.
Palavras-chave: encarceramento; separação de pode-
res; estado de coisas inconstitucional; ações civis públi-
cas; América Latina.
the article exams São Paulo Appeal Court (TJSP) decisions
in public civil actions concerning the incarceration problem.
Keywords: incarceration; separation of powers; unconstitu-
tional state of aairs; public civil action; Latin America.
** Trechos de entrevista de Patrícia Álvares Cruz, Juíza de Direito, Corregedora do Departamento de Inquéritos Policiais, ao jornal
Folha de São Paulo em 12.03.2018.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
Aqui, esse modo difundido de observar a divisão de tarefas em matéria de pe-
nas será denominado “modelo cristalizado de separação de poderes. De acordo com
essa formulação, que tem sido útil para reetir sobre uma série de questões no campo
criminal, o que ocorre nas prisões é problema do executivo, a qualidade e a quantidade
da pena imposta são problema do legislativo, e ao judiciário cabe ater-se à aplicação da
lei para não decidir em função das opiniões pessoais das magistradas e magistrados.
Como se vê na entrevista em epígrafe, mas também em discursos públicos e de-
cisões judiciais sobre diferentes temas, esse modelo cristalizado ainda corresponde ao
modo como diversas pessoas que atuam no sistema de justiça criminal compreendem
suas atividades prossionais. Nesse modelo cristalizado, muitos atores intervêm mas
nenhum deles se percebe como responsável pelos resultados produzidos coletivamen-
te. A ideia de “separação de poderes” associa-se então a uma enorme engrenagem em
que “cada um faz o seu” e se observa como indiferente em relação ao conjunto da obra.
Mas é possível observar também, sobretudo nos últimos anos, o surgimento de
ssuras nesse modelo, isto é, o surgimento de outras formas de observar o problema
carcerário e o modo como os três poderes, individual e conjuntamente, podem contri-
buir tanto para agravá-lo quanto para solucioná-lo (ou minimizá-lo).
A ADPF 347 sobre o “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional bra-
sileiro constitui um exemplo eloquente dessa ssura.2 Não pelo resultado tímido do jul-
gamento da medida cautelar, mas sim por três ordens de fatores, que serão discutidas
aqui: pela força comunicativa da declaração do estado de coisas inconstitucional de
nosso sistema prisional, pelo modo como essa armação está reverberando em outros
tribunais e, sobretudo, pelo teor dos pedidos formulados pelo autor da ação, o Partido
Socialismo e Liberdade - PSOL, que direcionam nossa atenção aos mecanismos jurídi-
cos que estão a nossa disposição para enfrentar o problema carcerário.
Também em 2015, poucas semanas antes do julgamento da ADPF 347, o STF
deu provimento ao RE 592.581/RS, por unanimidade, com repercussão geral, estabe-
lecendo que o judiciário pode impor obrigações ao executivo, promovendo medidas
e executando obras em estabelecimentos prisionais, com vistas a dar efetividade ao
princípio da dignidade humana e assegurar às pessoas em privação de liberdade o res-
peito à sua dignidade física e moral.3 Essa decisão afasta explicitamente a utilização
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF. Publicado em: 19 fev. 2016. Disponível em:
stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em: 26 mar. 2018. Em diante,
ADPF 347.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 592.581/RS. Recorrente: Ministério Público
do Rio Grande do Sul. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília,
01 de fevereiro de 2016. Disponível em < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2637302>.
Acesso em 28 de março de 2018. Em diante, RE 592.581.
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do argumento da “separação de poderes” que vinha sendo sistematicamente mobiliza-
do pelos tribunais para atribuir a responsabilidade pelo problema carcerário ao poder
executivo.
Diante desse quadro, o objetivo do presente texto é realizar uma análise docu-
mental de relatórios, decisões judiciais e pesquisas que nos ajude a observar o alcance
e as implicações do modelo cristalizado de separação de poderes e das ssuras que
estão surgindo. Buscar-se-á explorar um modo de abordar o problema carcerário que
focaliza as interações entre legislativo, judiciário e executivo em matéria de gestão da
pena. Atenta-se aqui aos três poderes, ciente que outras instâncias – a mídia, a própria
dogmática, os movimentos sociais – também poderiam beneciar e ser beneciados
por este de tipo de abordagem. Como em qualquer outra estratégia de pesquisa, não
conseguimos observar tudo ao mesmo tempo e, por isso, esse texto elege o judiciário,
em suas interações sobretudo com o executivo, como porta de entrada. Esse mesmo
tipo de abordagem contaria outras histórias a partir do legislativo ou do executivo.
Na formulação proposta aqui, pensar nessas interações é pensar nas concep-
ções que cada um tem do outro, concepções que pautam, e muitas vezes condicionam,
a forma como cada um de nós atua. Ao focalizar as interações e as percepções mútuas,
busca-se favorecer uma forma de construção coletiva em que todo mundo perde quan-
do esvazia ou retrai seu campo de atuação, atribuindo aos demais a responsabilidade
pelos efeitos que, juntos, causamos. Em outras palavras, ao atribuirmos a responsabi-
lidade aos demais poderes lavamos nossas mãos, tornando-nos indiferentes ao resul-
tado global, aos efeitos que são produzidos com a nossa participação (ainda que indi-
ferente). Esse tipo de abordagem nos convida a observar justamente os mecanismos
de atribuição de responsabilidade externa e também de isenção de responsabilidade
interna diante do problema carcerário.
Para avançar sobre essas questões, esse artigo está dividido em seis partes. Após
esta introdução, a seção 2 dedica-se a apresentar o problema carcerário no contexto
latino-americano. Como se verá, a situação das prisões brasileiras guarda uma série de
semelhanças com inúmeras outras do continente, o que nos convida a levar a sério
as possibilidades de intercâmbio e aprendizado com as experiências de outros países.
Justamente em virtude disso, a seção 3 sistematiza e compara as decisões das cortes
constitucionais colombiana e brasileira que declararam o estado de coisas inconstitu-
cional dos sistemas prisionais desses países. Em seguida, a seção 4 discute os limites da
decisão colombiana e o que podemos aprender com ela para reetir sobre o problema
carcerário no Brasil. Essa seção debruça-se também sobre o potencial dos pedidos for-
mulados pelos autores da ADPF 347 para promover o desencarceramento e enfrentar,
no longo prazo, o problema carcerário. Para não restringir essa análise aos tribunais
superiores, a seção 5 busca avançar a reexão sobre o lugar do poder judiciário em face
do problema carcerário focalizando as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo em
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
ações civis públicas. A seção nal sintetiza o percurso do texto e aponta questões em
aberto para novas pesquisas.
2. O PROBLEMA CARCERÁRIO NO CONTEXTO LATINOAMERICA
NO
Na Colômbia e no Brasil, como em diversos outros países latino-americanos, a
gravidade da situação penitenciária vem sendo sistematicamente denunciada4. “Bom-
bas de tempo que podem explodir a qualquer momento” - assim Sergio García Ramírez,
jurista mexicano e juiz da IACHR, descreve a situação das prisões do continente diante
do “maltrato absoluto dos reclusos, da irracionalidade dos castigos que se inigem mu-
ros adentro, do despreparo e sevícia dos funcionários (...)”.5
E não é de hoje. O historiador peruano Carlos Aguirre, em seu estudo sobre as
prisões na América Latina, analisa a recepção do penitenciarismo na primeira metade
do século XIX como um “novo padrão de encarceramento” que combinava um dese-
nho arquitetônico com uma “rotina altamente regimentada de trabalho e instrução,
um sistema de vigilância permanente sobre os detidos, um tratamento supostamen-
te humanitário e o ensino da religião aos presos”6. No decorrer desse período, foram
construídas penitenciárias no Rio de Janeiro, Santiago do Chile, Lima, Quito e Buenos
Aires, fortemente inspiradas em modelos provenientes dos Estados Unidos da Amé-
rica. Isoladas nas grandes capitais do continente, a construção de penitenciárias “não
foi seguida pela implementação de mudanças similares no resto do sistema carcerário
de cada país”7. A pesquisa de Aguirre revela que a reforma penitenciarista fracassou
no continente latino-americano tanto por “impedimentos administrativos e gerenciais”
quanto pela própria “estrutura sócio-política destas nações”: “[a]s sociedades latino-a-
mericanas pós-independência foram, em graus diversos, conguradas por estruturas
4 Sobre a gravidade da situação penitenciária na América Latina, ver CARRANZA, Eliás. Cárcel y justicia penal:
el modelo de derechos y obligaciones de las Naciones Unidas, y una política integral de seguridade de los
habitantes frente el delito. In CARRANZA, Elías (coord.). Criminalidad, cárcel y justicia penal en America
Latina y el Caribe. México Siglo XXI Editores, 2009, p. 53-126. César Leal refere-se a um “quadro tenebroso”
que se encontra “[v]isível em quase toda América Latina e no Caribe” e “tem sido objeto de denúncias feitas
por organismos internacionais de defesa dos direitos humanos e por notáveis penitenciaristas”. Cf. LEAL, César
Barros. Execução penal na América Latina à luz dos direitos humanos: viagem pelos caminhos da dor. 1 ed.
2ª reimpressão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 100.
5 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Tibi vs. Equador. Sentença de 7 de setembro de
2004, voto de Sergio García Ramírez, p. 17. Disponível em
seriec_114_esp.pdf> Acesso em 27 de março de 2018.
6 AGUIRRE, Carlos. Cárcere e sociedade na América Latina: 1800-1940. In MAIA, Clarissa; SÁ NETO, Flávio de;
COSTA, Marcos; BRETAS, Marcos Luiz (orgs.). História das prisões no Brasil. v. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p.
40.
7 AGUIRRE, Carlos. Cárcere e sociedade na América Latina: 1800-1940. In MAIA, Clarissa; SÁ NETO, Flávio de;
COSTA, Marcos; BRETAS, Marcos Luiz (orgs.). História das prisões no Brasil. V. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p.
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hierárquicas excludentes, racistas e autoritárias que, por trás da fachada de liberalismo
e democracia formal, mantiveram formas opressivas de dominação social e controle
laboral que incluíam a escravidão, a peonagem e a servidão. Direitos fundamentais de
cidadania foram negados a amplos setores da população”. E, nesse contexto, “o castigo
era visto, geralmente, como um privilégio e um dever em mãos dos grupos dominantes
dentro de seus esforços por controlar os grupos turbulentos, degenerados, racialmente
inferiores, incapazes de civilizar-se e que, portanto, não mereciam a proteção de seus
direitos civis e legais.8
Não há razões para acreditar que esse quadro se alterou desde então. Nas últi-
mas décadas foi, ademais, fortemente agravado pelo crescimento vertiginoso da po-
pulação prisional em todo continente. Entre 2000 e 2015, registra-se um crescimento
de 80% na população prisional da América Central e de 145% nos países da América
do Sul.9 Os dados referentes à densidade penitenciária – relação entre o número de
vagas e de pessoas presas – são igualmente alarmantes para toda a região, com a maio-
ria dos países apresentando “superpopulação crítica, isto é, com densidades iguais ou
superiores a 120%10. Em relatório publicado em 2011 sobre os direitos humanos das
pessoas privadas de liberdade nas américas, a Comissão Interamericana de Direitos Hu-
manos, considerando o respeito pelos direitos dos presos um dos maiores desaos para
os Estados membros da OEA, documenta no relatório “the existence of serious structural
shortcomings that gravely aect non-derogable human rights, such as the right to life and
to humane treatment (...).”11
Para vários autores, o sistema prisional que construímos ao longo dos últimos
dois séculos ilustra exemplarmente o abismo entre, de um lado, as práticas políticas
e institucionais e, de outro, a profusão de normas internacionais, constitucionais, leis,
“regras mínimas”, “princípios básicos”, decretos e regulamentos. Explorando este abis-
mo entre o conjunto normativo e o cotidiano das cárceres na América Latina, Uprimny
e Guzmán referem-se à existência de uma “tensión o paradoja: si bien hemos avanzado
considerablemente al lograr un marco jurídico que ofrece garantías constitucionales a las
8 AGUIRRE, Carlos. Cárcere e sociedade na América Latina: 1800-1940. In MAIA, Clarissa; SÁ NETO, Flávio de;
COSTA, Marcos; BRETAS, Marcos Luiz (orgs.). História das prisões no Brasil. V. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p.
71.
9 No mesmo período, os países europeus viveram um decréscimo de 21%. Vide WALMSLEY, Roy. World
Prison Population List. 11th edition. Insitute for Criminal Policy Research, 2015. Disponível em
prisonstudies.org/sites/default/les/resources/downloads/world_prison_population_list_11th_edition_0.
pdf> Acesso em 27 de março de 2018.
10 Os dados de densidade penitenciária copilados por Carranza referem-se ao ano de 2007. Carranza, Cárcel
y justicia penal: el modelo de derechos y obligaciones de las Naciones Unidas, y una política integral de seguridade
de los habitantes frente el delito, p. 63.
11 INTER-AMERICAN COMISSION OF HUMAN RIGHTS. Report on the Human Rights of Persons Deprived of
Liberty in the Americas. 2011, p. 2. Disponível em
pdf> Acesso em 27 de março de 2018.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
personas privadas de la libertad, persiste una precariedad gravísima en el goce efectivo de
los derechos fundamentales de la población reclusa del país12.
A questão que surge então é: no contexto prisional latino-americano, como dar
concretude a essas garantias fundamentais? Qual o grau de barbárie exigido para inci-
dir a proibição de uma pena cruel? Quais precisam ser as condições de vida em prisão
para se reconhecer a agressão à integridade física e moral das pessoas em privação de
liberdade?
Reetindo sobre o “conjunto de dispositivos constitucionais [que] procura ame-
nizar o impacto da prisão nos direitos fundamentais do acusado”, Dimoulis indica que
essas normas desenvolvem efeitos em três direções: “impõem ao legislador a criação
de normas concretizadoras”, “endereçam mandamentos diretos aos órgãos estatais que
atuam nos casos de prisão” e permitem a vericação da “constitucionalidade de nor-
mas legais sobre o tratamento dos presos”. De acordo com Dimoulis, o conjunto de
normas estabelecendo proibições – de penas cruéis, de agressões à integridade física,
maus-tratos, etc. - gera ao menos três tipos de efeitos: impõem ao legislador a criação
de normas concretizadoras, permitem o controle de constitucionalidade da produção
legislativa e, dirigidas diretamente aos órgãos estatais que atuam no campo prisional,
podem gerar múltiplas formas de responsabilização dos agentes implicados13. Nos dois
últimos casos, a concretização das normas depende diretamente da atuação dos ór-
gãos jurisdicionais.
O “estado de coisas inconstitucional” vem acrescentar a esse rol uma quarta pos-
sibilidade de impulsionar a concretização das normas que garantem os direitos funda-
mentais dos acusados e das pessoas em privação de liberdade. Não se trata aqui de
questionar a constitucionalidade de leis ou de responsabilizar agentes públicos pelo
descumprimento sistemático de um conjunto de normas, mas sim reconhecer a gravi-
dade e a amplitude das violações de direitos, a responsabilidade partilhada por vários
entes estatais e a necessidade de implementação de estratégias complexas, de curto,
médio e longo prazo, para cessar essas violações. Às experiências colombiana e brasilei-
ra que buscam dar concretude a esse instituto dedica-se a próxima seção.
12 YEPES, Rodrigo Uprimny. GUZMÁN, Diana Esther. Las Cárceles en Colombia: entre una Jurisprudencia
Avanzada y un Estado de Cosas Inconstitucionales. In: SEGURA, Juan David Posada (coord.). III Simposio In-
ternacional Penitenciario y de Derechos Humanos. Medellín: Universidad de San Buena Ventura, 2010, p.
145-164. No mesmo sentido, “(...) sabemos que no todo el derecho coincide con la realidad, y la realidad peni-
tenciaria suele ser el ejemplo más grave de esa discrepancia” Carranza, CARRANZA, Cárcel y justicia penal: el
modelo de derechos y obligaciones de las Naciones Unidas, y una política integral de seguridade de los habi-
tantes frente el delito. In CARRANZA, Elías (coord.). Criminalidad, cárcel y justicia penal en America Latina y
el Caribe. México: Siglo XXI Editores, 2009, p. 61. Ver, ainda, Leal ao discorrer sobre o “divórcio entre as normas
e a realidade” no campo prisional: LEAL, César Barros. Execução penal na América Latina à luz dos direitos
humanos: viagem pelos caminhos da dor. 1 ed. 2ª reimpressão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 117.
13 DIMOULIS, Dimitri. Direito penal constitucional: garantismo na perspectiva do pragmatismo jurídico-po-
lítico. Belo Horizonte: Arraes, 2016, p. 52-54.
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3. AS DECISÕES NA COLÔMBIA E NO BRASIL
O “estado de coisas inconstitucional” constitui uma gura desenvolvida pela Su-
prema Corte Colombiana em 1997 (SU-559)14 que vem sendo utilizada nos casos de
violações de direitos fundamentais que compartilham três características: (i) são “o re-
sultado de uma causa estrutural ou histórica” que (ii) “não pode ser atribuída a um único
ente mas ao Estado em seu conjunto” e que (iii) “exige a adoção de medidas de longo
prazo”15. Desde então, diversas violações sistemáticas de direitos fundamentais foram
analisadas pela Corte Colombiana à luz do “estado de coisas inconstitucional”, permitin-
do que a Corte ampliasse e sosticasse seu âmbito de atuação nesses casos.16 Percebida
como “um dos aportes fundamentais do constitucionalismo colombiano à jurisprudên-
cia e à discussão internacional sobre a proteção dos direitos humanos” 17, a gura do
“estado de coisas inconstitucional” vem sendo intensamente debatida no Brasil.18
14 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia 559/97. Bogotá, 6.11.1997. Disponível em < http://www.cor-
teconstitucional.gov.co/relatoria/1997/SU559-97.htm> Acesso em 27 de março de 2018.
15 ARIZA, Libardo José. La prisión ideal: intervención judicial y reforma del sistema penitenciario en Colombia.
In BONILLA, Daniel; ITURRALDE, Manuel (eds.). Hacia un nuevo derecho constitucional. Bogotá: Ediciones
Uniandes, 2005, p. 283-328. . A caracterização dessa gura aparece em termos um pouco distintos em Garavito:
“afetam um número amplo de pessoas”, “envolvem várias entidades estatais consideradas responsáveis por
falhas sistemáticas de políticas públicas” e “implicam ordens de execução complexas, mediantes as quais o juiz
instrui várias entidades públicas a empreender ações coordenadas para proteger toda a população afetada”.
GARAVITO, César Rodríguez. Más allá del desplazamiento, o cómo superar un estado de cosas inconstitucional.
GARAVITO, César Rodríguez (coord.). Más allá del desplazamiento, o cómo superar un estado de cosas in-
constitucional. Bogotá: Universidad de los Andes, Facultad de Derecho, Ediciones Uniandes, 2009, p. 434-493.
16 Páez sustenta que a ideia do ECI é mais um produto do neoconstitucionalismo. Ademais, ele sugere uma
denição funcional do ECI no contexto judicial colombiano: “La doctrina del ECI se instituyó como una solución
que adopta el juez constitucional ante la constatación de que las causas de una desprotección generalizada
de derechos fundamentales obedece a causas estructurales del Estado, frente a lo cual dicta órdenes a las
autoridades administrativas tendientes a dar remedio a la situación inconstitucional y que obedecerán al en-
tendimiento que el tribunal tenga sobre las fallidas o inexistentes políticas públicas que debería aplicarse para
garantizar los derechos fundamentales violados.”. Cf. PÁEZ, Nicolás Augusto Romero. La doctrina del estado
de cosas inconstitucional en Colombia: novedades del neoconstitucionalismo y “la inconstitucionalidad de la
realidad”. Derecho Público Iberoamericano, Santiago, n. 1, p. 243-264, out. 2012, p. 243-244.
17 GARAVITO, César Rodríguez. Más allá del desplazamiento, o cómo superar un estado de cosas inconsti-
tucional. GARAVITO, César Rodríguez (coord.). Más allá del desplazamiento, o cómo superar un estado de
cosas inconstitucional. Bogotá: Universidad de los Andes, Facultad de Derecho, Ediciones Uniandes, 2009, p.
435.
18 Para José Rodrigo Rodriguez, o “estado de coisas surreal de nossas prisões, aliás, é típico das sociedades
latino-americanas, em especial da brasileira”, sendo que a decisão cautelar do STF foi uma “benvinda inovação
na maneira pela qual os poderes do Estado se relacionam entre si”. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Estado de Coi-
sas Surreal. JOTA . 25 de setembro de 2015. Disponível em
estado-de-coisas-surreal-25092015> Acesso em 27 de março de 2018. Trata-se de uma resposta contundente
ao artigo de Raaele De Giorgio, José Eduardo Faria e Celso Campilongo, que discorre sobre os riscos da ideia
de “estado de coisas inconstitucional” DE GIORGI, Raaele; FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso. Estado
de Coisas Inconstitucional. O Estado de São Paulo. 19 de setembro de 2015. Disponível em
estadao.com.br/noticias/geral,estado-de-coisas-inconstitucional,10000000043> Acesso em 27 de março de
2018. Ver, ainda, LAGE, Daniel; BRUGGER, Andrey. Estado de coisas inconstitucional: legitimidade, utilização e
considerações. Revista Publicum, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 2, p. 193-240, 2017.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
Diante dos objetivos desse texto, essa seção buscará apresentar e comparar al-
guns aspectos das decisões proferidas pela Suprema Corte Colombiana e pelo Supre-
mo Tribunal Federal Brasileiro19. Em que pesem as notáveis diferenças entre as duas
decisões, ambas coincidem em declarar o “estado de coisas inconstitucional” do siste-
ma prisional e a dirigir as intervenções para alteração deste quadro tão somente para o
sistema político, em particular, para o poder executivo. Especialmente no caso brasilei-
ro, os pedidos dos subscritores da ação que buscavam enfrentar a cultura do encarcera-
mento no interior do sistema de direito criminal, foram negados. O mesmo ocorreu em
nova decisão da Suprema Corte Colombiana em que a ação buscava também medidas
de desencarceramento.
As diferenças entre as decisões dos dois países são de várias ordens.20 Em pri-
meiro lugar, a decisão colombiana (T-153/1998)21 já pode ser observada a partir do que
pode alcançar: há documentos governamentais relatando as “ações de cumprimento
da sentença”, bem como debates e estudos acadêmicos sobre seu signicado, seu apor-
te e seus limites. No Brasil, diferentemente, apenas a medida cautelar da arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF 347/2015)22 foi julgada e, até a con-
clusão desse texto, o mérito da ação ainda não havia sido submetido a julgamento. Em
virtude disso, esse texto atém-se a observar o modo como as Cortes Constitucionais
recepcionaram a questão da violação sistemática dos direitos dos presos e sobre o que
decidiram intervir (ainda que cautelarmente, no caso brasileiro). No caso colombiano, a
permanência do “estado de coisas inconstitucional”, apesar do cumprimento de grande
parte das ordens impostas pela sentença, ensejou novas ações, julgadas pela Suprema
19 A comparação entre as duas experiências é abordada em detalhe, porém com outro enfoque, em SANTOS,
Helena; Vieira, José; DAMASCENO, Luana; CHAGAS, Tainá. Estado de coisas inconstitucional: um estudo sobre
os casos colombiano e brasileiro. Quaestio Iuris. Rio de Janeiro, vol. 08, n. 04, p. 2595-2612, 2015.
20 Sobre o contexto colombiano, conferir: GARAVITO, César Rodríguez; FRANCO, Diana. Cortes y Cambio
Social: como la Corte Constitucional transformó el desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Centro de
Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2010.
21 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Ci-
fuentes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998. Disponível em acesso em
27 de março de 2018. Esta decisão será indicada, em diante, como T-153.
22 De acordo com Soares, esta ADPF teve como embrião cientíco a Clínica de Direitos Fundamentais da
Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, em especial, a tese de doutora-
do de Carlos Alexandre de Azevedo Campos, sob orientação de Daniel Sarmento, “Da Inconstitucionalidade
por Omissão ao Estado de Coisas Inconstitucional”. “Assim, sedimentada a mencionada tese, a citada Clínica
sustentou a existência de violações sistemáticas dos direitos humanos da população carcerária brasileira, vez
que visualizou, diante da jurisprudência colombiana, a possível aplicabilidade do Estado de Coisas Inconsti-
tucional (ECI) no ordenamento jurídico nacional [...] a atuação do PSOL na propositura da ADPF 347 se deu
em decorrência da falta de legitimidade jurídica da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Di-
reito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para ajuizá-la”. SOARES, Renata Araújo. O Estado
de coisas inconstitucional e a calamidade do sistema penitenciário: diretrizes constitucionais para uma
política transversal de segurança pública. 152 pp. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em
Direito: Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2018. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/
bitstream/123456789/26696/1/Estadocoisasinconstitucional_Soares_2018.pdf Acesso em: 07 jul. 2020.
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Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
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Corte em 2013 e 2015, em relação as quais conta-se ainda com escasso material de
análise23.
As decisões das Supremas Cortes Colombiana e Brasileira, em 1998 e em 2015,
reconhecem o “estado de coisas inconstitucional” dos respectivos sistemas penitenciá-
rios. Apoiam-se em relatórios, documentos, dados sobre a relação entre número de pre-
sos e vagas, bem como em inspeções realizadas por autoridades públicas. As decisões
ilustram o que adjetivam como “absolutamente subumanas”, “uma vergonha para o
Estado”, “situações infernais de superlotação”24 e, ainda, “situação vexaminosa” e “assus-
tadora”25 com descrições sobre as formas de violação dos direitos dos presos. A decisão
colombiana menciona prisões em que as pessoas dormem no chão, inclusive nos ba-
nheiros; celas construídas para abrigar uma pessoa e que contavam com 3 a 6 pessoas,
a depender do pavilhão; celas de madeira e papelão, construídas pelas próprias pes-
soas em privação de liberdade, em que mal se pode respirar diante do sufocante calor.
A decisão brasileira agrega a esta narrativa a ausência de “condições adequadas para a
existência humana”: celas imundas, sem iluminação e ventilação, áreas de banho e sol
com esgotos abertos, ausência de acesso a água, lugares em que a comida é servida em
sacos plásticos, além da ausência de fornecimento de material de higiene básica. Sem
acesso à educação, trabalho ou qualquer forma de ocupação, “convivem com as bar-
báries promovidas contra si”: “massacres, homicídios, violências sexuais, decapitação,
estripação e esquartejamento”, e “tortura policial, espancamentos, estrangulamentos,
choques elétricos, tiros com bala de borracha”. Descreve também as violações especí-
cas aos direitos das pessoas trans, a ausência de separação das pessoas por idade, tipo
de delito e natureza da prisão (cautelar ou denitiva), bem como o número insuciente
e o despreparo dos agentes penitenciários.26 Como a Corte Colombiana, conclui que o
“quadro não é exclusivo desse ou daquele presídio, mostrando-se similar em diferentes
regiões do país.
As decisões elencam também as normas constitucionais, bem como as interna-
cionais, penais, processuais e penitenciárias que são sistematicamente transgredidas
por esse estado de coisas. A Corte Colombiana descreve esse quadro normativo, bem
23 Agradeço ao Professor Libardo José Ariza por chamar minha atenção para estas ações, facilitar acesso aos
materiais disponíveis e fornecer esclarecimentos essenciais à compreensão sobre as duas novas sentenças. Por
prudência, não me atrevo a analisar diretamente as decisões colombianas, apoio-me, nesse texto, nas reexões
produzidas pelo Professor Ariza e outros juristas colombianos que se debruçaram, em especial, sobre a senten-
ça de 1998.
24 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 37.
25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 22 e 26.
26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 25-26.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
como a jurisprudência da Corte, como “letra morta”.27 As narrativas, em ambos os casos,
concluem afastando qualquer elemento de novidade. O quadro é amplamente conhe-
cido pelo poder público e pela população.28
As decisões das Supremas Cortes Colombiana e Brasileira, em 1998 e em 2015,
reconhecem o “estado de coisas inconstitucional” dos respectivos sistemas penitenciá-
rios. Apoiam-se em relatórios, documentos, dados sobre a relação entre número de pre-
sos e vagas, bem como em inspeções realizadas por autoridades públicas. As decisões
ilustram o que adjetivam como “absolutamente subumanas”, “uma vergonha para o
Estado”, “situações infernais de superlotação”29 e, ainda, “situação vexaminosa” e “assus-
tadora”30 com descrições sobre as formas de violação dos direitos dos presos. A decisão
colombiana menciona prisões em que as pessoas dormem no chão, inclusive nos ba-
nheiros; celas construídas para abrigar uma pessoa e que contavam com 3 a 6 pessoas,
a depender do pavilhão; celas de madeira e papelão, construídas pelas próprias pes-
soas em privação de liberdade, em que mal se pode respirar diante do sufocante calor.
A decisão brasileira agrega a esta narrativa a ausência de “condições adequadas para a
existência humana”: celas imundas, sem iluminação e ventilação, áreas de banho e sol
com esgotos abertos, ausência de acesso a água, lugares em que a comida é servida em
sacos plásticos, além da ausência de fornecimento de material de higiene básica. Sem
acesso à educação, trabalho ou qualquer forma de ocupação, “convivem com as bar-
báries promovidas contra si”: “massacres, homicídios, violências sexuais, decapitação,
estripação e esquartejamento”, e “tortura policial, espancamentos, estrangulamentos,
choques elétricos, tiros com bala de borracha”. Descreve também as violações especí-
cas aos direitos das pessoas trans, a ausência de separação das pessoas por idade, tipo
de delito e natureza da prisão (cautelar ou denitiva), bem como o número insuciente
e o despreparo dos agentes penitenciários31. Como a Corte Colombiana, conclui que o
“quadro não é exclusivo desse ou daquele presídio, mostrando-se similar em diferentes
regiões do país.
As decisões elencam também as normas constitucionais, bem como as interna-
cionais, penais, processuais e penitenciárias que são sistematicamente transgredidas
por esse estado de coisas. A Corte Colombiana descreve esse quadro normativo, bem
27
COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 70.
28 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 37.
29 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 37.
30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 22 e 26.
31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 25-26.
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como a jurisprudência da Corte, como “letra morta”32. As narrativas, em ambos os casos,
concluem afastando qualquer elemento de novidade. O quadro é amplamente conhe-
cido pelo poder público e pela população33.
As decisões enfatizam também que a violação sistemática dos direitos dos
presos está diretamente associada à “inação das autoridades” que “apesar de muitas
solicitações e críticas” não desenvolvem qualquer “política ocial para modicar a raiz
da gravíssima situação carcerária do país”34. O voto do Ministro Marco Aurélio discorre
longamente sobre a “responsabilidade do poder público”, indicando expressamente
que essa responsabilidade deve ser atribuída aos três poderes, tanto na esfera federal
quanto estadual. “Faltam sensibilidade legislativa e motivação política do Executivo”,
diz o Ministro35. Ao lado do problema de “formulação e implementação de políticas
públicas”, mencionado pela decisão colombiana, o Ministro Marco Aurélio acrescenta
problemas de “interpretação e aplicação da lei penal”36 . Mais especicamente, em rela-
ção à responsabilidade do poder judiciário, o Ministro menciona o elevado número de
presos provisórios, que ao nal são absolvidos ou condenados a sanções não prisionais,
e de pessoas que permanecem presas após o término do tempo determinado na sen-
tença. Diante disso, conclui que o “conjunto de soluções [...] deve envolver a atuação
coordenada e mutuamente complementar do Legislativo, do Executivo e do Judiciário,
dos diferentes níveis federativos”37. De modo bastante mais tímido, pelas razões expos-
tas a seguir, a decisão colombiana indica também que o problema não está apenas nas
mãos do executivo, especialmente do Ministério da Justiça, e que portanto “distintas
32 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 70.
33 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 37.
34 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 72.
35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 27.
36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 26.
37 Em comentário sobre a decisão, Mendes e Branco argumentam em sentido semelhante, considerando
que o STF teria decidido a partir da identicação de “uma falha estrutural comum aos três Poderes no enfren-
tamento do problema carcerário”. Os autores legitimam tal tipo de decisão, dado que não violaria a separação
de poderes, pelo contrário, “o desrespeito a um direito fundamental pela falta de sua concretização por órgãos
estranhos ao Judiciário autoriza, em casos de mais aguda gravidade, que o juiz imponha as providências con-
cretas, estimadas necessárias para que a omissão não agrave o dano que gera. Determinação dessa sorte não
há de ser censurada como hostil à separação de Poderes, nem é obstada pela defesa da reserva do possível”.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo:
Saraiva, 2019.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
áreas e órgãos do Poder Público” serão requeridas a “tomar as medidas adequadas para
a solução do problema”38.
A decisão colombiana, diferentemente da brasileira, organiza-se sobretudo ao
redor do problema da superlotação dos presídios. Ainda que diversos outros aspectos
relacionados às péssimas condições de vida em prisão, império da violência, carência
de oportunidades e meios para ressocialização sejam mencionados, a superlotação é
o objeto principal dos pedidos, e o centro da argumentação desenvolvida pela Corte.
É a partir do problema da superpopulação que a Corte faz derivar a violação de todos
direitos dos presos: direito à dignidade, a não receber tratamento ou penas cruéis, inu-
manas ou degradantes, direito à vida e à integridade física, direito à família (diante dos
obstáculos às visitas), direito à saúde, ao trabalho, à educação e o direito à presunção de
inocência, violado pela ausência de separação entre condenados e provisórios39. Diante
disso, a Corte determina, em primeiro lugar, a noticação das autoridades máximas,
dos três poderes, sobre o estado de coisas inconstitucional das prisões colombianas.
Determina também a órgãos do poder executivo a elaboração de um plano de “cons-
trução e reforma prisional” e ao governo que garanta previsão orçamentária para tanto.
O plano deve ser executado em 4 anos e, nesse mesmo período, deve se concluir a
separação completa dos presos condenados e provisórios. Outros pedidos mais espe-
cícos foram também concedidos pela Corte, direcionados à separação dos presos da
Força Pública, a solucionar o problema da falta de pessoal especializado, a criação de
centros de detenção pelo s governos estadual e municipal, bem como à investigação,
por parte do Conselho Superior da Magistratura, sobre a ausência de juízes de execu-
ção sucientes em determinadas prisões. A decisão conclui ordenando ao Presidente
da República que, “enquanto se executam as obras carcerárias ordenadas [...] tomem
as medidas necessárias para garantir a ordem pública e os direitos fundamentais dos
internos”40, sem especicar quais seriam ou deveriam ser essas medidas.
É possível dizer, portanto, que esta primeira decisão que declara o estado de
coisas inconstitucional das prisões colombianas restringe-se a exigir a elaboração de
um plano para a construção e reforma dos presídios, com vistas a resolver a questão
do décit de vagas. Convoca, sobretudo o poder executivo, a atuar no enfrentamen-
to de problemas relacionados à separação dos presos e aos agentes prisionais; mas
não se pronuncia sobre o modo como o próprio Poder Judiciário poderia atuar para
reduzir o número de pessoas em privação de liberdade. Sem uma intervenção sobre
38 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 74.
39 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 73.
40 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia de Tutela n. 153/98. Magistrado Responsável: Eduardo Cifuen-
tes Muñoz. Bogotá, 28 de abril de 1998, p. 79-80.
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Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
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a atuação do Poder Judiciário, as vagas obtidas com o plano de construção podem
rapidamente se tornar insucientes, como de fato ocorreu no caso colombiano. Esta
questão será abordada a seguir, mas antes abordaremos a decisão brasileira que, ape-
sar de ter sido provocada a intervir sobre a atuação do Judiciário, não acatou os pedidos
dessa natureza.
Dos oito pedidos cautelares formulados na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, seis dirigem-se diretamente ao poder judiciário e, particular-
mente, ao sistema de direito criminal. Para os autores da ação, equacionar o gravíssimo
problema prisional no país exige não apenas a construção de novas vagas – ao redor
de 200 mil –, mas a interpretação das normas constitucionais em matéria de aplicação
e execução de penas à luz das “dramáticas condições do sistema prisional do país”41.
Os pedidos cautelares demandam que os juízes (a) motivem expressamente as razões
que impedem a concessão de medidas cautelares não prisionais; (b) realizem audiên-
cias de custódia em até 24 horas após a prisão; (c) considerem o quadro dramático do
sistema prisional na concessão de cautelares, na aplicação e na execução da pena; (d)
apliquem, “sempre que for viável”, penas alternativas à prisão, com vistas a preservar
a proporcionalidade e a humanidade da pena; (e) abrandem os requisitos temporais
para fruição de benefícios e direitos dos presos e (f) reduzam o tempo de prisão a ser
cumprido, quando as condições de cumprimento são signicativamente mais severas
do que as impostas na sentença. Os dois últimos pedidos, não direcionados ao Judi-
ciário, dirigem-se à (g) realização de “mutirões carcerários”, pelo Conselho Nacional de
Justiça para revisar os processos de execução com vistas a adequá-los aos pedidos ‘e’ e
‘f’, acima e (h) a liberação de verbas do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para os
governos estaduais utilizarem na construção, reforma e aprimoramento dos sistemas
penitenciários.
Entre os pedidos direcionados ao poder judiciário, apenas a determinação de
realização de audiências de custódia (item b) foi deferida pela Corte. Os dois pedidos
que poderiam gerar o desencarceramento (e e f) foram negados por unanimidade (pe-
dido f) e por nove votos a 1 (pedido e). Os demais (a, c e d) foram negados por maioria
apertada (seis votos contra quatro). O último pedido, relacionado à liberação de verbas
do Funpen também foi concedido.
O pedido denitivo da ADPF, que ainda está pendente, além de conrmar as
medidas cautelares acima, requer a elaboração de um plano nacional, pelo Governo
Federal, visando à superação do estado de coisas inconstitucional. Com propostas e
metas especícas, bem como com a previsão dos recursos orçamentários necessários,
os autores da ação demandam que o plano seja submetido a amplo debate público
41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial na Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-
damental (ADPF) n° 347. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2015, p. 68. Disponível em:
wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2018.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
antes de ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Demandam também que,
após a elaboração do plano nacional, seja exigido dos governos estaduais a elaboração
de planos estaduais, a serem também debatidos publicamente e deliberados pelo STF.
Por m, os autores demandam que a implementação do plano seja monitorada pelo
STF “em processo público e transparente, aberto à participação colaborativa da socie-
dade civil”.42
As duas decisões coincidem em alocar a questão prisional como uma demanda
de “minorias”, em relação às quais as cortes constitucionais têm a “missão” de defen-
der43. A decisão brasileira destaca, neste ponto, que se trata de “uma pauta impopu-
lar, envolvendo direitos de um grupo de pessoas não simplesmente estigmatizado, e
sim cuja dignidade humana é tida por muitos como perdida, ante o cometimento de
crimes”44. E mesmo em face dessa “missão, e do pleno reconhecimento do estado de
coisas inconstitucional, as decisões não se atreveram a reconhecer as normas consti-
tucionais que proíbem as penas cruéis, o tratamento desumano ou degradante e que
garantem a integridade física e moral das pessoas em privação de liberdade. Como
se viu, até o momento não foram tomadas medidas que implicassem em alterações
concretas das condições de vida das milhares de pessoas que vivem sob o “estado de
coisas inconstitucional”.
No caso colombiano, Ariza aponta que a sentença buscou resolver o proble-
ma das prisões por intermédio da construção e reforma, em um período de 4 anos,
sem adotar qualquer ordem que pudesse remediar os problemas dos indivíduos que
ali estavam enquanto o plano era implementado. E se pergunta “como é possível que
ao mesmo tempo se reconheça que a prisão viola direitos fundamentais e se exija que
os presos permaneçam estoicamente nela?”45 A mesma indagação vale para a decisão
brasileira no pedido cautelar. Para Ariza, essa postura paradoxal da Corte Colombiana
é possível graças à denição da realidade carcerária como um problema histórico “que
permite um uso indolente do tempo vital das pessoas que estão em prisão” 46. De acor-
do com o balanço do autor, sete anos após a sentença, a resposta da Corte se traduziu
42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamen-
tal (ADPF) n° 347. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2015, p. 72.
43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 21.
44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 19 fev. 2016, p. 21.
45 ARIZA, Libardo José. La prisión ideal: intervención judicial y reforma del sistema penitenciario en Colombia.
In BONILLA, Daniel; ITURRALDE, Manuel (eds.). Hacia un nuevo derecho constitucional. Bogotá: Ediciones
Uniandes, 2005, p. 312 (tradução livre).
46 ARIZA, Libardo José. La prisión ideal: intervención judicial y reforma del sistema penitenciario en Colombia.
In BONILLA, Daniel; ITURRALDE, Manuel (eds.). Hacia un nuevo derecho constitucional. Bogotá: Ediciones
Uniandes, 2005, p. 313 (tradução livre).
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
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em aumento signicativo do sistema penitenciário, com a criação de novas vagas, “sem
que tenha se produzido uma modicação paralela das condições de reclusão” 47.
A partir das taxas de superlotação colombianas entre 1997 e 2009, Uprimny e
Guzmán observam uma redução importante nos anos 2000 e 2001 – em que a taxa
esteve ao redor de 16%, em face dos 45% do ano de 1997. Para os autores, a diminui-
ção “parece dever-se às ações empreendidas pelo Estado” em cumprimento à sentença
153/1998. No entanto, armam os autores, “logo voltaram a endurecer as políticas pu-
nitivas”, ocasionando novo aumento na taxa que em 2009 alcançou quase 39%48. Isto é,
aumentaram-se as vagas mas não no mesmo ritmo de aumento do número de pessoas
presas. Não por outra razão, a Corte Colombiana voltou a declarar o estado de coisas
inconstitucional das prisões do país em 2013 e 2015.
No Brasil, o julgamento denitivo da ADPF 347 coloca o STF diante da oportu-
nidade de, para além de reconhecer a calamidade do quadro fático, dar concretude
e extrair consequências das normas constitucionais que expressamente proíbem esse
estado de coisas. Para tanto, como indicam os subscritores da ação, a decisão precisaria
reconhecer a responsabilidade do próprio poder judiciário sobre esse estado de coisas,
e dirigir-se às magistradas e magistrados que atuam nas audiências de custódia, nas
varas criminais e nas varas de execução.
4. AS FISSURAS NO MODELO CRISTALIZADO DE SEPARAÇÃO DE
PODERES
A breve síntese das decisões sobre o estado de coisas inconstitucional no Brasil
e na Colômbia oferece pontos importantes para a reexão proposta aqui. Em primeiro
lugar, a experiência colombiana permite observar que a atribuição de responsabilidade
ao poder executivo determinando a criação de novas vagas sanou o décit, tempo-
rariamente, mas não alterou as condições de vida das pessoas em prisão e tampouco
a engrenagem de encarceramento que seguiu em expansão. A decisão da Suprema
Corte e suas implicações concretas no sistema prisional colombiano colocam direta-
mente em questão um dos componentes centrais do modelo cristalizado de separação
de poderes49, sintetizado na epígrafe deste texto: “o problema carcerário é puramente
47 ARIZA, Libardo José. La prisión ideal: intervención judicial y reforma del sistema penitenciario en Colombia.
In BONILLA, Daniel; ITURRALDE, Manuel (eds.). Hacia un nuevo derecho constitucional. Bogotá: Ediciones
Uniandes, 2005, p. 284 (tradução livre).
48 YEPES, Rodrigo Uprimny. GUZMÁN, Diana Esther. Las Cárceles en Colombia: entre una Jurisprudencia
Avanzada y un Estado de Cosas Inconstitucionales. In: SEGURA, Juan David Posada (coord.). III Simposio Inter-
nacional Penitenciario y de Derechos Humanos. Medellín: Universidad de San Buena Ventura, 2010, p. 157.
49 Sobre o caso da Colômbia, Bustamante Peña considera, por outro lado, que a posição daquele Tribunal não
congura “ativismo judicial”, mas “faz parte da consolidação do Estado de direito e da separação de poderes,
que se vê complementada pela colaboração harmônica dos poderes públicos, neste caso, através de uma de-
claração de imobilidade institucional, que pretende entregar ferramentas e pressão judicial sobre o Governo
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
de investimento do estado”. Não é. O investimento pode efetivamente ocorrer, as vagas
podem efetivamente ser criadas, e o problema permanece.
No caso do Brasil, os autores da ação buscaram justamente provocar uma ssura
nesse modelo, convocando o poder judiciário a assumir responsabilidade pelo proble-
ma carcerário no âmbito das decisões que são tomadas cotidianamente pelo sistema
de justiça criminal50. Os pedidos foram negados cautelarmente mas ofereceram um rol
de possibilidades, muito concretas, para promover o desencarceramento. E o zeram,
sobretudo, instando o judiciário a pautar o processo decisório sobre as penas (cautela-
res ou denitivas) nas características do caso concreto51.
Conforme a análise proposta aqui, essa convocação ao judiciário para decidir
em função do caso concreto opera-se, na ADPF 347, por dois caminhos. O primeiro, bas-
tante conhecido mas muito fragilmente implementado, refere-se à “individualização da
pena”, isto é, à plena consideração da biograa da pessoa no momento da tomada da
decisão. Os pedidos a e b, sobre a motivação expressa para a não concessão de medi-
das cautelares não prisionais e a implementação das audiências de custódia, instam o
judiciário a chamar para si a responsabilidade de conhecer a pessoa presa em agrante
e, diante dela, sendo o caso de conversão do agrante, pensar primeiro na aplicação de
cautelares não prisionais. E, havendo impedimento em sua utilização, expressá-lo inte-
gralmente na decisão. O pedido d, igualmente, sobre a aplicação de penas alternativas
à prisão, coloca em relevo a necessidade de observar a proporcionalidade da pena,
para sair da crise”. BUSTAMANTE PEÑA, Gabriel. Estado de cosas inconstitucional y políticas públicas. 2011.
Maestría (Estudios Políticos) – Ponticia Universidad Javeriana, Bogotá, D.C., 2011. Disponível em: http://
participaz. com/images/pdf/Capitulo6/estado_de_cosas_insconstitucional.pdf . Acesso em: 01 jun. 2020.
(tradução livre).
50 Como sustenta a tese de Campos que se atrela à própria proposição desta ADPF: “Não se trata da inércia de
uma única autoridade pública, nem de uma única unidade federativa, e sim do funcionamento deciente do
Estado como um todo que tem resultado na violação desses direitos. Os poderes, órgãos e entidades federais
e estaduais, em conjunto, vem se mantendo incapazes e manifestado verdadeira falta de vontade política em
buscar superar ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade. Falta sensibilidade legislativa quanto
ao tema da criminalização das drogas, razão maior das prisões. O próprio Judiciário tem contribuído com o
excesso de prisões provisórias, mostrando falta de critérios adequados para tanto. Falta estrutura de apoio
judiciário aos presos”. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao
Estado de Coisas Inconstitucional. 248 pp. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Direito: Uni-
versidade Estadual do Rio de Janeiro. 2015. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?-
codArquivo=8742. Acesso em: 07 jul. 2020.
51 Saliente-se que a utilização de uma ideia concebida fora do Brasil atraiu críticas concernentes à sua capa-
cidade de mudar a situação carcerária brasileira. Nesse sentido: “Do ponto de vista dogmático, não é tarefa
simples explicar a inserção do ECI no direito constitucional brasileiro. A decisão do STF na ADPF 347 é incon-
sistente na caracterização dos pressupostos que justicariam a declaração de um ECI, as medidas cautelares
deferidas são pouco efetivas, há uma injusticada demora no julgamento do mérito, os poderes apresentaram
respostas pouco substantivas e que seguem a mesma natureza das políticas tradicionalmente desenvolvidas
no Brasil e a capacidade de uma Corte Suprema mudar um estado fático de coisas por meio do Direito é posta
em dúvida.”. MAGALHÃES, Breno Baía. O Estado de Coisas Inconstitucional na ADPF 347 e a sedução do Direito:
o impacto da medida cautelar e a resposta dos poderes políticos. Revista Direito GV, São Paulo, v. 15, n. 2,
e1916, 2019, p. 31-32.
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
648
decidindo-a em função do crime concretamente praticado (pessoa e fatos) e não do
crime abstratamente previsto em lei.
O segundo caminho refere-se à convocação ao judiciário para considerar as cir-
cunstâncias concretas de cumprimento da pena que estão prestes a impor. É o que se
depreende dos pedidos c e f , que demandam a consideração do “quadro dramático do
sistema prisional na concessão de cautelares, na aplicação e na execução da pena” e a
redução do “tempo de prisão a ser cumprido, quando as condições de cumprimento
são signicativamente mais severas do que as impostas na sentença”. Trata-se aqui de
convocar o judiciário a se comprometer com a decisão que está tomando. Uma deci-
são que não se limita a meramente chancelar a escolha do legislador ao denir a pena
prevista em lei. E, sobretudo, a se comprometer com uma decisão que não se completa
no texto da sentença mas que gera uma série de efeitos no mundo, para a pessoa con-
denada, para seu entorno familiar e para a sociedade como um todo.
Como se viu, esses pedidos foram negados, por diversos motivos. Além de con-
siderações sobre os limites do pedido cautelar, destaca-se nos votos considerações so-
bre os limites impostos pela lei. Interessante notar que os pedidos c e f, de certa forma
semelhantes, tiveram placares muito diferentes. Quando se trata de “levar em conside -
ração o quadro dramático” (pedido c), o placar foi 6 a 4 (vencidos os Ministros Marco Au-
rélio, Luiz Fux, Lewandowsi e a Ministra Carmen Lucia). Mas quando essa consideração
aparece associada à redução do tempo de prisão a ser cumprido (pedido f), o pedido
foi negado por unanimidade. Nesse pedido, e no pedido e, sobre o abrandamento dos
requisitos temporais para fruição de “benefícios”, a concessão do pedido implicaria in-
terpretar as penas mínimas estabelecidas em lei (tanto nos tipos penais quanto nos
chamados “benefícios”) à luz das normas constitucionais que estabelecem a individua-
lização da pena e que proíbem as penas cruéis. 52
Ainda que negados esses pedidos em caráter liminar, as considerações sobre o
“quadro dramático do sistema prisional” e as condições concretas de cumprimento das
penas voltaram a aparecer na argumentação do tribunal.
No HC 118.533/MS, que afasta a natureza hedionda do tráco privilegiado, essas
considerações aparecem no voto do Ministro Barroso e depois ocupam o centro dos
debates, estimulando os Ministros Fachin e Teori, bem como a Ministra Rosa Weber a
reajustarem seus votos pela concessão do HC53. O voto do Ministro Barroso menciona
52 Sobre a questão da individualização da pena, ver a discussão sobre os efeitos das penas mínimas no pro-
cesso sancionatório no Brasil e no Canadá, bem como sobre a decisão do STF no RE 597.270/RS que conrma a
Súmula 231 do STJ que impede a redução aquém do mínimo quando se reconhece a incidência de circunstân-
cias atenuantes em MACHADO, Maíra Rocha. Entre a lei e o juiz: Os processos decisórios na denição de penas.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 126, p. 181-222, 2016.
53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 118.533/MS. Pacientes: Ricardo Evangelista Vieira
de Souza; Robinson Roberto Ortega. Relator(a): Min. Carmen Lúcia. Brasília, 19 de setembro de 2016. Dis-
ponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4432320 (acesso em 26 de março de
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 649
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
a tendência do STF em atenuar o rigor dos crimes hediondos em caso de tráco pri-
vilegiado, permitindo o regime diferente do fechado, a pena restritiva de direito e a
liberdade condicional. E aduz que essa tendência está associada ao “fracasso da guerra
às drogas” e à “situação do hiperencarceramento que aige a todos nós que vivemos
no Brasil [...]”54. No mesmo sentido, o Ministro Fachin arma que o tema tem “impacto
inegavelmente imenso sobre o sistema carcerário” e que, portanto, “transcende este
julgamento especíco deste HC”55. Nos debates, Lewandowski cita dados do Infopen e
arma “a situação é dramática. É uma questão de política criminal. Eu acho que, aqui,
além da questão propriamente de interpretação, de hermenêutica jurídica, há um fato
que o Supremo deve considerar que é esse”56. E, mais a frente, evoca o “estado de coisas
inconstitucional” e o princípio da individualização da pena para motivar sua decisão57.
Mais recentemente, considerações sobre as condições de vida em prisão e o
estado de coisas inconstitucional desempenharam papel relevante no julgamento do
HC Coletivo 143.641/SP.58 Em 20 de fevereiro de 2018, o STF concedeu, por maioria59,
ordem em favor de “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema peni-
tenciário nacional, que ostentam a condição de gestantes, puérperas ou de mães com
crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças”
determinando que a prisão preventiva seja substituída por prisão domiciliar.60 O voto
2018). Ordem concedida conforme voto da relatora Carmen Lucia, acompanhada de Barroso, Gilmar Mendes e
Lewandowski. Vencidos Fux, Tooli e Marco Aurélio. Reajustaram, Fachin, Teori e Rosa Weber.
54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 118.533/MS. Pacientes: Ricardo Evangelista Vieira de
Souza; Robinson Roberto Ortega. Relator(a): Min. Carmen Lúcia. Brasília, 19 de setembro de 2016, p. 21-22.
55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 118.533/MS. Pacientes: Ricardo Evangelista Vieira de
Souza; Robinson Roberto Ortega. Relator(a): Min. Carmen Lúcia. Brasília, 19 de setembro de 2016, p. 61
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 118.533/MS. Pacientes: Ricardo Evangelista Vieira de
Souza; Robinson Roberto Ortega. Relator(a): Min. Carmen Lúcia. Brasília, 19 de setembro de 2016, p. 60
57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 118.533/MS. Pacientes: Ricardo Evangelista Vieira de
Souza; Robinson Roberto Ortega. Relator(a): Min. Carmen Lúcia. Brasília, 19 de setembro de 2016, p. 91 e 93.
58 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto do relator no Habeas Corpus n.º 143.641/SP. Pacientes: Todas as
mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestan-
tes, de puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias
crianças. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível em
Detalhe.asp?idConteudo=370152> Acesso em 27 de março de 2018.
59 A maioria foi formada por Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Tooli e Celso de Mello, com divergência
somente de Fachin, para quem análises concretas e individualizadas seriam necessárias para a vericação da
medida a ser tomada em prol da criança. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu-
do=370152 . Acesso em 29 de março de 2018.
60 “Em face de todo o exposto, concedo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela
domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de
todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e decientes, nos termos do art. 2º do ECA
e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deciências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015),
relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, exce-
tuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes
ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que
denegarem o benefício. Estendo a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
650
do relator, Ministro Lewandowski, único disponibilizado pelo STF até a conclusão desse
texto, refere-se diversas vezes ao julgamento da ADPF 347 para embasar a inadequação
do sistema carcerário para as pacientes.
O HC Coletivo, impetrado por Eloísa Machado de Almeida, Bruna Soares Angotti,
André Ferreira, Nathalie Fragoso, Hilem Oliveira, advogadas do Coletivo de Advogados
de Direitos Humanos (CADHu), alicerça-se (i) nas privações que a prisão preventiva im-
põe às mulheres – programas de pré-natal e atendimento a recém nascidos e lactentes,
além de privar as crianças até 12 anos de condições adequadas ao seu desenvolvimen-
to; (ii) na precariedade das condições de vida em prisão, especialmente inadequadas
às necessidades femininas e aos exercícios dos direitos reprodutivos – o que constitui
tratamento desumano, cruel e degradante, nos termos do art. 5º, III, da Constituição
Federal e faz com que a prisão provisória extrapole os limites constitucionais da inter-
venção do poder punitivo sobre o indivíduo; e, ainda, (iii) na existência de uma política
criminal discriminatória, nos termos do art. 5º, XLI, da Constituição, pelo desproporcio-
nal impacto sobre as mulheres e suas famílias61.
Foge absolutamente aos propósitos desse texto realizar um balanço sobre o
sentido e a direção da jurisprudência do STF no campo criminal62. Como indicado na
introdução, esse texto preocupa-se em identicar ssuras no modelo cristalizado de
separação de poderes em matéria de penas. De acordo com a leitura proposta aqui, os
pedidos da ADPF 347 e as decisões do HC 118.533/MS e agora do HC coletivo 143.641/
SP, de diferentes maneiras, rompem com a lógica de atribuição de responsabilidade
externa e, ademais, convocam o poder judiciário a incorporar aos seus processos deci-
sórios as peculiaridades e características das pessoas e das circunstâncias concretas de
mães de crianças e de pessoas com deciência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas
em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas no parágrafo acima.” Cf. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 143.641/SP. Pacientes: Todas as mulheres submetidas à prisão
cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães
com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças. Relator: Ministro
Ricardo Lewandowski, p. 33.
61 COLETIVO DE ADVOGADOS DE DIREITOS HUMANOS. Habeas Corpus Coletivo com pedido liminar. 8
de maio de 2017, p. 3. Disponível em < https://cadhu.wordpress.com/2018/02/27/leia-a-integra-do-habeas-
-corpus-coletivo-do-cadhu-peticao-inicial-documentos-amici-curiae- e-decisoes/>. Acesso em 28 de março de
2018.
62 Suciente apontar aqui a decisão do STF no HC 126.292/RJ que estabeleceu o entendimento segundo
o qual a pena poderia ser executada a partir da condenação em segunda instância. Vale lembrar que, nesse
julgamento, o Ministro Lewandowski manifestou sua “perplexidade diante do fato [dessa decisão] ser tomada
logo depois de nós termos assentado, na ADPF 347 e no RE 592.581, que o sistema penitenciário brasileiro está
absolutamente falido. E mais, nós armamos, e essas são as palavras do eminente Relator naquele caso, que
o sistema penitenciário brasileiro se encontra num estado de coisas inconstitucional. Então, agora, nós vamos
facilitar a entrada de pessoas neste verdadeiro inferno de Dante, que é o nosso sistema prisional?”. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 126.292/RJ. Paciente: Marcio Rodrigues Dantas. Relator: Teori
Zavascki. Brasília, 17 de maio de 2016, p. 98. Disponível em
soAndamento.asp?numero=126292&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamen-
to=M> Acesso em 27 de março de 2018.
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Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
cumprimento de pena em nosso país. Como se viu no decorrer desta seção, em diferen-
tes contextos, o problema carcerário não é percebido como um problema “puramente
do executivo”, ainda que a lei infraconstitucional seja percebida como obstáculo impor-
tante para a plena apropriação das tarefas decisórias em matéria de penas.63
De ssuras no STF, contudo, não podemos inferir ssuras semelhantes nas ins-
tâncias inferiores. Ao contrário. Em documento produzido pelo IDDD em 2017, a “edi-
ção de súmulas vinculantes que paciquem os entendimentos consolidados pelo STF”
e a “criação de mecanismos urgentes que garantam o cumprimento das súmulas do
STJ” aparecem entre as propostas para reduzir a “superlotação prisional e melhorar o
sistema penitenciário”. De acordo com o Instituto, “obrigar os tribunais a cumprirem
a jurisprudência do STJ e do STF é um passo fundamental para democratizar o acesso
à justiça e aliviar a superlotação das prisões”64. No mesmo sentido, pesquisa sobre a
argumentação utilizada pelo TJSP antes e depois da declaração de inconstitucionali-
dade da norma que proibia penas alternativas para tráco privilegiado revelou que o
tribunal encontrou novas vias para seguir negando a substituição da pena de prisão
nesses casos65.
Para avançar sobre esse ponto, a próxima seção debruça-se sobre o modo como
o problema carcerário vem sendo compreendido e recepcionado no TJSP. Focaliza a
atuação do tribunal em ações civis públicas e em pedidos de suspensão de decisões
de primeira instância direcionados à Presidência do Tribunal, a partir dos resultados
obtidos nas pesquisas de Carolina Ferreira e outras (2015) e Luciana Zaalon Cardoso
(2017). Em seguida, com vistas a identicar se, e de que modo, as decisões do STF estão
reverberando no Tribunal de Justiça de São Paulo, a parte nal da próxima seção revi-
sita esses dois conjuntos de decisões após o julgamento da ADPF 347 e do RE 592.581.
5. A REPERCUSSÃO NO TJSP
Muito antes da declaração do estado de coisas inconstitucional, diversos ato-
res já provocavam o poder judiciário a assumir sua responsabilidade sobre o problema
63 Nesse sentido, conforme Dantas “[e]mbora essas decisões sejam consideradas ativistas, é importante
destacar que elas normalmente não envolvem grandes questionamentos acerca da existência ou con-
teúdo dos direitos fundamentais em disputa. Na maioria dos casos, a grande questão jurídica é saber como
concretizar direitos em face da reiterada inércia e omissão estatal.”. Cf. DANTAS, Eduardo Sousa. Ações estrutu-
rais, direitos fundamentais e o estado de coisas inconstitucional. Revista Constituição e Garantia de Direitos,
Natal, v. 9, n. 2, p. 155-176, 2016, p. 173.
64 INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA. Propostas para reduzir a superlotação e melhorar o
sistema penitenciário. 2017, p. 15. Disponível em < http://www.iddd.org.br/index.php/2017/02/02/propos-
tas-para-reduzir-a-superlotacao-e-melhorar-o-sistema-penitenciario/> Acesso em 27 de março de 2018.
65 MACHADO, Maíra Rocha; BARROS, Matheus de; GUARANHA, Olívia Landi Corrales; PASSOS, Julia Adib. Pe-
nas alternativas para pequenos tracantes: os argumentos do TJSP na engrenagem do superencareramento.
Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 604-629, abr. 2018.
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
652
carcerário por intermédio de ações civis públicas66. Nessas ações o “problema carcerá-
rio” assume diversos contornos e se concretiza em diferentes tipos de pedido: trans-
ferência de presos, vedação de envio de novos presos a unidades superlotadas, inter-
dição de unidades, reformas estruturais, fornecimento de recursos básicos (como col-
chões, água potável) e serviços de saúde, oferta de ensino fundamental e médio, além
de realização de estudos de impacto ambiental e de vizinhança antes da construção de
novas unidades. Inúmeros aspectos dessas ações revelam-se de enorme interesse para
uma pesquisa sobre o papel do poder judiciário no enfrentamento do problema carce-
rário. Essa seção, contudo, limita-se a traçar um panorama do modo como esses casos
vêm sendo decididos pelo TJSP, particularmente no tocante ao modelo cristalizado de
separação de poderes e às ssuras geradas pela ADPF 347 e pelo RE 592.581 julgadas
pelo STF em 2015.
Pesquisa realizada por Carolina Ferreira e outras em decisões do TJSP, entre 2009
e 2012, permite observar diversas estratégias argumentativas de isenção de responsa-
bilidade interna e atribuição de responsabilidade externa (ao executivo). O conjunto de
decisões analisadas versa predominante sobre obrigações de fazer: respeito ao limite
de vagas do estabelecimento prisional (em casos de presos provisórios, condenados e
de internação de adolescentes), interdição do estabelecimento, realização de reformas
e exigência de laudos ambientais para a construção de novos estabelecimentos. Entre
as obrigações de não fazer, a pesquisa identicou pedido de não alojar pessoas acima
da capacidade do local, sob pena de multa diária. 67
No conjunto de decisões de mérito analisadas, a pesquisa identicou que o TJSP
tende a reverter as decisões procedentes tomadas em primeira instância. De acordo
com a pesquisa, “(e)nquanto o juiz de primeiro grau decide pela procedência total ou
parcial em 39 casos contra 11 pela improcedência, no TJSP a relação se inverte, havendo
22 casos de procedência total ou parcial contra 26 de improcedência”. 68
A análise qualitativa indica que os principais argumentos mobilizados pelo TJSP
nessas decisões referem-se à incompetência do juízo cível para tratar de questões re-
lacionadas a presídios e à afronta ao princípio da separação de poderes. As duas linhas
66 A primeira apelação em ação civil pública julgada pelo TJSP versando sobre o problema carcerário dispo-
nível no site do tribunal data de 21/11/2007.
67 Para um panorama completo dos dados quantitativos e qualitativos produzidos pelas pesquisadoras,
ver FERREIRA, Carolina Cutrupi; FERREIRA, Luisa Moraes Abreu; VILARDI, Naiara; MACHADO, Maíra Rocha. O
problema prisional nas ações civis públicas julgadas pelo TJSP. In MACHADO, Maíra Rocha; MACHADO, Marta
Rodriguez de Assis (coords.). Carandiru não é coisa do passado. São Paulo: FGV Direito SP, 2015, p. 439-467.
Disponível em Acesso em 28 em de março de
2018.
68 FERREIRA, Carolina Cutrupi; FERREIRA, Luisa Moraes Abreu; VILARDI, Naiara; MACHADO, Maíra Rocha. O
problema prisional nas ações civis públicas julgadas pelo TJSP. In MACHADO, Maíra Rocha; MACHADO, Marta
Rodriguez de Assis (coords.). Carandiru não é coisa do passado. São Paulo: FGV Direito SP, 2015, p. 451. Dis-
ponível em Acesso em 28 em de março de 2018.
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 653
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
argumentativas são reveladoras do que denominamos aqui modelo cristalizado de
separação de poderes. Na raiz da primeira linha está a compreensão de que transfe-
rências de presos e interdições são questões “de natureza administrativa” e de compe-
tência do juiz de execução e da corregedoria de presídios. Em um dos acórdãos citados
na pesquisa, o argumento aparece nos seguintes termos: “Há dúvida quanto a poder
um juiz interferir dessa forma na esfera de atuação de outro; ainda que em atribuição
administrativa, os presídios são scalizados por um juiz de direito a quem a lei atribuiu
a adequação dos presídios à lei. (...) Causa desconforto a interferência do juízo no dia
a dia do presídio, este de responsabilidade do Diretor do Presídio sob scalização do
Juiz Corregedor Permanente. (grifos meus)”69. Essa passagem nos ajuda a visualizar a
dimensão que pode tomar o modelo cristalizado: entre diferentes órgãos, no interior
do próprio poder judiciário, pode-se funcionar por isenção de responsabilidade. Se há
provas dos fatos sobre os quais versa a ação civil pública, signica que os órgãos dire-
tamente competentes não cumpriram suas obrigações legais. Com este tipo de argu-
mento, evita-se adentrar a questão substantiva em jogo, em razão dos “desconfortos”
que tal atuação pode gerar.
No tocante à segunda linha argumentativa, a pesquisa identicou duas corren-
tes. A primeira considera que o Judiciário não pode interferir em decisão governamen-
tal, com base em interpretação do art. 2o da CF segundo a qual compete ao Executivo
“a função de executar as leis, ca(ndo) claro que ao Poder Judiciário não compete dizer
quanto e como executar suas funções”70. A pesquisa apresenta diversas decisões que
ilustram o argumento segundo o qual “a superlotação carcerária é uma questão perti-
nente apenas ao Poder Executivo e, por consequência, todas as medidas relacionadas
ao problema, como a transferência de presos, promoção de reformas e desativação de
unidades também estariam no âmbito da discricionariedade administrativa”.71
Já a segunda corrente admite a atuação do Judiciário nesses casos, desde que
seja para garantir a legalidade dos atos administrativos. Em alguns casos, esta argu-
mentação aparece associada ao princípio da dignidade da pessoa humana e outras
convenções internacionais de proteção de direitos humanos. É o que se observa, por
exemplo, em trecho de acórdão citado na pesquisa que arma: “respeito, dignidade
69 TJSP, Apelação Cível 0000787-16.2008.8.26.0142, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Lineu Peinado,
j. 08.02.2011.
70 TJSP, Agravo de Instrumento 187686-24.2012.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ru-
bens Rihl, j. 19.09.2012.
71 FERREIRA, Carolina Cutrupi; FERREIRA, Luisa Moraes Abreu; VILARDI, Naiara; MACHADO, Maíra Rocha. O
problema prisional nas ações civis públicas julgadas pelo TJSP. In MACHADO, Maíra Rocha; MACHADO, Marta
Rodriguez de Assis (coords.). Carandiru não é coisa do passado. São Paulo: FGV Direito SP, 2015, p. 456. Dis-
ponível em Acesso em 28 em de março de 2018.
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
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humana e condições de ressocialização aos presos são obrigações do Estado e dever
do Judiciário exigir a efetivação desses Direitos” 72.
Esses posicionamentos são minoritários, prevalecendo argumentos que afas-
tam a responsabilidade do Poder Judiciário no enfrentamento do problema. A pesqui-
sa conclui indicando que, no TJSP, as ações civis públicas, especialmente no tocante
à transferência de presos e à interdição de estabelecimentos “encontra grandes re-
sistências em se efetivar como estratégia de minimização ou alteração do problema
prisional”.73
Outra pesquisa, concluída recentemente, acrescenta novos elementos a esse
quadro de resistências às estratégias jurisdicionais de alteração do problema prisional.
Em tese de doutorado sobre o sistema de justiça paulista, Luciana Zaalon Car-
doso apresenta os resultados de um levantamento sobre as decisões tomadas pela
Presidência do TJSP para suspender os efeitos de decisões judiciais de primeira ins-
tância tomadas contra a administração pública74. Essa competência está prevista em
diversos diplomas normativos e vem sendo debatida pelos tribunais superiores e pela
doutrina75.
Em sua tese, Luciana Cardoso analisou 487 decisões referentes a pedidos de
suspensão nas gestões de Ivan Sartori (2012 – 2013) e Renato Nalini (2014 – 2015). De
acordo com os resultados da pesquisa, os temas em que há acolhimento dos pedidos
de suspensão são sensivelmente concentrados, e os pedidos relacionados ao problema
carcerário estão entre eles. No período coberto pela pesquisa, chegaram ao tribunal
72 TJSP, Embargos Infringentes 9092747-45.2002.8.26.0000/50000, 3ª Câmara de Direito Público, Rel.
Des. Antonio Carlos Malheiros, j. 06.12.2011.
73 FERREIRA, Carolina Cutrupi; FERREIRA, Luisa Moraes Abreu; VILARDI, Naiara; MACHADO, Maíra Rocha. O
problema prisional nas ações civis públicas julgadas pelo TJSP. In MACHADO, Maíra Rocha; MACHADO, Marta
Rodriguez de Assis (coords.). Carandiru não é coisa do passado. São Paulo: FGV Direito SP, 2015, p. 466. Dis-
ponível em Acesso em 28 em de março de 2018.
74 CARDOSO, Luciana Zaalon Leme. Uma espiral elitista de armação corporativa: blindagens e criminali-
zações a partir do imbricamento das disputas do sistema de justiça paulista com as disputas da política con-
vencional. 336 p. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2017. Disponível
em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2204/browse?value=Cardoso%2C+Luciana+Zaa-
lon+Leme&type=author> Acesso em 23 mar. 2018.
75 Ver, em especial Lei 8437/92, e também Lei 7347/85, art. 12, § 1º, Lei 8437/92, art. 4º, §§ 1° ao 9º, Lei 9407/97,
art. 16, Lei 12016/09, art. 15, §§ 1° ao 5º. A medida de suspensão de segurança é considerada um instrumento
de proteção do interesse público diante da concessão de um provimento jurisdicional que cause grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, por meio do qual a pessoa jurídica de direito público
interessada ou o Ministério Público requerem ao presidente do Tribunal competente a suspensão da execução
da decisão, sentença ou acordão proferido. Não tem natureza recursal, mas a nalidade de cessar os efeitos
de uma liminar ou sentença até o trânsito em julgado. Sobre sua natureza (jurídica ou política), legitimidade e
competência de julgamento, ver, entre outros, STF, RE 798740 AgR, rel. p/ acórdão min. Marco Aurélio, 1ª Tur-
ma, j. 01/09/2015; STF, AgRgSS 432-DF, DJU 12.2.1993, M in. Sepúlveda Pertence; Súmula 626 do STF. E, ainda,
VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público. 2.ed. São Paulo: Ed. RT,
2010.
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 655
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
15 pedidos nessa temática e em 13 deles a decisão de primeira instância foi suspensa
atendendo aos pedidos do Governo do Estado de São Paulo.
Nove dos 15 casos referem-se diretamente ao quadro de superlotação e condi-
ções de vida insalubres em Centros de Detenção Provisória, Penitenciárias e unidades
da Fundação Casa76. De acordo com a pesquisa, a Presidência do TJSP suspendeu as de -
cisões de primeira instância favoráveis aos pedidos com fundamentação concisa – de 5
a 8 páginas – que seguem “rigorosos padrões de repetição”.77 Basicamente, argumentam
que a decisão de primeira instância exige aportes nanceiros que “implica embaraço ao
adequado exercício das funções da Administração”, que representa violação à ordem
pública provimento judicial que obstaculiza ou diculta, sem causa legítima, o adequa-
do exercício das funções da Administração e que o “décit de vagas (...) é um problema
antigo e alcança todo o Estado de São Paulo (...) o que sugere análises e ponderações
de todo o sistema” e não de unidades isoladas. O quarto argumento sistematicamente
utilizado nessas decisões refere-se ao alinhamento “com a jurisprudência do Pretório
Excelso”, especicamente a decisão da Ministra Ellen Gracie, nos seguintes termos: “no
caso em tela, encontra-se presente a possibilidade de grave lesão à segurança pública,
uma vez que a decisão, cujos efeitos se pretendem suspender, impede o encaminha-
mento de novos presos ao estabelecimento penal, circunstância que poderá colocar em
risco a integridade física e patrimonial dos cidadãos, bem como que a transferência dos
detentos, exigirá um dispêndio nanceiro imediato por parte do Estado, que, por certo,
não tem previsão orçamentária, o que comprometeria a execução do orçamento esta-
dual (SL 93, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) ELLEN
GRACIE, julgado em 08/05/2006).” (grifos meus)78.
Além dessa decisão - em que a Ministra opõe, como na epígrafe desse texto,
“detentos” e os “cidadãos”, armando que às custas da integridade física e moral dos
primeiros busca-se não colocar em risco a integridade física e patrimonial dos últimos
– outro precedente do STF aparece reiteradamente nas decisões do TJSP analisadas
acima. Trata-se do Recurso Extraordinário 422.298/2006, de relatoria do Ministro Eros
Grau, que registra textualmente: “a forma como o Estado-membro vai garantir o direito
76 Os outros casos tratam de direito à saúde da população prisional, interdição temporária de unidade prisio-
nal e realização de estudos de impacto ambiental para a instalação de novos presídios.
77 CARDOSO, Luciana Zaalon Leme. Uma espiral elitista de armação corporativa: blindagens e criminaliza-
ções a partir do imbricamento das disputas do sistema de justiça paulista com as disputas da política conven-
cional. 336 p. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2017. p. 224. Disponível
em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2204/browse?value=Cardoso%2C+Luciana+Zaa-
lon+Leme&type=author> Acesso em 23 mar. 2018.
78 Todas as citações desse parágrafo foram extraídas de CARDOSO, Luciana Zaalon Leme. Uma espiral elitis-
ta de armação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do sistema de
justiça paulista com as disputas da política convencional. 336 p. Tese (doutorado) – Escola de Administração
de Empresas de São Paulo, 2017. p. 225-226. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/2204/browse?value=Cardoso%2C+Luciana+Zaalon+Leme&type=author> Acesso em 23 mar. 2018.
MAIRA ROCHA MACHADO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
656
à segurança pública há de ser denida no quadro de políticas sociais e econômicas cuja
formulação é atribuição exclusiva do Poder Executivo. Não cabe ao Judiciário determi-
nar a realização de obras em cadeia pública”79.
No entanto, em 12 de agosto de 2015, no Recurso Extraordinário 592.581 relata-
do pelo Min. Lewandowski, em que houve reconhecimento de repercussão geral, o STF
rma nova posição, nos seguintes termos: “É lícito ao Judiciário impor à Administração
Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de
obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado
da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade
física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não
sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da sepa-
ração dos poderes” (RE 592.581, p. 56).
De maneira explícita, o STF submete o argumento da separação de poderes, na
formulação cristalizada que discutimos aqui, ao respeito à integridade física e moral
das pessoas em privação de liberdade80. Diante dessa guinada jurisprudencial, realiza-
mos novo levantamento nas decisões da Presidência do TJSP e nos acórdãos do mesmo
tribunal no âmbito de ações civis públicas, com vistas a identicar se, e de que modo, o
RE 592.581 repercutiu nas decisões do Tribunal sobre o problema carcerário.
No tocante à Presidência do Tribunal, a busca no biênio 2016-2017 resultou em
223 decisões, das quais 4 referem-se ao problema carcerário. Nas quatro as decisões de
primeira instância foram suspensas. Três delas impediam o ingresso de novos presos
em unidades e a quarta sobrestava a construção de unidade prisional em razão da au-
sência de estudo de impacto ambiental e de vizinhança, bem como de licenças de ins-
talação e operação. 81 A fundamentação das 3 primeiras decisões é idêntica, apoia-se no
argumento do “problema antigo” que alcança “a quase totalidade dos estabelecimen-
tos do Estado” e que portanto não pode ser solucionado “isoladamente”, na ausência de
previsão orçamentária e no precedente da Ministra Ellen Gracie de 2006, citado acima.
79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 422.298/PR. Recorrente: Ministério Público do
Estado do Paraná. Recorrido: Estado do Paraná. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 07 de agosto de 2006.
80 Sobre essa decisão ver STEINMETZ, Wilson; DE MARCO, Cristhian Magnus. A integridade física e moral dos
presos: a intervenção do poder judiciário na política carcerária e a decisão do Supremo Tribunal Federal no
recurso extraordinário n. 592.581. EJJL-Espaço Jurídico: Journal of Law, v. 16, n. 2, p. 655-666, 2015.
81 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Decisão monocrática em processo nº 2189616-04.2016.8.26.0000.
Requerente: Estado de São Paulo. Requerido: MM Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Andradina. Paulo Dimas
Mascaretti. São Paulo, 19 set. 2019; BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Decisão monocrática em proces-
so nº 2233862-51.2017.8.26.0000. Requerente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Requerida: MMa.
Juíza de Direito da 1º Vara da Comarca de Garça. Paulo Dimas Mascaretti. São Paulo, 22 jan. 2018; BRASIL.
Tribunal de Justiça de São Paulo. Decisão monocrática em processo nº 2127551-36.2017.8.26.0000 Re-
querente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Requerido: MM. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública
da Comarca de São Vicente. Paulo Dimas Mascaretti. São Paulo, 24 jul. 2017. BRASIL. Tribunal de Justiça de São
Paulo. Decisão monocrática em processo nº 2085454-21.2017.8.26.0000. Requerente: Fazenda Pública do
Estado de São Paulo. Requeridos: MM. Juízes de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Vicente
e 2ª Vara da Comarca de Mongaguá. Paulo Dimas Mascaretti. São Paulo, 31 de maio de 2017.
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 657
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
As quatro decisões não mencionam o RE 592.581/2015, mas também não mobilizam
diretamente os argumentos relacionados à separação de poderes cristalizada, explici-
tamente afastados naquela decisão.
Já o levantamento realizado seguindo os critérios de coleta de acórdãos utili-
zado na pesquisa de Carolina Ferreira e outras, indicado acima, revela que tanto o RE
592.581 quanto a própria ADPF 347 começaram a reverberar nas decisões do Tribunal.
Entre as 26 decisões em ações civis públicas julgadas nos anos de 2016 e 2017 sobre
o problema carcerário e disponibilizadas no site do tribunal, 11 (onze) mencionam ex-
plicitamente o RE e/ou a ADPF. Mais especicamente, 9 (nove) decisões mencionam
ambas, uma menciona apenas o RE e uma menciona só a ADPF.
Entre essas 26 decisões, cinco se referem a questões ambientais e uma ao tema
das faltas disciplinares e não serão consideradas no levantamento a seguir. Das 20 res-
tantes, 14 decisões consideraram procedentes total ou parcialmente os pedidos reali-
zados pelos autores da ação: adequação da população carcerária aos limites físicos do
presídio, seja através de redução do número de presos ou de não admissão de novos re-
clusos; garantia de acesso à saúde, através da implementação ou manutenção de equi-
pes médicas nos estabelecimentos prisionais; garantia de acesso à educação, através
do oferecimento de ensino fundamental e médio em um presídio feminino; realização
de reformas nos edifícios em questão; e, por meio do provimento de uma liminar de
tutela de urgência, a oferta de água potável e colchão aos presos.
Dentre essas 14 decisões favoráveis, há quatro que não mencionam a ADPF ou
RE e se baseiam em outros argumentos, como a observância de normas constitucio-
nais já existentes e de normativas internacionais, conjugadas com a grave violação de
direitos fundamentais - como a dignidade da pessoa humana. E indicam que não se
trata de “ingerência indevida” mas de “cumprimento do dever constitucional”82. Merece
destaque uma decisão que anula a sentença de primeira instância - que havia julgado
improcedente o pedido do Ministério Público de não admitir novos detentos em unida-
de superlotada e realizar obras emergenciais – e determina nova instrução probatória.
Nessa decisão, o relator indica que está de acordo com a posição do juiz de primeiro
grau, segundo a qual “não poderia o Judiciário imiscuir-se nos assuntos relacionados
82 Nesse sentido, discorre o Des. Antonio Cortez: “De fato, não mais prevalece o dogma absoluto da incensu-
rabilidade dos atos da Administração Pública pelo Judiciário, assim como não se admite a mera sobreposição
de um juízo valorativo judicial ao do administrador. (...) Reconhecer e garantir a efetividade de direitos não im-
plica ingerência indevida do Poder Judiciário na área de atuação de outro Poder, mas efetivo cumprimento de
seu próprio dever constitucional, que há de ser exercido mesmo contra o Estado.”. BRASIL. Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo. Acórdão nº 0029550-40.2010.8.26.0309. Relator: Des. Antonio Celso Aguilar Cortez.
São Paulo, 30 set. 2016, p. 6.
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Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7 n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020.
658
à política pública penitenciária”. Mas, diante do RE 592.581, diz o relator: “curvo-me ao
posicionamento rmado pelo C. STF (...)83
Mas há também uma decisão que menciona a ADPF e o RE e nega os pedidos
formulados na ação. No acórdão em questão, destaca-se o trecho em que se reconhece
que o STF “já sinalizou para o conjunto do Poder Judiciário a necessidade de obser-
vância da inafastabilidade de jurisdição nesse tipo de controvérsia” mas que, por ou-
tro lado, a decisão proferida na ADPF tem “caráter provisório” e “restrito alcance” tendo
em vista que somente os pedidos sobre as audiências de custódia e FUNPEN foram
concedidos84.
Por último, vale pontuar que, das nove decisões que não mencionam nem o RE
nem a ADPF, cinco determinam ou mantém a decisão desfavorável aos autores da ação.
São de três pedidos de remoção de presos para outros estabelecimentos prisionais, por
conta de superlotação e más condições dos estabelecimentos (um deles também re-
quer a interdição da cadeia pública em questão); um pedido sobre assistência de saúde;
e um de construção de nova unidade de internação da Fundação Casa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A epígrafe deste texto parece reconhecer a existência do problema carcerário
mas vincula-o “puramente” ao poder executivo, isto é, à ampliação do sistema prisional
por intermédio da construção de novas vagas. A experiência colombiana escancara o
fracasso desse tipo de estratégia.
Este texto procurou mostrar que essa forma de compreender o problema carce-
rário subtrai o papel central que o poder judiciário pode e deve desempenhar tanto no
curto prazo – modicando diretamente a situação das pessoas em privação de liberda-
de, como no caso do recém julgado HC coletivo – quanto no médio e longo prazo – por
intermédio das medidas de desencarceramento elencadas pelos autores da ADPF 347.
Ainda que negados cautelarmente esses pedidos, foi possível observar que a declara-
ção do estado de coisas inconstitucional está reverberando em outras decisões do STF
e também do TJSP.
Abre-se aqui uma ampla agenda de pesquisas sobre a extensão e o alcance das
ssuras que o STF está provocando no modelo cristalizado de separação de poderes
em matéria de penas. Ao lado do monitoramento da repercussão dessas decisões em
outros tribunais e nos anos que estão por vir, é imprescindível repertoriar também se,
83 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão em Apelação n° 0004883-94.2014.8.26.0326.
São Paulo, 19 mai. 2016.
84 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisão em Agravo de Instrumento nº 2068844-
75.2017.8.26.0000. Relator: Des. Luciana Bresciani. São Paulo, 24 ago. 2017.
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 631-664, maio/ago. 2020. 659
Quando o estado de coisas é inconstitucional: sobre o lugar do Poder Judiciário no problema carcerário
e de que modo, estão reverberando nas decisões tomadas cotidianamente nas audiên-
cias de custódia, nas sentenças condenatórias e no decorrer do processo de execução.
Do levantamento realizado neste texto não é possível inferir que as decisões
de 2015 do STF – ADPF 347 e RE 592.581 – tenham se tornado um divisor de águas
no modo como o TJSP decide os recursos em ações civis públicas ou nos pedidos de
suspensão dirigidos à Presidência do Tribunal. Mas, como se viu, estão provocando o
Tribunal a levar as “dramáticas condições carcerárias” em consideração, a “se curvar” ao
entendimento do STF ou, ao menos, a indicar os limites da decisão cautelar. A menção
frequente a essas decisões, nos dois anos subsequentes, não pode ser negligenciada.
Ao contrário, pode indicar, se lidas com otimismo, que as ssuras no modelo cristaliza-
do de separação de poderes em matéria penal estão encontrando eco até mesmo em
instâncias historicamente refratárias a assumir sua parcela de responsabilidade pelo
problema carcerário.
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36.2017.8.26.0000 Requerente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Requerido: MM. Juiz
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