O Rábula Abolicionista

AutorPedro Paulo Filho
Ocupação do AutorFormado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, foi o 1º presidente da 84ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil
Páginas106-112

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Era novembro de 1869, quando o escravo Jacinto, africano, fugira do cativeiro em Minas Gerais, batendo à porta de Luiz Gonzaga Pinto da Gama que, pelos jornais, oferecia gratuitamente os seus serviços como advogado em causas de liberdade.

Jacinto alegava que seu cativeiro era ilegal, pois havia chegado ao Brasil, após a Lei de 7 de novembro de 1831, que proibia o tráfico negreiro.

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Para os senhores de escravos, tratava-se de uma "lei para inglês ver".

Luiz Gama topou a briga e ingressou em Juízo.

Usando de um artifício processual, o juiz municipal alegou que a petição inicial deveria ser aforada no município de origem do suposto senhor africano.

Luiz Gama rebateu, reiterando o pedido anterior, declarando que o despacho do juiz era "ofensivo à lei", ao mesmo tempo em que exigia que o magistrado cumprisse o seu dever, porque ele, defensor do escravo, tinha "coragem e moralidade" para lutar contra o "estúpido emperramento" do magistrado que formulara um "fútil despacho".

Enfurecido, o juiz Rego Freitas resolveu processar o insolente, mobilizando poderosos amigos para demiti-lo do humilde emprego público, como amanuense da Secretaria de Polícia de São Paulo. Foi demitido.

Luiz Gama respondeu, em nota publicada em importante jornal da Província: "Honro-me com a demissão que acabo de receber...", explicando que o seu crime fora o de defender Jacinto e outros negros ilegalmente escravizados, enfrentando a chicana jurídica que acobertava os fazendeiros escravagistas.2Sobre ele, observou o escritor Raul Pompéia: "... não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação como quem pede esmola; outros, mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros... inúmeros. E Luiz Gama os recebia a todos com sua aspereza afável e atraente, e a todos satisfazia, praticando as mais angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias.

Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando, este, uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns, um conselho fortificante.

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E Luiz Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia, iluminando, à custa da própria vida, as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro...

E por essa filosofia, empenhava-se, de corpo e alma, fazia-se matar pelo bem... Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo que vinha das mãos de algum cliente mais abastado."

No início de sua atuação como rábula, em São Paulo, Luiz Gama atuava nos dois Ofícios Cíveis, algumas vezes, sozinho; em outras, em parceria com ilustres advogados, como Lins e Vasconcelos, Antonio Carlos Ribeiro Machado de Andrada e Silva e Américo Campos.

O seu nome sempre constava das procurações.

A partir de 1877, ele se estabeleceu definitivamente em banca de advogados...

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