Reflexões sobre a correlação entre sumariedade da cognição e provisoriedade dos provimentos jurisdicionais: em busca de uma clarificação conceitual para uma melhor compreensão das 'tutelas provisórias

AutorIgor Raatz, Natascha Anchieta
CargoPós-doutor, doutor e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS/Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos ? UNISINOS
Páginas219-253
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 17. Volume 24. Número 1. Janeiro-abril de 2023
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 219-253
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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REFLEXÕES SOBRE A CORRELAÇÃO ENTRE SUMARIEDADE DA
COGNIÇÃO E PROVISORIEDADE DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS:
EM BUSCA DE UMA CLARIFICAÇÃO CONCEITUAL PARA UMA MELHOR
COMPREENSÃO DAS “TUTELAS PROVISÓRIAS”1
REFLECTIONS ABOUT THE CORRELATION BETWEEN SUMMARITY OF
COGNITION AND PROVISIONALITY OF JURISDICTIONAL PROVISIONS: IN
SEARCH OF A CONCEPTUAL CLARIFICATION FOR A BETTER
UNDERSTANDING OF “PROVISIONAL PROTECTIONS”
Igor Raatz2
Natascha Anchieta3
RESUMO: O presente ensaio tem o objetivo de analisar os conceitos de provisoriedade, definitivid ade,
temporariedade e sumariedade da co gnição utilizados no âmbito da temática das “tutelas provisórias”,
confrontando-os com os d ispositivos legais pertinentes à matéria, de modo a elucidar qual a relação
existente entre os conceitos de provisoriedade, definitividade, temporariedade e o conceito de cognição no
direito processual, bem como de que modo esses termos se relacionam às noções de juízo de probabilidade,
de evidência e de certeza do direito afirmado em juízo. Para isso, será utilizado, como procedimento de
investigação, a revisão bibliográfica, com consulta à doutrina acerca da matéria objeto da p esquisa. O
método de pesquisa é o hipotético- dedutivo, na medida em que se buscará d emonstrar que a hipótese da
correlação entre provisoriedade e sumariedade da cognição não é, necessariamente correta, de modo que
não dá conta de toda a complexidade do tema apresentada, notadamente à luz do Código de Processo Civil
brasileiro. Quan to aos resultados e conclusões da pesquisa, pode -se destacar que o conceito clássico de
provisoriedade adotado pela doutrina brasileira é insuficiente para explicar todas as situações legais em que
o termo “tutelas provisórias” é utilizado. Em outras palavras, para que as “tutelas provisórias” possam ser
caracterizadas pelo conceito de provisoriedade, é necessário compreendê -lo de maneira abrangente,
significando uma “menor estabilidade” de certos provimentos jurisdicionais, a qual, dependendo do caso,
poderá referir-se aos efeitos práticos do provimento ju risdicional ou à sua revogabilidade pelo órgão
julgador. Por fim, esse menor grau de estabilidade não se relaciona, necessariamente, à sumariedade da
1 Artigo recebido em 20/08/2022 e aprovado em 07/12/2022.
2 Pós-doutor, doutor e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
Especialista em processo civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil ABDPC. Membro da
ABDPro Associação Brasil eira de Direito Processual. Membr o do IPDP I nstituto Panamericano de
Derecho Procesal. Professor no curso de graduação em Direito da Universidade FEEVALE. Professor em
cursos de pó s-graduação e extensão em direito processual civil. Advogado. Porto Alegre/RS. E-mail:
igor@raatzanchieta.com.br.
3 Doutoranda e Mestre em Direito pela Univer sidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Membro da
ABDPro Associação Brasil eira de Direito Processual. Membr o do IPDP I nstituto Panamericano de
Derecho Procesal. Professora em cursos de pós-graduação e extensão em direito processual civil.
Advogada. Porto Alegre/RS. E-mail: natascha@raatzanchieta.com.br.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 17. Volume 24. Número 1. Janeiro-abril de 2023
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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cognição.
PALAVRAS-CHAVE: Tutelas provisórias; tutelas de urgência; tutela ju risdicional; standards de
convencimento; Direito Processual.
ABSTRACT: This essay aims at analyzing the concepts of provisionality, definitiveness, temporality, and
summarity of cognition, all used in the scope of the theme of "provisional protections", confronting them
with the relevant legal provisions to the matter, in order to elucidate the relationship between the con cepts
of provisionality, definitiveness, temporality, and the concept of cognition in procedural law, as well as
how these terms relate to the notions of judgment of probability, of evidence and certainty of the right
affirmed in court. The bibliographical review will thus be used as an investigation procedure. The research
method is the hypoth etico-deductive one, to the extent that it will seek to demonstrate that the hypothesis
of the correlation between provisionality and summary of cognition is not necessarily correct, as it does not
account for all the complexity of the presented theme, especially in the light of the Brazilian Civil Procedure
Code. In regard the research’s results and conclusions, one can say that the classic concept of provisionality
adopted by Brazilian doctrine is insufficient to explain all the legal situations in which the term “provisional
protections” is used. Thus, for that the “provisional protections” can be ch aractered by concept of
provisionality is necessary understand it by larger way, that is, meaning “smaller stability” of some judicial
decisions. In other word, this “smaller stability” will can refers to judicial dec isions’ practice effects or to
its revocability by judge. Yet, it is very important observe that this “smaller stability” is not necessarily
linked to summary cognition.
KEYWORDS: Provisional protections; provisional urgency protection; judicial protection; standards of
persuasion; Law procedure.
1. INTRODUÇÃO
Apesar de ter dedicado todo o Livro V da Parte Geral do Código de Processo Civil
brasileiro ao tema das tutelas provisórias, o legislador pátrio não foi suficientemente claro
a respeito dos contornos conceituais de tal instituto. Por si só, essa falta de clareza
conceitual não é um problema, uma vez que é tarefa da dogmática jurídica estabelecer, a
partir do direito positivo, os elementos definidores dos institutos jurídicos e, a partir daí,
construir ou refinar os conceitos jurídicos. No caso das tutelas provisórias, essa não
parecer ser uma tarefa tão simples, uma vez que os dispositivos legais a seu respeito
acabaram aglutinando posições bastante sedimentadas sobre a matéria, mas antagônicas
em vários aspectos. É diante desse quadro inicial que se almeja, no presente ensaio, lançar
algumas reflexões sobre dois conceitos extremamente importantes para a definição das
tutelas provisórias, quais sejam: o conceito de sumariedade e o conceito de
provisoriedade.
No art. 296 do CPC, que está inserido no Título I, que corresponde às disposições
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gerais do Livro dedicado ao tema das Tutelas Provisórias, verifica-se que o legislador
buscou caracterizar as tutelas provisórias pelo elemento da provisoriedade, estabelecendo
que “a tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a
qualquer tempo, ser revogada ou modificada”. Contrapondo o dispositivo em questão ao
art. 494 do CPC e seus incisos, os quais prescrevem que, “publicada a sentença, o juiz só
poderá alterá-la” para corrigir “inexatidões materiais ou erros de cálculo” ou “por meio
de embargos de declaração”, tem-se que há, entre o provimento jurisdicional que concede
a tutela provisória e o provimento jurisdicional que põe fim à fase de conhecimento, uma
diferença no tocante ao grau de estabilidade legalmente estabelecido para cada um deles.
Desse modo, enquanto o primeiro provimento jurisdicional pode ser modificado ou
revogado a qualquer tempo, o segundo provimento jurisdicional somente poderá ser
modificado pelo mesmo órgão julgador em situações bastante limitadas e específicas.
Contudo, dessa primeira análise, não é possível depreender que a tutela provisória
seja, como o próprio nome diz, “provisória”. A comparação entre os artigos 296 e 494 do
CPC somente conduz a uma diferença de grau entre os dois pronunciamentos
jurisdicionais no que diz respeito ao elemento da estabilidade. A tutela provisória é menos
estável que a tutela jurisdicional prestada na sentença. Além disso, partindo desse
primeiro elemento de comparação, tem-se a intuição de que a tutela provisória se
diferencia da tutela jurisdicional definitiva por ser essa última prestada na sentença.
Outros dispositivos legais parecem corroborar essa conclusão, como é o caso do art.
1.015, I, do CPC, que prevê a possibilidade de interposição do agravo de instrumento para
a impugnação de decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias.
Sucede que, no tocante ao requisito da sistematicidade, o tratamento que o Código
de Processo Civil dá ao tema das tutelas provisórias está muito longe da clareza. Assim
como os artigos 296, 494 e 1.015, I, do CPC parecem indicar que as tutelas provisórias
se diferenciam da tutela definitiva por serem menos estáveis e por serem tutelas
jurisdicionais prestadas mediante pronunciamentos jurisdicionais distintos a tutela
provisória é prestada por decisão interlocutória, enquanto a tutela definitiva é prestada na
sentença , outros dispositivos legais parecem ignorar essa distinção. O artigo 1.012, §1.º,
V, do CPC, por exemplo, não deixa nenhuma dúvida que a tutela provisória poderá ser

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