Releitura do devido processo legal na esfera administrativa

AutorRicardo Perlingeiro
CargoProfessor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e Professor Programa de Pós- Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estácio de Sá. Professor visitante da Birmingham City University, Reino Unido. Pesquisador colaborador do Centro de Investigação Jurídico- Económica da Faculdade de Direito da ...
Páginas1116-1135
Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 1116-1135
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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RELEITURA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA ESFERA
ADMINISTRATIVA
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REREADING OF DUE PROCESS OF LAW IN THE ADMINISTRATIVE SPHERE
Ricardo Perlingeiro
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RESUMO: O presente texto discorre sobre o alcance da cláusula constitucional do devido
processo legal no direito administrativo brasileiro, lastreando-se na análise das Constituições
brasileiras, das Emendas V de 1791 e XIV de 1868 da Constituição dos Estados Unidos da
América, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e dos sistemas
europeu e interamericano de direitos humanos. O autor conclui que, tendo a cláusula do
devido processo legal (art. 5º LIV da Constituição) sido inspirada no direito constitucional
americano, a sua integral implementação no direito brasileiro dependeria de o legislador
exercer sua discricionariedade política para adequar a realidade da Administração Pública
brasileira à experiência das autoridades quase-independentes que exercem a função de julgar
no direito administrativo norte-americano.
PALAVRAS-CHAVE: tutela judicial efetiva; processo administrativo; Administração
Pública.
ABSTRACT: This text discusses the scope of the constitutional due process clause in
Brazilian administrative law, based on an analysis of the Brazilian Constitution and of the
Fifth (1791) and Fourteenth Amendments (1868) to the U.S. Constitution, the International
Covenant on Civil and Political Rights, and the European and Inter-American human rights
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Artigo recebido em 04/01/2022 e aprovado em 05/02/2022.
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Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e Professor Programa de Pós-
Graduação em Direito (Mestrad o e Doutorado) da Universidade Estácio de Sá. Professor visitante da
Birmingham City University, Reino Unido. Pesquisador colaborador do Centro de Investigação Jurídico-
Económica da Faculdade de Direito da Universidad e do Porto. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual e da Associação Internacional de Direito
Processual. Desembargador Federal do T ribunal Regional Federal da 2ª Região. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-
mail: r.perlingeiro@hotmail.com
Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 1116-1135
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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systems. The author concludes that since the due process clause (Brazilian Constitution
Article 5 (54), .i.e. “no one shall be deprived of liberty or property without due process of
law”) was inspired by the U.S. Constitution, Brazilian legislators should exercise their
powers of discretion to adapt the clause to the realities of the Brazilian public administrative
authorities and taking into account the experience acquired by the quasi-independent
authorities that perform the adjudicative function under U.S. administrative law.
KEYWORDS: fair trial; administrative proceedings; public administrative authorities.
1. INTRODUÇÃO
O estudo sobre a aplicação do devido processo legal às decisões administrativas no
direito constitucional brasileiro requer uma releitura de três normas-chave. De acordo com
a metodologia adotada pelo autor, no Brasil, o princípio da tutela judicial efetiva está situado
no art. 5º da Constituição Federal, encontrando previsão no inciso XXXV, quanto ao acesso
ao Judiciário para a proteção de direitos, no inciso LV, quanto às garantias processuais
jurisdicionais, e no inciso LIV, quanto ao devido processo legal.
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De fato, a partir de uma intepretação gramatical dos citados dispositivos, pode-se
chegar à conclusão de que o processo perante a Administração Pública deve ter as mesmas
características do processo perante o Judiciário. Ocorre que, prevalecendo essa exegese, as
consequências seriam nefastas.
Isso porque, invocar o devido processo legal na seara administrativa, com tal
perspectiva abrangente, implicaria condicionar o exercício dos poderes sancionatórios e
regulamentares ao oferecimento de garantias processuais que não estão ao alcance da
Administração Pública brasileira. Como proceder a Administração diante de uma demanda
que a obrigue a atuar com observância ao princípio do juiz natural? Como reagir diante da
alegação de que a autoridade que preside um processo disciplinar não é inamovível e, por
isso, não seria imparcial? São questões que, quando enfrentadas sob a ótica do devido
processo legal vigente no âmbito judicial, levariam à paralisação da Administração Pública.
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Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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