Releitura dos Espaços Público e Privado frente às TICS

AutorAmélia do Carmo Sampaio Rossi, Cinthia Obladem de Almendra Freitas
CargoDoutora em Direito pela UFPR, Professora Titular de Direito Constitucional na Graduação e Pós-Graduação - Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas, da PUCPR. Coordenado- ra do Grupo de Pesquisa Alteridade e Constituição na perspectiva das tensões contemporâneas. E-mail: amiwww.com.br@uol.com.br. / É professora Titular da Pontifícia ...
Páginas10-42
Direito, Estado e Sociedade n.60 p. 10 a 42 jan/jun 2022
Releitura dos espaços público e privado
frente às TICS
Re-Interpretation of public and private spaces based on ICT’s
Amélia do Carmo Sampaio Rossi*
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
Cinthia Obladem de Almendra Freitas**
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
1. Introdução
“A presença de outros que veem o que vemos e
ouvem o que ouvimos nos assegura da realidade
do mundo e de nós mesmos.”
Hannah Arendt
A relação público-privado se constitui em um debate secular que ainda
hoje não alcança uma definição precisa das fronteiras que separam (ou
não) estes espaços nos quais se desenvolvem, de maneira privilegiada, as
relações humanas, jurídicas e os jogos de poder. As tentativas de se estabe-
lecer a compreensão de ambos como espaços excludentes e não inter-re-
lacionados parece não ter logrado êxito ao longo do desenvolvimento das
* Doutora em Direito pela UFPR, Professora Titular de Direito Constitucional na Graduação e
Pós-Graduação - Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas, da PUCPR. Coordenado-
ra do Grupo de Pesquisa Alteridade e Constituição na perspectiva das tensões contemporâneas.
E-mail: amiwww.com.br@uol.com.br.
** É professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná desde 1885, sendo que
desde 2005 está alocada na Escola de Direito. Pesquisadora e Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Direito (PPGD) da PUCPR. Membro consultor da Comissão de Inovação e
Gestão da OAB/PR. E-mail: cinthia@ppgia.pucpr.br.
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doutrinas que se ocupam do tema. A impressão que se fortalece é a de que,
cada vez mais, estes espaços guardam uma intensa intersecção.
O renovado interesse na compreensão da relação entre estes espaços
surge, especialmente, em função dos avanços tecnológicos e informáticos
que virtualizaram a vida, as relações, a compreensão das esferas de poder,
bem como a própria compreensão das esferas pública e privada.
Assim, emprega-se o método de pesquisa lógico-dedutivo em uma
investigação de corte interdisciplinar, uma vez que transporta e dialoga
com conhecimentos da área do Direito, da Filosofia e da Informática. Uti-
lizando-se da técnica de pesquisa de documentação indireta, com ênfase
no uso da pesquisa bibliográfica, o trabalho contribui para discussões so-
bre o tema, permitindo uma compreensão de espaços distintos entre si.
Permite, porém, uma releitura que os inter-relaciona, por meio das novas
tecnologias, fazendo com que os mundos jurídico e tecnológico se unam
para entender a nova conformação dos espaços público e privado frente às
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).
Nesta linha de raciocínio o artigo estabeleceu inicialmente uma
diferenciação entre a esfera do público e do privado a partir do pensa-
mento de Hannah Arendt em relação ao contexto da Antiguidade Clássica,
no qual se construiu uma nítida distinção entre as duas esferas. A esfera
privada diz respeito à esfera da casa, que abriga a dimensão da necessidade
de se garantir a existência e o desenvolvimento físico da vida, portanto,
uma dimensão de existências assimétricas, onde predomina a violência e
o poder absoluto do chefe. Por outro lado, a esfera pública ou da polis,
que aparece como uma dimensão do político, se instrumentalizou como o
espaço no qual vige a liberdade entre os indivíduos, construído pela ação
e pelo discurso entre iguais. Obviamente não escapa à autora que a socie-
dade moderna se encarregou de apagar a nitidez da diferença construída
na Antiguidade, especialmente pelo desenvolvimento do individualismo
atomista e da competição. A excessiva subjetivação da vida moderna con-
tribuirá para o enfraquecimento da esfera pública e, consequentemente,
para o enfraquecimento da vida política e da realidade compartilhada e
construída entre os cidadãos.
A partir destas considerações, abre-se a possibilidade de questionar
sobre a interferência das novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) no dimensionamento dos espaços público e privado em uma pers-
pectiva contemporânea de vida. Vive-se a era da conexão e da mobilidade,
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Cinthia Obladem de Almendra Freitas
de modo que as novas tecnologias ressignificam a noção de distância, pro-
ximidade e mobilidade – também entre os espaços público e privado. A
própria compreensão da distinção entre público e privado se altera.
Com o fenômeno da globalização, o advento da Internet e a criação
do chamado ciberespaço, surge a promessa de que os indivíduos possam
recuperar sua voz e atuação por meio do uso de redes sociais, o que po-
deria ser a esperança de reconstrução de um novo espaço público. Não
obstante, a possibilidade de interação e compartilhamento de significados
entre os indivíduos, que seria essencial para aquela reconstrução, parece
não acontecer no uso que se faz do ciberespaço tornando-o mais próximo
à ideia de Torre de Babel.
Assim, tomando por base o pensamento de Pariser1, foi necessário fa-
zer a distinção entre capital de ligação (de cada usuário para um grupo de
interesse pré-existente) e capital de ponte (do usuário para com o exterior),
sendo que o capital de ponte é essencial para que as trocas de opiniões e in-
formações entre as pessoas possam se realizar e circular, recriando o senso
de público. Não obstante, o ambiente digital, marcado pela assimetria de
informações, parece apontar para um desenvolvimento mais forte do capi-
tal de ligação, o que propicia mais a subjetivação da vida e a atomização do
indivíduo, tal qual se passou com o advento da sociedade moderna, visto
que as TICs parecem favorecer a personalização excessiva ao invés de uma
possibilidade de troca e interação entre os indivíduos.
2. Hannah Arendt e as diferenças entre o Público e o Privado na
antiguidade clássica e o obscurecimento do Espaço Público
na sociedade moderna
A divisão entre a esfera pública e a privada na dimensão das cidades-esta-
dos helênicas era nítida e decisiva. A esfera da polis era o espaço do comum,
no qual se dava a ação e o discurso desenvolvidos na política, enquanto a
esfera privada significava o espaço familiar representado pela oikia (casa),
no qual se desenvolviam as atividades próprias à manutenção da vida, mar-
cadas pela busca da satisfação das necessidades humanas.
1 2012.

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