Reporte voluntário e cooperação em investigações transnacionais

AutorMarcelo Ribeiro de Oliveira
Páginas225-250
225
REPORTE VOLUNTÁRIO E COOPERAÇÃO
EM INVESTIGAÇÕES TRANSNACIONAIS
Rafael Szmid274
1. INTRODUÇÃO
Quando uma empresa identif‌ica275 que pode ter violado leis anticorrupção
incidentes ao seu campo de atuação276, surgem dilemas sobre como agir,
visto que as escolhas tomadas geram consequências jurídicas relevantes.
Caso a conduta identif‌icada ainda não seja de conhecimento das au-
toridades, a empresa deve decidir277, primeiramente, se irá reportar a
274 Mestre e Doutor, Universidade de São Paulo. LL.M., Stanford Law School. Ad-
vogado licenciado no Brasil e nos Estados Unidos (Nova Iorque). Counsel no es-
critório global Reed Smith. Autor do livro “Monitores Corporativos Anticorrupção
no Brasil: Um Guia para sua Utilização no Processo Administrativo e Judicial” e de
artigos acadêmicos sobre anticorrupção, antitruste e compliance. Professor convi-
dado e palestrante de cursos de compliance.
275 A empresa pode identif‌icar isso de diversas formas, como por meio de denún-
cias recebidas em seu canal de denúncias, no contexto de investigações internas ou
governamentais ou mesmo notícias na mídia.
276 Discutiremos este ponto mais a fundo, mas é possível que legislações de outros
países sejam aplicáveis ao caso, em particular as leis de combate a corrupção trans-
nacional. Este é o caso da legislação estadunidense, por exemplo.
277 Em regra, empresas privadas podem escolher se e como irão reportar determi-
nadas informações. No caso de empresas públicas, por outro lado, certas normas
226 10 ANOS DA LEI ANTICORRUPÇÃO AVANÇOS E DESAFIOS
prática voluntariamente e a quem reportar – às autoridades governa-
mentais do seu país de origem ou do exterior, quando a conduta tem
efeito transnacionais. Para tanto, as empresas, com o apoio dos seus
assessores jurídicos, costumam levar em conta uma série de fatores
para sopesar as possíveis vantagens e desvantagens de levar ao conhe-
cimento de autoridades governamentais práticas supostamente desco-
nhecidas até o momento por elas.
Entram nessa conta elementos como a chance de detecção e puni-
ção278 pelas autoridades locais e estrangeiras, os riscos jurídicos e repu-
tacionais decorrentes da divulgação da prática, as possíveis vantagens
decorrentes do reporte e cooperação, além de outros elementos279.
Caso decida seguir em frente, a empresa realiza o que chamamos
de “reporte voluntário”280, também chamado de “self-disclosure” ou
self-reporting281. Nessa hipótese, será natural que a empresa também
coopere com as autoridades para que possa se benef‌iciar de todas as
vantagens de ter feito o reporte voluntário da prática282.
Por outro lado, a empresa pode ser surpreendida pela abertura de
uma investigação governamental relacionada a práticas – correlatas ou
não – que desconhecia ou que havia identif‌icado, mas decidido não re-
portar. Neste caso, a empresa terá que decidir se irá “litigar” (ou seja,
fazer uma defesa buscando sua absolvição) ou se irá cooperar com as
autoridades buscando a imposição de uma pena mais branda.283Neste
podem tornar o reporte obrigatório, sob pena de o funcionário público que possui
conhecimento da violação ser responsabilizado.
278 Em determinados casos a punição pela prática pode estar prescrita, de modo
que eventual detecção não tende a gerar como consequência a imposição de sanção.
279 A localização dos ativos da empresa, planos futuros de participar de operações
societárias e de captar recursos são alguns exemplos.
280 Discutiremos, mais adiante, o que as autoridades governamentais estaduniden-
ses consideram como “voluntário”.
281 O termo “self-disclosure” pode ser traduzido do inglês como a ação de “divulgar
por conta própria” algum fato. O termo “self-report” signif‌ica “auto-reporte”. Em
regra, esses termos são usados por prof‌issionais da área no Brasil sem serem tradu-
zidos ao português.
282 Isso porque, não nos parece racional que uma empresa decida fazer o reporte
voluntário se não está disposta a cooperar.
283 Apesar de óbvio para a maioria dos advogados, vale destacar que a cooperação,
assim como a celebração de um acordo, é uma opção. Ou seja, a empresa pode de-
cidir não reconhecer a culpa e questionar as acusações a ela imputadas.

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