Representatividade de Categoria. Por uma aplicação do Princípio da Unicidade Sindical Obstativa da Precarização Trabalhista

AutorGérson Marques/Ney Maranhao
Páginas198-206

Page 198

Introdução

O mundo testemunha momento de ruptura de paradigma, pautado pela crescente onda de protestos no Norte da África e no Oriente Médio. A queda de ditadores, frente à mobilização social propositiva de governos mais democráticos, deixa um legado de vida cidadã marcada pela resistência à opressão.

A experiência concreta das comunidades envolvidas garante a legitimidade das conquis-tas, na reestruturação dos modelos políticos. O significado de vida cidadã para os povos que passam por processo revolucionário sempre será mais expressivo, principalmente comparado à perspectiva mantida por povos que contam com participação popular por mera concessão.

O modelo democrático no Brasil não foi implantado a partir de grande comoção social. Advém mais de uma questão circunstancial, do que propriamente de uma ruptura. A transição da Monarquia para a República decorreu de

Page 199

um golpe militar (Marechal Deodoro da Fonseca), com preponderante influência externa (Revolução Francesa) e não interna. Não por outra razão, o modelo de República adotado mostrou-se fraco, viabilizando sucessivas tomadas de poder por ditadores (Getúlio Vargas e Ditadura Militar).

A conformação de consciência cívica no Brasil, assim, está mais associada a um lento processo de transformação dos membros da comunidade do que a uma experiência emblemática e de marcante simbologia.

Mesmo a implantação da República Nova, que contou com o movimento “Diretas Já”, não fugiu à tradição, na medida em que esta mobilização, que culminou na maior manifestação pública da história do Brasil (um milhão e quintas mil pessoas, no comício de 16 de abril de 1984) não resultou na aprovação da Emenda das Eleições Diretas, na votação ocorrida em 25 de abril de 1984, por ausência de quorum. A realização das eleições diretas apenas ocorreu em 1989, após a promulgação de uma Constituição que, apesar de avançada em diversos tópicos, é tratada como mero texto formal, depreendida da força inerente a um poder constituinte originário, o que explica o fato de já contar com nada menos do que 67 Emendas.

Uma “Constituição da República” detém forte significado. É a constituição da res publica (coisa pública). O espírito constituinte, assim, é um espírito ético-comunitário, e não individualista. É o espírito livre, de concessão imediata ao público (e, apenas de forma mediata, a si próprio, enquanto integrante do público). No Brasil, como visto, este espírito inspirou a Constituição de 1988, mas com menor intensidade do que em outras comunidades. Se a comoção social que permeia a elaboração de uma Constituição é menor, a sensação de pertencimento à res publica constituída também é menor. E se a sensação de pertencimento social é menor, a legitimidade do texto formal enfraquece, dificultando a preservação e a aplicação de sua pauta de princípios pelas instituições.

Predomina, assim, a alienação do nosso povo, que não valoriza a oportunidade de autode-terminação política, seja pelo déficit educacional, seja pelo desprendimento em relação a qualquer marco histórico de maior representatividade e sacrifício, em prol da democracia.

As instituições constituídas por este povo não poderiam deixar de ser reflexo dele. O Congresso Nacional, fraco, vê o vácuo legislativo ser ocupado pelas outras esferas de Poder (Medidas Provisórias, Súmulas Vinculantes) — o que não o preocupa, na medida em que, no fundo, grande parte dos membros não estão ali para figurarem como porta-voz da sociedade, em decorrência de afinidade ideológica. São votados, sim, em contraprestação a interesses comezinhos. Abandonou-se a res publica para prevalecer o individualismo, seja o do deputado, que está ali para ser instrumento de lobby para grandes interesses privados, seja por parte do povo que o elege, que está mais ocupado de seu ganho direto em políticas assistencialistas.

A ironia está no fato de que, se o povo não se ressente com o que é feito pelo Congresso, também não se importa com o que é feito com o Congresso; e este agora é espectador de sua própria reestruturação, pautada pelo Judiciário que, antes das eleições de 2010, inspirou o movimento “ficha limpa” e, após as eleições, vem pautando a forma de preenchimento de vagas parlamentares por suplentes, resgatando-se o debate da importância do voto por legenda. O Sistema, assim, aproveitou-se da ausência da legitimidade real dos membros do Congresso para mudar o próprio Congresso, que agora tenta resgatar as rédeas do processo, criando a Comissão da Reforma Política no Senado.1

Toda a digressão feita tem o propósito de pontuar o problema da representatividade política no Brasil em todas as instâncias, bem como instigar reflexão acerca da fragilidade do texto formal posto por estes próprios representantes, a começar pela Constituição de 1988.

Page 200

Se a Constituição não representa efetivo momento de reinício para uma comunidade, mas apenas um texto formal, o seu potencial transformador vai ser mitigado por um princípio de inércia. Mais fácil do que modificar as estruturas de uma comunidade, a partir de um texto, é modificar o próprio texto, ou não regulamentá-lo em seu conteúdo programático (inércia do legislativo). Mais fácil do que reinterpretar todo um ordenamento jurídico infraconstitucional, com base em uma nova Carta, é interpretar esta própria Carta, com base no ordenamento previamente em vigor.

O sistema sindical brasileiro tem sua evolução bloqueada pelas questões abordadas. Em primeiro lugar, porque a mesma alienação política que corrompe a real representatividade do cidadão por congressistas, também o faz, no mundo do trabalho, em relação ao “síndico” gestor do Sindicato. Em segundo lugar, porque a tendência de manutenção do status quo, frente à promulgação do texto constitucional, fez com que, a princípio, se preservasse a estrutura sindical que, no Brasil, sempre atendeu a interesses de pelegos mais apegados à divisão do bolo do Imposto Sindical do que, propriamente, aos legítimos interesses de categoria. O estudo histórico da forma de estruturação dos Sindicatos no Brasil ilustra melhor a questão.

II - Evolução legislativa do princípio da unicidade sindical

O estudo histórico das Constituições Federais brasileiras promulgadas desde a proclamação da República dá conta de que o princípio da unicidade sindical representa positivação inédita no âmbito constitucional, para a qual não se emprestou a devida força em prol da consolidação de um novo paradigma.

A CF de 1891 não abordava a estrutura sindical, apenas trazendo previsão do direito de associação, nos seguintes termos:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes. § 8º A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a policia, senão para manter a ordem publica.

Já a Constituição Federal de 1934 trouxe previsão expressa de regra pertinente à estruturação sindical, garantindo a pluralidade sindical, princípio diametralmente oposto ao da unicidade sindical constitucionalizado no art. 8º, II, da Carta Magna vigente. Sob o prisma deste preceito é que se estruturaram os primeiros Sindicatos do Brasil, o que inviabiliza o convívio de diversos dos mesmos com a nova ordem constitucional. Assim dispõe a CF/34:

Art. 120. Os syndicatos e as associações profissionaes serão reconhecidos de conformidade com a lei.

Paragrapho único. A lei assegurará a pluralidude syndical e a completa autonomia dos syndicatos. (grifamos)

A Constituição Federal de 1937 também trouxe expressa previsão acerca da forma de estruturação dos Sindicatos, mostrando-se silente no que tange aos princípios da unicidade ou pluralidade sindical, mas explicitando forte carga de intervencionismo estatal. In literis:

Art 138. A associação profissional ou sindical é livre. Sómente, porém, o sindicato regular-mente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de poder publico. (grifamos)

Sob este manto constitucional, de forte inter- vencionismo, é que a regulamentação infraconstitucional de estruturação sindical sobreveio, com a aprovação da CLT, pelo Decreto-lei n.
5.453/43, na qual se destaca o Capítulo de Enquadramento Sindical (Capítulo II, do Título V, da CLT).

A Constituição Federal de 1967...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT