A resolução alternativa de litígios em Portugal: retrospetiva histórico-política

AutorHelena Alves
CargoAdvogada e Mestre em Direito
Páginas49-64

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Excertos

"Comparativamente à justiça dita tradicional, os centros de arbitragem e os julgados de paz utilizam procedimentos simplificados que permitem imprimir rapidez na resolução dos conflitos, não prejudicando, contudo, os direitos das partes"

"Os meios de resolução alternativa de litígios, com as características que hoje conhecemos, começaram a ganhar forma nos anos 1960, nos Estados Unidos da América, quando se reconheceu a ineficiência do sistema judicial e se promoveu o conhecimento e a reintegração de mecanismos comunitários de justiça"

"Não podemos de todo esquecer que uma justiça lenta inibe o investimento internacional e que Portugal necessitava arduamente de captação de investimento estrangeiro para relançar a sua economia"

"A nova Lei da Arbitragem resulta de inúmeros estudos elaborados em Portugal e em outros países onde este meio extrajudicial foi amplamente disseminado, em especial no que respeita à arbitragem comercial e arbitragem do investimento"

"Indiscutível é o caminho ainda a percorrer no sentido de tornar os meios de resolução alternativa de litígios tão notórios junto ao cidadão como o são os tribunais judiciais"

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Os meios de resolução alternativa de litígios ou meios de resolução extrajudicial podem definir-se como mecanismos, ao dispor do cidadão, que visam a solução de conflitos sem o recurso à via judicial. Enquadram-se nesta definição a arbitragem, a conciliação, a negociação, a mediação e os julgados de paz.

A presente reflexão centra-se numa retrospetiva histórico-política sobre a introdução e desenvolvimento da arbitragem, da mediação e dos julgados de paz em portugal. Como denominador comum a esses três meios de resolução extrajudicial, encontram-se subjacentes alguns princípios, dos quais destacamos pela sua importância: a celeridade, a economicidade, a simplicidade, a cooperação, a proximidade e a pacificação social, que contribuem para uma nova forma de justiça.

Comparativamente à justiça dita tradicional, os centros de arbitragem e os julgados de paz utilizam procedimentos simplificados que permitem imprimir rapidez na resolução dos conflitos, não prejudicando, contudo, os direitos das partes. Estas são convidadas a participar ativamente na solução da questão que as opõe, adotando uma postura de cooperação, através da mediação, ou por intermédio da conciliação promovida pelo juiz de paz ou árbitro.

Embora a conciliação seja utilizada nos tribunais judiciais e encontre mesmo previsão nos artigos 509º e 652º do Código de processo Civil, encontramos alguma inércia na atitude dos magistrados judiciais se a comparamos com a postura dos juízes de paz ou dos árbitros. De fato, nos julgados de paz e nos centros de arbitragem onde impera uma justiça de proximidade, o juiz e o árbitro afastam-se do papel de interveniente principal na lide, em que aplica o direito ao caso concreto proferindo a sentença, para, em conjunto com as partes, procurar obter um acordo que solucione a demanda.

Já na mediação, a intervenção do mediador enquanto terceiro, neutro e imparcial pretende sobretudo auxiliar as partes para que elas por si só possam construir a solução para o seu conflito.

Seja feito o recurso à arbitragem, aos julgados de paz ou à mediação, certo é que a tramitação processual nesses meios de resolução alternativa de litígios permite a conclusão do processo de forma célere e com custos substancialmente inferiores face aos praticados nos tribunais judiciais.

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A contribuição para a pacificação social é outro dos traços distintivos dessas estruturas relativamente à via judicial, uma vez que apostam na promoção do diálogo entre as partes discordantes. Proporcionam, assim, a resolução de questões que de outra forma dificilmente seriam resolvidas, atendendo aos custos e morosidade dos tribunais judiciais. Existe ainda uma vertente preventiva que pretende desde logo evitar que o conflito assuma grandes dimensões permitindo que após a sua resolução as partes possam conviver pacificamente. Atenda-se, a título de exemplo, aos conflitos entre consumidores e prestadores de bens ou serviços (matérias de competência dos centros de arbitragem de consumo) ou de vizinhança (da competência dos julgados de paz) ou mesmo conflitos familiares (da competência da mediação familiar), que, apesar de serem geradores de quezílias e frequentes desentendimentos, pelo seu valor, inibem as partes de recorrer ao tribunal judicial, por induzir um ambiente de alguma violência moral e até de rotura entre os intervenientes. Considerando a necessidade ou a probabilidade da relação entre as partes não se esgotar com a resolução do conflito, pretende-se que o relacionamento futuro seja vivenciado num ambiente de apaziguamento.

Os meios de resolução alternativa de litígios, com as características que hoje conhecemos, começaram a ganhar forma nos anos 1960, nos estados unidos da américa, quando se reconheceu a ineficiência do sistema judicial e se promoveu o conhecimento e a reintegração de mecanismos comunitários de justiça.

A ideia expressa por Frank sander1, em 1976, sobre os benefícios de um tribunal multi-portas em que o cidadão poderia livremente escolher o serviço que considerava mais adequado para a resolução do seu conflito, de entre os vários serviços disponíveis como a mediação, a conciliação ou a arbitragem, ganhou adeptos como projeto que permitiria ultrapassar a ineficiência da justiça.

Na mesma época, assistimos a uma mudança do paradigma sociocultural em que o cidadão dispunha de um interlocutor que o representava, assumindo assim o papel de mero espectador na lide, para, ao invés, defender-se que as partes devem intervir na composição do seu litígio de forma ativa, devendo sempre que possível contribuir para a sua solução.

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Em portugal, a década de 1970 é caracterizada por diversas alterações sociais, culturais e económicas que surgem, desde logo, pela emancipação de um longo regime ditatorial, pelo fim de uma guerra de 13 anos e pelo despertar da revolução democrática. Assiste-se à incorporação de direitos de cidadania, à democratização do sistema político, ao surgimento de novas formas de participação cívica, à abertura à europa, em termos económicos, políticos e sociais, aos movimentos migratórios que propiciam uma transformação política, social e cultural da sociedade portuguesa.

A taxa de analfabetismo decresceu substancialmente e o nível de qualificação académica aumentou com especial incidência na década de 1980 tanto para homens como, e em especial, para as mulheres, que até então apresentavam uma taxa sofrível no ensino superior.

Constata-se que a justiça portuguesa se apresenta incapaz de suster toda a procura que lhe é dirigida

A empregabilidade verifica-se com maior incidência no setor terciário em detrimento do setor primário, pois a busca de melhores condições de vida junto das grandes cidades ou através da emigração é uma constante. O rendimento das famílias aumentou significativamente. De outro lado, entram no mercado interno diversos bens e produtos que apelam ao consumismo. Este consumismo, por sua vez, é também facilitado e estimulado mediante o surgimento de diversas modalidades de crédito, de onde se destaca o crédito à habitação, e do pagamento a prestações, bem como a utilização de cartões de crédito e débito. A estrutura dos encargos dos agregados familiares deixa de estar assente nas despesas em bens essenciais para ser transferida para despesas com a habitação, o automóvel, novos bens e produtos (eletrodomésticos e equipamentos tecnológicos) de curta durabilidade.

A democracia e o aumento da alfabetização impulsionam os portugueses a ganhar consciência dos seus direitos ao mesmo tempo que os estimulam para a sua defesa, alterando-se desta forma a posição conformista típica que anteriormente se evidenciava2.

Assiste-se à introdução de novos sistemas fiscais e de segurança social para os quais o cidadão é obrigado a contribuir. O livre e fácil

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acesso a bens e serviços permite um crescimento rápido...

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