Responsabilidade civil da instituição hospitalar por falta de acolhimento a vítimas de perda perinatal

AutorJuliana Cleto
CargoAdvogada
Páginas212-235
DOUTRINA
RESPONSABILIDADE
CIVIL DA INSTITUIÇÃO
HOSPITALAR
POR FALTA DE
ACOLHIMENTO A
VÍTIMAS DE PERDA
PERINATAL
Por JULIANA CLETO
Advogada
Na legislação brasileira não há norma que disponha especificamente
sobre o acolhimento a vítimas de perda gestacional/neonatal.
Acredita-se, com este trabalho, que tal regulamentação não
seja indispensável, mas bem-vinda, uma vez que já existem
dispositivos legais aplicáveis aos tipos de violência sofridos
213
Aviolência obstétrica constitui
prática silenciosa cada vez
mais comum de violência
propagada contra a mulher no
Brasil. Condutas médicas não autorizadas
ou mesmo desnecessárias, toques indese-
jados, palavras constrangedoras e abusos
sexuais são formas de perpetuação desse
tipo de violência, que atinge mais e mais
mulheres.
Um levantamento feito pela pesquisa Mu-
lheres Brasileiras e Gênero nos Espaços
Público e Privado, realizada pela Fundação
Perseu Abramo em parceria com o Serviço
Social do Comércio (SESC), indica que
uma a cada quatro mulheres já foi vítima
de violência obstétrica. Sequelas físicas e
psicológicas são geradas por procedimen-
tos invasivos sem consentimento, recusa
ou demora de atendimento e proibição de
acompanhantes.
Outras práticas, ainda pouco comentadas e
abordadas, são igualmente traumatizantes,
como a falta de acolhimento por parte das
instituições e prossionais em face de mães
que sofreram perda gestacional e neonatal.
Observa-se que tanto os estabelecimentos
quanto as equipes médicas não são prepara-
dos para comunicar o óbito fetal/neonatal,
tampouco para providenciar um ambiente
e uma situação de amparo às mulheres que
acabaram de passar pela perda de um lho.
A ausência de biograa de um natimorto
é muitas vezes utilizada como justicati-
va para a falta de legitimidade do luto – o
nascimento sem vida ou as poucas horas de
vida são cruelmente utilizados como pre-
texto para diminuir a dor das enlutadas.
1. Formas de violência
obstétrica recorrentes
Desde meados do século 18, o parto, an-
tes realizado no ambiente doméstico com o
auxílio de parteiras, começou a ser hospita-
lizado. Aos poucos, a gura da mulher foi
passando de ativa para passiva, separaram-
-se mãe e lho após o parto e a maternida-
de foi ganhando ares de incapacidade civil.
Era necessário que alguém cuidasse daque-
la mulher que não mais poderia gerir seu
parto em casa:
In this care context, women become secon-
dary elements in the birth scenario, sub-
ject to a controlled environment, surroun-
ded by institutional rules and protocols
that segregate them from their social and
cultural context, as well as make them dis-
credit their physiological capacity to give
birth (JARDIM; MODENA, 2018).
O que se vê hoje, no Brasil, é uma hospitali-
zação do parto na casa dos 97,85%, segundo
dados do Ministério da Saúde (DATASUS,
2010). A mãe deixou de ser mulher para ser
paciente, médicos agora trabalham com pra-
zos e tecnologias para salvar vidas, operando
em escala de produção industrial, e interven-
RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR
JULIANA CLETO

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