Responsabilidade civil dos pais no contexto de ensino a distância

AutorAna Cristina de Melo Silveira e Nelson Rosenvald
Páginas157-172
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RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS
NO CONTEXTO DE ENSINO A DISTÂNCIA
Ana Cristina de Melo Silveira
Doutora em Direito Privado pela PUC Minas Gerais. Mestre em Direito pela Univer-
sidade de Itaúna/MG, Bolsista CAPES. Especialista em Direito Processual Civil pela
PUC/SP, Servidora Pública da Procuradoria Geral de Justiça de Minas Gerais, Revisora
e Consultora de Trabalhos Acadêmicos. Associada do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil – IBERC @anamelosilveira,E-mail:anamelosilveira@gmail.com
Nelson Rosenvald
Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Procurador
de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-Doutor em Direito Civil na
Università Roma Tre (IT-2011). Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de
Coimbra (PO-2017). Visiting Academic Oxford University (UK– 2016-17). Professor
Visitante na Universidade de Carlos III (ES-2018). Doutor e Mestre em Direito Civil
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP. Presidente do Instituto
Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC.
Sumário: 1. Introdução – 2. Direito à educação fundamental, ensino a distância autoridade parental
– 3. Responsabilidade civil dos pais no ensino a distância – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O ensino fundamental formal a distância, até há pouco mais de um ano, não era
uma realidade vivenciada no Brasil, pois a legislação impõe como regra o formato
de ensino presencial. O contexto pandêmico conduziu à sua adoção, em caráter
excepcional, como forma de viabilizar a continuidade das atividades escolares de
crianças e adolescentes.
Seguiu-se, assim, uma situação bastante peculiar, pais e f‌ilhos compartilhando
o mesmo ambiente para a realização de atividades escolares e prof‌issionais. Grande
parte dos pais passou a trabalhar em casa, de maneira remota. Em meio a reuniões,
atendimentos a clientes e atividades domésticas cotidianas, insere-se a demanda
diária referente às atividades escolares dos f‌ilhos. A maioria das famílias se viu sem
babás, mediadores educacionais e auxiliares domésticos no dia a dia.
O desaf‌io imposto a pais e f‌ilhos é imenso. Conf‌litos familiares e problemas
psicoemocionais de crianças e adolescentes se intensif‌icaram.1 Sem desconsiderar as
1. POLANCZYK, Guilherme V. O custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Jornal
da USP, São Paulo, 20 maio 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/a rtigos/o-custo-da-pandemia-so-
bre-a-saude-mental-de-criancas-e-adolescentes/. Acesso em: 21 set. 2021.
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dif‌iculdades enfrentadas pelos pais, o fato é que não cabem exceções à autoridade pa-
rental. O seu exercício é integral, não admite férias, licenças ou f‌lexibilidade em razão
de cenários excepcionais. Somado a isso, a vulnerabilidade de crianças e adolescentes
impõe aos pais, no ensino a distância, um esforço ainda maior para atender às suas
demandas concretas.
Nesse contexto, o presente trabalho propõe a análise da efetivação do direito
à educação formal e a possibilidade de geração de danos à esfera existencial de
crianças e adolescentes por omissão ou negligência dos pais no ensino a distância.
É necessário perquirir no que consiste tal dano, assim como a sua natureza, não
escapando, ainda, a necessária averiguação do nexo causal entre omissão e dano. E,
por f‌im, ref‌letir sobre as medidas judiciais e administrativas viáveis que podem ter
efetividade em tais situações.
Metodologicamente, a pesquisa desenvolveu-se pela vertente teórico-dogmática,
utilizando-se do método lógico-dedutivo. O tema é atual e seu debate necessário, pois, não
bastasse o contexto de isolamento social, já se anuncia a tendência de adoção de ensino
a distância híbrido para o futuro da educação formal.2 De toda sorte, o tema é incipiente,
pouco investigado pela doutrina, não escapando à necessidade de análise casuística.
2. DIREITO À EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL, ENSINO A DISTÂNCIA
AUTORIDADE PARENTAL
O direito à educação está previsto expressamente na legislação brasileira. A
Constituição da República de 1988 dispõe, no caput do art. 2273, ser um dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade o direito à educação. Em seguida, impõe no art. 2294 o dever dos pais em
assistir, criar e educar os f‌ilhos menores.
A educação é um direito fundamental, diretamente atrelado à possibilidade de
exercício da autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade. Por isso, af‌ir-
ma-se que é uma espécie de direito necessário à consecução de uma série de outros
direitos, formando uma espécie de alicerce sobre o qual se funda um edifício de valores
e interesses comungados socialmente. Tem-se, assim, uma função instrumental do
direito à educação para a promoção do desenvolvimento humano.5
2. Ensino híbrido é tendência para a vida escolar no mundo pós-pandemia. Agência Brasil, São Paulo, 14 jul.
2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-07/ensino-hibrido-e-ten-
dencia-para-vida-escolar-no-mundo-pos-pandemia. Acesso em: 21 set. 2021.
3. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à prof‌issionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
4. “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os f‌ilhos menores, e os f‌ilhos maiores têm o dever
de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
5. BERLINI, Luciana Fernandes; FUZIGER, Rodrigo José. Homeschooling e o direito à educação: as tutelas
civil e penal da responsabilidade parental. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-31, jan.-abr. 2020.
Disponível em: https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/108. Acesso em: 21 set. 2021.
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