Responsabilidade contratual post mortem: breves notas a partir da série upload

AutorFernanda Schaefer e Frederico Glitz
Páginas85-100
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
POST MORTEM: BREVES NOTAS A PARTIR
DA SÉRIE UPLOAD
Fernanda Schaefer
Pós-Doutora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR,
bolsista CAPES. Doutora em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do
Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco
e Universidade de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Professora do UniCuritiba.
Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR.
Assessora Jurídica CAOP Saúde MPPR. Contato: ferschaefer@hotmail.com
Frederico Glitz
Advogado. Pós-Doutorado em Direito e Novas Tecnologias (Reggio-Calabria). Doutor
e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Profes-
sor de Direito Internacional Privado e Contratual. Componente da lista de árbitros da
Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Paraná (CAMFIEP) e
da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil (CAMEDIARB). Presidente da Comissão
de Educação da OAB-PR. frederico@fredericoglitz.adv.br
Sumário: 1. Introdução – 2. Esquivando-se do denitivo? Como a inteligência articial e a tecnologia
estão explorando os limites da nitude humana – 3. Relações negociais para além da vida? – 4.
Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A série Upload foi lançada pela Amazon Prime em 2020 e retrata sociedade futura
em que alguns seres humanos poderiam optar por dar continuidade à sua vida em
um mundo virtual post mortem por meio do upload de sua consciência em ambiente
de realidade aumentada.
Alicerçada, então, na antiga temática do prolongamento da vida a série se des-
dobra nos contornos que esta ‘vida’ passaria a ter e os conf‌litos que dela surgem para
os principais personagens envolvidos. A grande questão que fomenta o desenrolar
da série é a forma como o de cujus ainda interage com os vivos, relacionando-se
com eles e, para os f‌ins deste ensaio, contraindo obrigações e executando termos
do contrato.
Dentre os diversos questionamentos trazidos, destacam-se: o acesso a esses ser-
viços, não só porque há enormes diferenças entre os pacotes de dados oferecidos por
diversas empresas, mas também porque se indaga se o upload deveria ser considerado
um direito fundamental de acesso universal; o consentimento (ou a ausência dele)
dado em condições extremis para a autorização de carregamento; quem pode manter
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FERNANDA SCHAEFER E FREDERICO GLITZ
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interação com o falecido; que obrigações o falecido pode assumir no ambiente virtual
e as consequências de eventual inadimplemento contratual.
O presente trabalho, a partir de pesquisa bibliográf‌ica e normativa, propõe-se,
justamente, a questionar as possíveis nuances de responsabilidade contratual que
poderiam advir deste cenário. Para tanto, neste ambiente puramente especulativo,
buscou-se por meio de ensaio prospectivo, lançar os contornos exploratórios possíveis
de serem antevistos neste momento com a f‌inalidade precípua de começar a fomentar
a discussão sobre o tema. É em razão disso que, ao f‌inal, o leitor irá se deparar com
mais indagações do que respostas.
Para que este breve ensaio possa alcançar estes objetivos, partiu-se da coleta de
exemplos de já existentes de possibilidades tecnológicas deste tipo de interação para,
em um segundo momento, discutir as possíveis formas de inadimplemento destes
contratos e, claro, questionar suas consequências.
2. ESQUIVANDO-SE DO DEFINITIVO? COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
E A TECNOLOGIA ESTÃO EXPLORANDO OS LIMITES DA FINITUDE
HUMANA
O leitor pode estar se perguntando por que deveria ler um texto que versa sobre
a transmissão de consciência e extensão de vida virtual após a morte se essas tecno-
logias nem existem ainda. E é verdade, tecnologias de transferência de consciência
realmente ainda não foram patenteadas, mas tecnologias que emulam a pessoa morta
estão em desenvolvimento, algumas já foram patenteadas e, em breve, pretendem
chegar ao mercado; outras tantas já estão por aí disponíveis e são utilizadas inclusive
em campanhas publicitárias.
Empresas como a Microsoft estão desenvolvendo softwares de inteligência ar-
tif‌icial (IA) que, baseados em dados pessoais do morto coletados a partir de redes
sociais, imagens, gravações, textos escritos etc., permitem que familiares e amigos
conversem com o falecido por meio de chatbots conversacionais1 que simulam a
personalidade do falecido. A patente não é nova (data de 2017), mas sua aprovação
só ocorreu em 20202 e prevê não apenas a interação por texto, mas também por
voz e imagem.
1. Vide: KLEINA, Nilton. Patente da Microsoft prevê criar chatbot até de quem já morreu. In: Tecmundo, 4 de
jan. 2021. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/software/208870-patente-microsoft-preve-criar-
-chatbot-morreu.htm. Acesso em 4 de out. 2021.
2. Acesse a íntegra da patente em: https://pdfpiw.uspto.gov/.piw?PageNum=0&docid=10853717&IDKe-
y=6E72242A6301%0D%0A&HomeUrl=http%3A%2F%2Fpatft.uspto.gov%2Fnetacgi%2Fnph-Parser%-
3FSect1%3DPTO2%2526Sect2%3DHITOFF%2526p%3D1%2526u%3D%25252Fnetahtml%25252FP-
TO%25252Fsearch-bool.html%2526r%3D31%2526f%3DG%2526l%3D50%2526co1%3DAND%2526d%-
3DPTXT%2526s1%3Dmicrosoft.ASNM.%2526OS%3DAN%2Fmicrosoft%2526RS%3DAN%2Fmicrosoft.
Acesso em 4 de out. 2021.
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