A tutela jurídica do corpo eletrônico: alguns conceitos introdutórios

AutorJosé Luiz de Moura Faleiros Júnior e Cristiano Colombo
Páginas3-32
A TUTELA JURÍDICA DO CORPO ELETRÔNICO:
ALGUNS CONCEITOS INTRODUTÓRIOS
José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP/Largo de São
Francisco. Doutorando em Direito, na área de estudo ‘Direito, Tecnologia e Inovação’,
pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre e Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Direito Digital. Especia-
lista em Direito Civil e Empresarial. Associado do Instituto Avançado de Proteção de
Dados – IAPD. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil
– IBERC. Advogado e Professor.
Cristiano Colombo
Pós-Doutor em Direito junto à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-
GS). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS (1999) e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul – UFRGS (2004). Especialista em Direito Tributário pelo Insti-
tuto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Concluiu Curso de Formação Avançada
do Centro de Estudos Sociais do Laboratório Associado à Universidade de Coimbra
(Portugal) denominado: “Ciberespaço: Desaos à Justiça”. Atua na área cível, tributá-
ria, previdenciária e empresarial. É Professor do Mestrado Prossional em Direito da
Empresa e dos Negócios da UNISINOS, Professor dos cursos de graduação em Direito,
Comércio Exterior e Relações Internacionais da UNISINOS e na Faculdade de Direito
das Faculdades Integradas São Judas Tadeu (Mantenedora Instituição Educacional
São Judas Tadeu). Coordenador do LLM em Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Pesquisador FAPERGS. Foi membro da Comissão de Ensino Jurídico (CEJ) da Ordem
dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul.
Sumário: 1. Introdução – 2. Virtualização, privacidade e a proteção de dados pessoais – 3. Conjuntos
de dados e a formação do corpo eletrônico; 3.1 A losoa da tecnologia e os contributos de Ihde e
Hillis; 3.2 A digital persona de Clarke; 3.3 O corpo eletrônico de Rodotà e sua reconguração do
sujeito à pessoa – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A virtualização surge como fenômeno atrelado à ascensão dos dados e à ‘datif‌ica-
ção’, propiciando o lançamento desses dados à Internet para a formação de conjuntos
informacionais que ref‌letem diversas nuances sobre a personalidade. Fala-se em
prof‌iling”, mas é fato que essa tendência ultrapassa a formação de perf‌is e, a partir
de leituras que evoluíram em escritos da Sociologia e da Filosof‌ia, indica a formação
de verdadeiras projeções da personalidade na rede.
Com isso, expressões como digital persona ou ‘corpo eletrônico’ se tornaram
epítomes de um modelo que visa caracterizar os conjuntos de dados como estruturas
passíveis de tutela jurídica específ‌ica e que, com o reconhecimento de um direito
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JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR E CRISTIANO COLOMBO
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fundamental à proteção de dados pessoais, apresentam contornos merecedores de
análise mais detida, porquanto passíveis de resguardo em cenários desdobrados da
modernidade hipercomplexa.
Escritos extraídos da Filosof‌ia da Tecnologia, como as clássicas obras de Don
Ihde e de Ken Hillis, já indicavam uma propensão teórica à formulação de conceitos
para a proteção de projeções virtualizadas da personalidade (semelhantes a ‘avatares’).
Na Ciência da Computação, a construção teórica do australiano Roger Clarke acerca
das digital personas avançou no tema, inaugurando uma discussão mais específ‌ica e
necessária sobre a modelagem do indivíduo pelos dados.
De todo modo, foi Stefano Rodotà o responsável por conceber uma construção
capaz de oferecer respostas mais concretas à problemática explicitada, mas do ponto
de vista jurídico. O referido autor fala no corpo elettronico (ou ‘corpo eletrônico’, em
tradução do italiano) e tal teoria é o ponto de partida para o tema-problema que esta
obra buscará explorar, sob variados pontos de vista e em diversos contextos.
Neste capítulo introdutório, serão apresentados alguns conceitos essenciais e
suas bases doutrinárias para assentar, com maior segurança, as premissas que viabi-
lizam a tutela de direitos sob essa renovada conf‌iguração, sem que isso desacelere o
ritmo da inovação tecnológica ou coloque em xeque as estruturas fundamentais da
livre iniciativa. Trabalha-se, em verdade, com a perspectiva de uma construção dou-
trinária mais delimitada e adequada à proteção da personalidade, agora virtualizada.
2. VIRTUALIZAÇÃO, PRIVACIDADE E A PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
Há certa controvérsia sobre as origens da expressão “sociedade da informa-
ção”, mas, sendo certo que o próprio conceito de ‘informação’1 dá a tônica de uma
sociedade virtualizada e que depende de seus vastos e incessantes f‌luxos para sua
(re)estruturação ontológica2, deve-se ressaltar, de início, que o tema não é novo,
tampouco indica uma revolução.
Há quem defenda que autores norte-americanos foram os primeiros a tratar de
uma futura “sociedade da informação”, em trabalhos dos anos 1960 e 1970, especial-
mente Fritz Machlup, em sua obra The production and distribution of knowledge in the
United States, de 19623. Porém, há quem sustente que a expressão foi primeiramente
utilizada pelos doutrinadores japoneses Kisho Kurokawa e Tudao Umesao, na década
1. Conf‌ira-se, por todos: ADRIAANS, Peter. Information. In: ZALTA, Edward N. (Ed.). Stanford Encyclopedia
of Philosophy. Stanford: Stanford University Press, 1995; BORGMANN, Albert. Holding onto reality: The
nature of information at the turn of the Millennium. Chicago: Chicago University Press, 1999.
2. FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 320. O autor
comenta: “When discussing digital ontology, two separate questions arise: a. Whether the physical universe
might be adequately modelled digitally and computationally, independently of whether it is actually digital
and computational in itself; and b. Whether the ultimate nature of the physical universe might be actually
digital and computational in itself, independently of how it can be effectively or adequately modelled.”
3. MACHLUP, Fritz. The production and distribution of knowledge in the United States. Princeton: Princeton
University Press, 1962, p. 15.
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