O sacrifício animal em rituais religiosos: uma reflexão a partir do universo ateu e vegano

AutorPaula Cals Brugger
CargoBióloga, Doutora em Ciências Humanas - Sociedade e Meio Ambiente, Coordenadora do Observatório de Justiça Ecológica da UFSC.
O SACRIFÍCIO ANIMAL EM RITUAIS RELIGIOSOS: UMA REFLEXÃO
A PARTIR DO UNIVERSO ATEU E VEGANO
ANIMAL SACRIFICE IN RELIGIOUS RITUALS: A REFLECTION FROM THE ATHEIST AND VEGAN
UNIVERSE
DOI:
Paula Brügger
Bióloga, Doutora em Ciências Humanas - Sociedade e Meio Ambiente,
Coordenadora do Observatório de Justiça Ecológica da UFSC.
EMAIL: paula.brugger@ufsc.br
LATTES: http://lattes.cnpq.br/4806860050033670
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8392-3932
RESUMO: Neste artigo, calcado em pesquisa bibliográfica, discutem-se alguns aspectos morais
e éticos subjacentes às relações entre humanos e animais à luz da Ética das Virtudes e da
doutrina consequencialista. Segundo essa última teoria, o resultado das nossas ações deve
pautar o comportamento humano, pois, o que importa para os que são afetados por el as são
as suas consequências. Por outro lado, a Ética das Virtudes defende o valor das intenções que
guiam tais ações, e não as suas consequências. Todavia, os valores que norteiam
comportamentos considerados eticamente corretos podem ser arbitrários. Em que pese a
demonstração de v irtudes morais tradicionais, há práticas respaldadas por religiões e pelo
relativismo cultural que causam danos e mortes, sem que haja o consentimento das vítimas.
Outrossim, ´boas intenções´ não bastam para que s eus praticantes manifestem compaixão
para com o sofrimento de suas vítimas, sejam el as humanas ou não. Como a ciência comprova
que diversos animais vertebrados e invertebrados são seres sencientes, alguns inclusive
autoconscientes, o se u uso, exploração, sofrimento e morte tornam-se moralmente
condenáveis. Por essas questões éticas e científicas, o veganismo prega a abolição do uso de
animais em quaisquer contextos. A moralidade humana é fruto da Evolução, e as religiões
podem ser até nocivas no que toca à consolidação de comportamentos eti camente corretos.
Assim, no seio de uma perspectiva vegana e ateia, postula-se a abolição de quaisquer práticas
religiosas ou rituais que usem animais, independentemente de serem mortos, uma vez que
não existem justificativas éticas ou morais para abrir tal exceção.
PALAVRAS-CHAVE: Consequencialismo; Direi tos religiosos e direitos animais; Ética das
Virtudes; Senciência e sofrimento animal.
ABSTRACT: In this article, based on bibliographical research, some moral and ethical aspects
underlying the relationships between humans and animals are discussed in the l ight of Virtue
Ethics and the consequentialist doctrine. According to this last theory, the re sult of our actions
should guide human behavior, because what matters to those affected by them are their
consequences. On the other hand, Virtue Ethics focus on the value of the intentions that guide
such actions, not their consequences. However, the values that guide behaviors considered
ethically correct can be arbitrary. Despite the demonstration of traditional moral virtues, there
are practices supported by religions and cultural relativism that cause harm and death, without
the consent of the victims. Furthermore, 'good intentions' are not enough for practitioners to
manifest compassion towards the suffering of their victims, whether they are human or not. As
science proves that several vertebrate and invertebrate animals are sentient beings, some
even self-conscious, their use, exploitation, suffering and death become morally condemnable.
For these ethical and scientific reasons, veganism preaches the abolition of the use of animals
in any context. Human morality is the result of Evolution, and reli gions can even be harmful
when it comes to consolidating ethically correct behavior. Thus, within a vegan and atheist
perspective, we preach the abolition of any religious practices or rituals that use animals,
regardless of whether they are killed, since there are no ethical or moral justifications to make
such an exception.
KEY-WORDS: A nimal sentience and suffering; Consequentialism; Religious and Animal rights;
Virtue Ethics.
SUMÁRIO: 1 Introdução: morali dade e ética. 2 Senciência, consciência, e cognição animal; 3
Uma visão crítica sobre as religiões: 4 Considerações finais. 5 Referências.
1. Introdução: Moralidade e Ética
Sou movido por duas filosofias principais: saber mais sobre o mundo hoje do
que sabia ontem, e diminuir o sofrimento dos outros. Você ficaria surpreso
com o quão longe isso pode te levar.
Neil deGrasse Tyson
É pertinente iniciar este texto discorrendo sucintamente sobre os conceitos de
moralidade e ética na visão do filósofo e psicólogo Richard Ryder. Sua visão acerca da
moralidade como estreitamente relacionada ao altruísmo, à compaixão, e à eliminação
ou minimização do sofrimento de todas as formas de vida sencientes é exatamente
aquela propugnada aqui. Além disso, Ryder é o autor do termo especismo, um
conceito central nesta discussão.
Ryder (2011) argumenta que a sociedade ocidental foi fortemente influenciada
nos últimos quinhentos anos pela ética cristã, e por pelo menos quatro formas
seculares de pensar a moralidade: a Ética das Virtudes, a Teoria Kantiana, o
Utilitarismo, e a Teoria dos Direitos, sendo essas duas últimas as mais importantes no
que tange ao pensamento secular e a política ocidental ao longo de muitas décadas.
Segundo ele, todavia, o mundo moderno precisa de uma nova moralidade que seja
consistente com a ciência e as implicações do darwinismoi.
O          XVII  
um sistema moral, onde a p  -se à distinção entre o certo e o
errado. A ética é muitas vezes tomada como sinônimo de moralidade, e pode també m
se referir ao estudo da moral. Há, no entanto, uma diferença sutil entre essas palavras.
E   o latim mores      
grego ethicos (que significa caráter). Por essa razão, a ética às vezes é usada para
descrever as teorias de Aristóteles que se concentravam no caráter, ou seja, nas
virtudes dos agentes morais. O termo moralidade, por outro lado, pode ser usado para
se concentrar nas ações. Essas duas abordagens são fundamentalmente diferentes e
estão na base de muitas das disputas no que diz respeito a esse assunto. Ryder
esclarece que seu foco é nas ações, e não no caráter, embora ele use os dois termos
moralidade e ética de forma intercambiável (RYDER, 2011, p.2).
Para Ryder (2011, p.35), cada cultura tem sua própria moralidade. Adquirimos
nossa moralidade cotidiana copiando nossos pares no que diz respeito a
comportamentos considerados bons, aceitáveis, ou na moda, e aceitamos instruções
morais de autoridade como pais, professores e, em última análise, dos deuses, se
acreditarmos neles. Existem, porém, alguns fortes impulsos dentro de nós que podem
nos levar a anular essas normas de comportamento, impelindo-nos a correr o risco de
desaprovação por parte de colegas e autoridades. Alguns desses impulsos poderosos
são o desgosto, o desejo de entender, o escrúpulo, e a compaixão. Ryder lista quatro
tipos espontâneos de preocupação com os outros que formam os blocos de
construção da moralidade em crianças humanas: um senso de justiça ou
imparcialidade; afeição (por pais, animais de estimação e brinquedos); empatia pelo
sofrimento dos outros; e um desejo de liberdade.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT