Securitização e a governança da segurança cibernética no Brasil

AutorLouise Marie Hurel
Páginas320-343
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SECURITIZAÇÃO E A GOVERNANÇA DA
SEGURANÇA CIBERNÉTICA NO BRASIL
LOUISE MARIE HUREL
Conforme novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) se
tornam mais acessíveis e, portanto, mais presentes em diferentes esferas da
sociedade, economia, cultura e política, crescem os interesses de grandes
empresas e governos em se tornarem protagonistas na determinação das
normas e padrões para a segurança das mesmas (DEIBERT, 2003; DEIBERT,
2014; MUELLER, 2010). Ataques como o da Estônia em 2007, o vírus
Stuxnet nas centrífugas iranianas em 2011, e os ataques ao partido demo-
crata estadunidense em plena campanha presidencial em 2016 contribuíram
para a centralização da segurança cibernética nas relações entre Estados.
Da mesma forma, crescem os riscos associados à conexão de dispositi-
vos, sensores e infraestruturas em larga escala. Neste cenário, a infecção
de códigos maliciosos, o roubo de informações e a exploração de vulne-
rabilidades em sistemas de informação e comunicação tornam-se ativida-
des corriqueiras. Em especial, contribuem para o reposicionamento da
segurança cibernética – enquanto fenômeno social e técnico (BOWKER;
STAR, 1999) – na agenda de segurança doméstica e internacional (DUNN
CAVELTY, 2012). Este foi o caso do ataque de negação de serviço (DDoS)
WannaCry que, em 2017, afetou o funcionamento de computadores tanto
na América do Norte quanto na Europa e na América do Sul atingindo,
inclusive, o sistema de saúde no Reino Unido (GReAT, 2017). Nas Relações
Internacionais, tais dinâmicas se traduziram na expansão horizontal – de-
safio compartilhado entre setores — e vertical — área de alta prioridade
internacional – dos temas de segurança cibernética (DUNN CAVELTY,
2012, p. 104).
No Brasil, o tema ganha destaque com a inserção do espaço cibernético
como um dos setores estratégicos para a defesa e segurança nacional. E
ganha novas proporções, condições e estruturas dentro de um contexto
de sucessivos megaeventos. Grande parte da literatura atual de Relações
Internacionais sobre o estado da segurança cibernética no Brasil procurou
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 321
traçar um desenvolvimento histórico; compreender processo de institucio-
nalização e securitização do tema dentro do Ministério da Defesa (CEPIK
et al., 2014; LOBATO; KENKEL, 2015; SOUZA; ALMEIDA, 2016).
Em contrapartida, o artigo analisa o processo de institucionalização da
cibersegurança no contexto do ciclo de megaeventos no Brasil – tal como
a Rio+20, Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas – para
expor os limites da teoria de securitização e propor uma nova perspectiva,
a da governança da segurança cibernética. O objetivo da articulação do
conceito de governança da segurança cibernética surge com a necessidade
de se analisar e visualizar práticas que não somente aquelas ligadas a orga-
nismos governamentais – atentando para potenciais e presentes práticas,
demandas e espaços de colaboração entre setores.
Esta visão põe em cheque o papel do Estado como protagonista na
regulação do espaço cibernético e legítimo garantidor da segurança dos
usuários. Ao mesmo tempo que este permanece um ator relevante, com-
partilha de menor grau de assimetria relacional com empresas privadas e
indivíduos (hackers), no que diz respeito à possibilidade de atuação (NYE,
2010). Estes e outros desafios ressaltam o alto grau de complexidade e de
complexificação que corta transversalmente os debates sobre segurança em
uma era conectada. Complexidade, neste caso, se refere a diversidade de
atores, tecnologias, instituições e práticas; e complexificação, por outro lado,
remete aos processos e mecanismos de governança — normas, princípios,
regras e práticas — que caracterizam os diferentes graus de coordenação
entre atores na resposta a incidentes cibernéticos
Conforme veremos, a segurança cibernética depende de uma rede de ato-
res e de processos que possuem graus variados de cooperação e coordenação
entre si – e envolvem temas como crimes cibernéticos,
1
privacidade,
2
segu-
1 A tipificação de crimes e delitos cibernéticos previstas pela Lei Carolina Dieckmann
serve como um exemplo sobre a forma com a qual é possível normatizar uma inter-
pretação de segurança que passa pelo estabelecimento de fronteiras jurídicas referentes
aos crime no (ou pelas vias do) ciberespaço.
2 No seu Relatório do Rapporteur Especial da ONU para o Direito à Privacidade na
Era Digital direcionado ao Conselho de Direitos Humanos, Joseph Cannataci destaca
que um crescente número de Estados insistem em tratar o espaço cibernético como
campo pertencente ao tradicional teatro de operações de atividades de inteligência. Tal
concepção coloca em risco o usuário, o qual pode ter seus dados pessoais e sua ativi-
dade online monitorada em nome da segurança nacional (A/HRC/31/64, 2016. p. 6).

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