Separação dos poderes e complexidade social - uma releitura sistêmica

AutorFernando Rister de Sousa Lima, Orlando Villas Bôas Filho
CargoProfessor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP, Brasil). Coordenador do GEPESD/MACK - Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociologia do Direito do Mackenzie/Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana ...
Páginas189-220
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Como citar esse artigo/How to cite this article: LIMA, Fernando Rister de Souza; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Separação dos
poderes e complexidade social – uma releitura sistêmica. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p.
189-220, jan./abr. 2018. DOI: 10.5380/rinc.v5i1.56247.
* Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP, Brasil). Coordenador do
GEPESD/MACK - Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociologia do Direito do Mackenzie. Doutor em Filosoa de Direito e do
Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP/2013) com estágio doutoral sanduíche no Departamento de
Sociologia da Università degli Studi di Macerata (UNIMC/Itália-CAPES/2012). Pós-Doutorado pelo Departamento de Filosoa e
Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (DFD/USP-Largo de São Francisco - 2016/2017) com período de pesqui-
sa na Goethe Universität Frankfurt am Main (07/2017). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP/2007) com período como pesquisador visitante na Università degli Studi di Lecce - Itália (2005). Membro do Research
Committee on Sociology of Law - ISA - Group Sociology of Constitution. Editor-Chefe (2013-2016) da Revista Brasileira de So-
ciologia do Direito (RBSD). Segundo Vice-Presidente (2014-2016) e Conselheiro Fiscal (2012-2014) da Associação Brasileira de
Pesquisadores em Sociologia do Direito (ABraSD). E-mail: fernando.lima@mackenzie.br.
** Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Professor Associado da Faculdade de Direito da Universi-
dade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP, Brasil). Pós-Doutorado na Université de Paris X - Nanterre, França. Pós-Doutorado
na École Normale Supérieure de Paris, França. Doutorado em Direito e Mestrado em Direito na área de concentração Filosoa e
Teoria Geral do Direito, pela Universidade de São Paulo. Graduação e Licenciatura Plena em História pela Universidade de São
Paulo. Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduação em Filosoa pela Universidade de
São Paulo. E-mail: ovbf@usp.br.
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v5i1.56247
Separação dos poderes e complexidade
social – uma releitura sistêmica
Separation of powers and social
complexity - a systemic rereading
FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA*
Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasil)
fernando.lima@mackenzie.br
ORLANDO VILLAS BÔAS FILHO**
Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasil)
Universidade de São Paulo (Brasil)
ovbf@usp.br
Recebido/Received: 08.11.2017 / November 11th, 2017
Aprovado/Approved: 31.12.2017 / December 31st, 2017
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 189-220, jan./abr. 2018.
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FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA | ORLANDO VILLAS BÔAS FILHO
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 189-220, jan./abr. 2018.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. Da per tinência da teoria dos sistemas como referencial analítico para a discussão da
separação dos poderes em um contexto hipercomplexo; 3. Separação dos poderes: nota sobre a cons-
trução moderna de um conceito político fundamental; 4. Uma releitura sistêmica da separação dos po-
deres; 5. Conclusão; 6. Referências.
“O poder absoluto gera injustiça.
(Dionísio, 4 K-S)
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é esboçar uma análise sistêmica da ideia de separação
de poderes no contexto da sociedade contemporânea, marcada por sua fragmentação
em diversos subsistemas autônomos que exercem funções distintas em um universo
hipercomplexo. Para tanto, em primeiro lugar, procura justicar o referencial teórico
escolhido mediante a indicação de sua pertinência para o tratamento da questão a ser
analisada. Assim, conforme se mostrará a seguir, a teoria dos sistemas, quando com-
parada a outras propostas teóricas de grande potencial analítico, é especialmente vo-
cacionada à análise da separação dos poderes porque, inscrevendo-se no âmbito de
uma importante matriz sociológica da modernidade, dá especial relevo à diferenciação
Resumo
O propósito deste artigo é esboçar uma análise sistêmica do
princípio da separação dos poderes no contexto da socie-
dade contemporânea, marcada por sua fragmentação em
diversos subsistemas autônomos que exercem funções dis-
tintas em um universo hipercomplexo. Para cumprir a tare-
fa, em primeiro lugar, procura justicar o referencial teórico
escolhido mediante a indicação de sua pertinência para o
tratamento da questão a ser analisada. Em seguida, realiza
uma breve reconstrução do itinerário intelectual da ideia de
separação dos poderes na “semântica moderna”. Assim, sem
pretender realizar uma análise histórica mais consequente
dessa ideia, o estudo faz apenas uma alusão a autores clás-
sicos que, no horizonte da “semântica moderna”, contribuí-
ram para sua difusão e consolidação. No percurso, o estudo
se orienta, especialmente, pela tese de Quentin Skinner,
cujo foco consiste em elaborar instrumentos metodológi-
cos adequados para se evitar o anacronismo no âmbito da
história das ideias. Por m, com base na teoria dos sistemas
de Niklas Luhmann, propõe uma releitura sistêmica da se-
paração dos poderes.
Palavras-chave: separação dos poderes; teoria dos
sistemas; Poder Judiciário; Constituição; diferenciação
funcional.
Abstract
The purpose of this article is to outline a systemic analysis of
the principle of separation of powers in the context of con-
temporary society, marked by its fragmentation in several
autonomous subsystems that perform distinct functions
in a hypercomplex universe. To accomplish the task, rstly,
it seeks to justify the theoretical reference chosen by indi-
cating its relevance to the treatment of the question to be
analyzed. Then the article makes a brief reconstruction of
the intellectual itinerary of the idea of separation of powers
in “modern semantics”. Thus, without intending to make a
more consistent historical analysis of this idea, the study
only refers to classical authors who, in the context of “mo-
dern semantics”, contributed to its diusion and consolida-
tion. For doing so, the study is guided, in particular, by the
thesis of Quentin Skinner, whose focus is to develop suitable
methodological tools to avoid anachronism in the history
of ideas. Finally, based on Niklas Luhmann’s systems theory,
the article proposes a systemic re-reading of the separation
of powers.
Keywords: separation of powers; systems theory; judicial
power; Constitution; functional dierentiation
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 189-220, jan./abr. 2018.
Separação dos poderes e complexidade social – uma releitura sistêmica
social na conguração da sociedade moderna. Em virtude dessa ênfase na diferencia-
ção, a teoria dos sistemas se agura como horizonte fértil para a análise da separação
dos poderes, pois justamente insiste na contextura fragmentária da sociedade hodier-
na e, portanto, mostra-se particularmente sensível aos problemas que lhe são atinen-
tes.
Em seguida, o artigo realiza uma breve reconstrução do itinerário intelectual
da ideia de separação de poderes na “semântica moderna”. Assim, sem pretender, evi-
dentemente, realizar um exame histórico mais consequente dessa ideia, o que seria
incompatível com as dimensões e com os propósitos desta análise, procurar-se-á ape-
nas implementar uma alusão a autores clássicos que, no horizonte da “semântica mo-
derna”, contribuíram para sua difusão e consolidação. Neste momento, serão enfocadas
algumas perspectivas da história das ideias, especialmente a tese de Quentin Skinner,
cujo foco consiste em elaborar instrumentos metodológicos adequados para se evitar
o anacronismo.
Por m, para a implementação da releitura sistêmica da separação dos pode-
res, serão pontuados alguns aspectos da teoria desenvolvida por Niklas Luhmann que,
como se sabe, fornece um sosticado instrumental analítico para a abordagem da com-
plexidade que caracteriza a sociedade contemporânea. Neste sentido, será enfocada,
especialmente, a relação entre os subsistemas jurídico e político no âmbito de um con-
texto social que, tal como o moderno, é marcado pela diferenciação. Para tanto, será
especialmente abordado o papel da constituição como forma de acoplamento estru-
tural e de fechamento do circuito autopoiético desses dois subsistemas funcionais da
sociedade moderna.
A propósito, cabe notar que interpretar o Direito é função essencial devido a
sua importância para o operador jurídico e para a certeza da aplicação da justiça. Nesse
contexto, a separação dos poderes se agura um tema bastante atual, especialmente
diante de um cenário de judicialização que o considera, tal como ocorre no Brasil, des-
necessário, fora de moda, quase que impeditiva da concretude normativa.1 Descon-
sidera-se, nessa perspectiva, que o Estado liberal se alicerçou sobretudo no controle
do soberano e na garantia das liberdades individuais. Para tanto, dividiu o poder do
soberano em três partes, revelando o propósito de isolamento de um poder em face de
outro, quer dizer: entre eles, pouco ou nada deveria haver de contato e cada um com
a sua função claramente denida. Essa construção, vinculada a Montesquieu, ao me-
nos nesses moldes, fomentou o fortalecimento do Estado liberal mediante, inclusive,
1 O vocábulo “judicialização”, que impera na discussão brasileira para indicar o processo de progressiva expansão do poder ju-
dicial, tanto na esfera política como na social, provém, de inglês judicialization e encontra sua inspiração mais direta em autores
como, por exemplo, Mauro Cappelletti, Ran Hirschl, Antoine Garapon e, especialmente, Chester Neal Tate e Torbjörn Vallinder.
A respeito, ver, por exemplo: MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicalização da política: duas análises. Lua
Nova, n. 57, p. 113-133, 2002. Acerca da discussão francesa, focalizando especialmente a “sociologia política do direito”, ver:
VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. A juridicização e a judiciarização enfocadas a partir da “sociologia política do direito” de Jacques
Commaille. Revista brasileira de sociologia do direito, vol. 2, n. 2, p. 56-75, 2015.

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