A separação de poderes e a função jurisdicional

AutorEdinilson Donisete Machado
Páginas77-112
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SEPARAÇÃO DE PODERES
E A FUNÇÃO JURISDICIONAL
Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de
governo; e se anjos governassem os homens, não haveria
necessidade de meio algum externo ou interno para
regular a marcha do governo.
(HAMILTON, MADISON, JAY, 1973, p. 137)
Neste capítulo pretende-se demonstrar que os sistemas
políticos desenvolvidos principalmente após a Revolução
Francesa e Americana direcionaram-se para impedir o poder
político do povo de concentrar-se em mãos de um só. Essa con-
tenção é exercida de várias formas, mas especialmente pela di-
visão de competência entre os diversos órgãos de governo.
Independentemente do modelo adotado, o que se
buscará é a efetividade desse controle, que, por certo, não
se fará privilegiando ou concentrando em mais de uma das
funções, porque as pessoas detentoras do poder podem
querer exorbitar dessa atribuição e, havendo independên-
cia e harmonia, haverá, em tese, equilíbrio. Neste sentido,
é de suma importância a revisitação da doutrina da sepa-
ração de poderes, que se faz essencial para o resgate de sua
essência e para que se possam reencontrar seus fundamen-
tos para a construção do marco teórico atual das funções,
e, em especial, da judicial.
Discutir o sistema de governo em democracias repre-
sentativas levará necessariamente a buscar esses referenciais
teóricos, pelos quais se fundaram as instituições escolhidas
para a realização do plano político.
CAPÍTULO III
Ativismo JudiciAl
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Compreender a evolução do princípio da separação
de poderes e seu atual estágio de desenvolvimento é pos-
sivelmente o caminho que se desenha para solução das cri-
ses ou mesmo para evitar sua ocorrência, como já se pode
observar quanto ao decit democrático.
3.1 Dos Arranjos Democráticos: a origem e os
fundamentos da “Divisão dos Poderes”
Pelo estudo da origem da divisão dos poderes, pode-
se armar que a representação dos poderes, enquanto exer-
cício do poder político, sempre existiu ao longo da História.
Verica-se tal relação já em Aristóteles, que diferenciava a
assembleia geral, o corpo de magistrados e o corpo judi-
ciário. Essa estrutura encontra já no século XVIII o marco
histórico, identicado no pensamento de Locke, da divisão
do mundo divino e do mundo natural, tendo, contudo, na
passagem do século XVIII para o XIX, com Montesquieu, a
sistematização do conceito de divisão dos poderes na es-
trutura dos Estados de Direito (BOBBIO, 1997).
Observa-se ainda, na lição de Bobbio (1997, p. 235), que o
mérito da divisão dos poderes por vezes é atribuído por alguns
doutrinadores contemporâneos a Locke e não a Montesquieu.
Bobbio (1997, p. 236)7 apresenta com clareza de fun-
damentos a distinção entre as duas doutrinas: a de Locke e a
7 BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural, 1997, p. 236 (“A solução
que visa à coordenação dos poderes é a que foi elaborada teoricamen-
te por Montesquieu e será acolhida pela Constituição dos Estados
Unidos da América: sua ideia inspiradora é que, só quando os pode-
res máximos do Estado se colocam em um mesmo plano, podem ser
controlados. Consequentemente, só desse controle recíproco, que leva
a uma situação de equilíbrio dos poderes, deriva o maior obstáculo ao
despotismo e, portanto, a maior garantia da liberdade aos cidadãos.
A solução de Locke nada tem a ver com a teoria do equilíbrio dos po-
deres, porque sustenta a separação entre Legislativo e Executivo, no
sentido preciso de que fazer as leis e aplicá-las são funções que devem
ser atribuídas a órgãos distintos, o Parlamento e o Rei, mas não atinge
a sua coordenação. Locke sustenta que, uma vez separados, o dois po-
deres devem car subordinados um ao outro; precisamente, o poder
executivo deve estar subordinado ao legislativo.”)
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Separação de podereS e a Função JuriSdicional
de Montesquieu. Atribui ao segundo a criação do sistema da
divisão dos poderes, em sua forma tripartida. Arma que:
[...] a teoria de Locke não é uma teoria da separação
e do equilíbrio dos poderes, mas sim da sua sepa-
ração e subordinação. Em última instância, é uma
teoria da supremacia do Legislativo – a doutrina
constitucional que se encontra na base dos moder-
nos Estados parlamentaristas.
Na mesma linha de abordagem, encontra-se com Ma-
dison (HAMILTON, MADISON, JAY, 1973, p. 130) a leitura
de que, se não foi Montesquieu o seu autor, foi quem me-
lhor traduziu e apresentou o preceito da separação, a saber:
[...] se ele não é o autor do inestimável preceito de
que falamos, pelo menos foi ele quem melhor o de-
senvolveu e quem o recomendou de uma maneira
mais efetiva à atenção do gênero humano.
A par de todas as discussões que se travam em torno
das formas, dos modelos e a respeito da origem do Estado,
nota-se que inevitavelmente a soberania é o elemento do
Estado que identica o poder político, quer externa ou in-
ternamente, independente do modelo, seja ele totalitário,
democrático, federal ou central, ou outro qualquer.
Todos os modelos jurídicos de Estado, de uma forma
ou de outra, utilizam-se da divisão de poderes, assim de-
nominada por alguns; por outros, separação de poderes e,
por outros ainda, divisão das funções. Em verdade, não se
trata de divisão do poder, mas sim de suas funções, com o
objetivo de melhor realizar o m do Estado, por intermé-
dio de seus órgãos ou de suas instituições.
Em um primeiro momento destaque-se a discordân-
cia entre os doutrinadores quanto à divisão de funções,
diante do conceito de soberania, que, segundo entendem,
não poderia ser dividido.

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