O STF e as entidades de classe de âmbito nacional: a sociedade civil e seu acesso ao controle concentrado de constitucionalidade / The Brazilian Supreme Court and national class entities: civil society and its access to the concentrated constitutional...

AutorDaniel Capecchi Nunes, Rodrigo Brandão
CargoProfessor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Público pela UERJ. E-mail: rbrandao2@globo.com - Professor Assistente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutorando em Direito Público pela UERJ. E-mail: dcapecchi@globo.com
Páginas164-196
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29775
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 164-196 164
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O presente artigo propõe-se a investigar os impactos da transição do regime militar para a
democracia, no acesso à jurisdição constitucional abstrata e concentrada do Supremo Tribunal
Federal. A hipótese é a de que a interpretação restritiva, até hoje vigente, da expressão
“entidades de classe de âmbito nacional” do art. 103, IX, da Constituição, é fruto do tímido
avanço obtido no início da transição democrática, cujo efeito prático foi o de intensamente
limitar o acesso de grupos minoritários à jurisdição constitucional abstrata e concentrada do
STF, resultando em um enfraquecimento das potencialidades da atuação contramajoritária da
Corte. Por essa razão, defendeu-se a necessidade de que o conceito de classe, inserta na
expressão “entidades de classe de âmbito na cional”, deveria ser alterado.
- Supremo Tribunal Federal; Entidades de Classe de Âmbito Nacional; Sociedade
Civil; Acesso; Transição Democrática
The present work aims to investigate the Brazilian democratic transition impacts on Brazilian
Supreme Court's abstract and concentrated judicial review right of standing. The hypothesis is
that the restrictive judicial interpretation of the expression "class entity," from the article 103,
IX, of the Brazilian Constitution, is a consequence of a shy process of transition, which resulted
in severe limitations to the access of minorities to the Court and, as result, of the Court's
counter-majoritarian potentialities. For this reason, the work argues for the need of rethinking
the concept of "class" (“classe”), referred in the expression "national class entity".
Brazilian Supreme Court; National Class Entity; Civil Society; Access; Democratic
Transition
1 Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em
Direito Público pela UERJ. E-mail: rbrandao2@globo.com
2 Professor Assistente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutorando em Direito Público pela
UERJ. E-mail: dcapecchi@globo.com
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29775
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 164-196 165
Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.
As Três Palavras Mais Estranhas, Wislawa Szymborska
Processos de transição política são complexos. A transformação de um regime
autoritário baseado em uma premissa burocrático-autoritária, como o regime militar brasileiro
de 1964, em uma democracia inclusiva e plural, como a que se passou a almejar a partir da
fundação da Nova República em 1985, exige o percurso de um longo caminho, cujo ponto de
chegada não é claramente demarcado. Em outras palavras, “[a] transição para a democracia
não constitui de forma alguma um processo linear ou racional” (O`DONELL e SCHMITTER, 1988,
p. 177).
Por essa razão, de maneira semelhante à poesia de Wislawa Szymborska, a construção
de uma nova narrativa constitucional para um país a caminho da consolidação democrática
gradualmente transforma o futuro em passado. Subitamente, o que antes não saltava aos olhos,
como o Nada da poesia, torna-se visível, e novas questões podem ser apontadas. Do silêncio
pretérito emana o som de novos questionamentos. Nesse sentido, as constituições são um
pacto com o passado e uma promessa para o futuro, cujas potencialidades, como as da própria
linguagem, são inesgotáveis. Nas palavras de Jack BalkIn.:
Constituições são monumentos tanto à liberdade quanto à licenciosidade,
à igualdade e à exploração, à esperança e à hipocrisia [...] [t]odas as
constituições existem em uma condição de queda, não importa quão
boas as pessoas pensem que elas são. Elas fazem promessas que não
podem cumprir no tempo que são promulgadas, compromissos que são
apenas parcialmente realizados, garantias que frequentemente não são
garantidas na prática e que podem nunca vir a ser concretizadas (BALKIN,
2011, p. 6).
Esse fenômeno justifica, por exemplo, porque um documento criado por uma elite de
proprietários brancos e cristãos, como a Constituição americana, serviu e serve como
instrumento de luta por direitos e emancipação de grupos minoritários como negros,
mulheres e minorias sexuais (GARGARELLA, 2010, p. 147).
O objetivo do presente trabalho está intimamente associado a essa dimensão
intertemporal do constitucionalismo. Seu enfoque, entretanto, é específico: propõe-se
investigar os impactos da transição do regime militar para a democracia no acesso à jurisdição
constitucional abstrata e concentrada do Supremo Tribunal Federal (STF). Nossa hipótese é a de
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29775
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que a interpretação restritiva, até hoje vigente, da expressão “entidades de classe” do art. 103,
IX, da CRFB, é fruto do tímido avanço obtido no início da transição democrática, cujo efeito
prático foi o de intensamente limitar o acesso de grupos minoritários à jurisdição constitucional
abstrata e concentrada do STF, resultando em um enfraquecimento das potencialidades da
chamada atuação contramajoritária da Corte. Por essa razão, defenderemos a necessidade de a
noção de classe (inserta na expressão “entidades de classe de âmbito nacional”) ser
reconceitualizada.
Com o intuito de comprovar essa hipótese, o trabalho se apoiará em cinco partes, com
objetivos distintos. Na primeira, faremos um breve histórico do controle abstrato e concentrado
de constitucionalidade no Brasil. Mais adiante, apresentaremos as mudanças promovidas pela
Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88 no funcionamento do STF. Na terceira parte, será
descrito o processo de construção da jurisprudência autorrestritiva que limitou o sentido da
expressão “entidades de classe”. Em seguida, serão exploradas as causas e consequências dessa
jurisprudência. Por fim, na quinta e última parte, faremos uma crítica da interpretação restritiva
do art. 103, IX, da Constituição, e proporemos um conceito diferente de entidade de classe de
âmbito nacional. O trabalho se encerra com uma breve conclusão.
A centralização do controle de constitucionalidade no Brasil, portanto,
não é gradual e o aspecto mais relevante de sua criação não é sua relação
com o controle difuso, mas as transformações na ordem política e as
relações entre os poderes no pós-1964. Mais especificamente, o STF foi
investido, junto com o Presidente da República, no papel de instância
conformadora dos poderes do Congresso e dos estados, embora, ao
mesmo tempo, o próprio STF, e o Judiciário como um todo, tivessem seus
poderes restringidos sob outros aspectos (por exemplo, o AI-2 estendeu a
suspensão de direitos políticos, excluiu de apreciação judicial os atos
praticados em nome da “revolução”, transferiu para a justiça militar a
competência para julgar os crimes contra a segurança nacional ou
instituições militares). (KOERNER, 2013, p. 48)
No Brasil, o surgimento e o fortalecimento do controle concentrado e abstrato de
constitucionalidade são repletos de controvérsias e estão associados com a ascensão política e
institucional do autoritarismo de Estado. A compreensão das suas origens terá o papel de
demonstrar as razões que sustentaram o fechamento do acesso ao controle abstrato e
concentrado de constitucionalidade dos movimentos sociais e das associações da sociedade

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