Tecnologia: LGPD e os dados da vara do trabalho

AutorWillian Alessandro Rocha
CargoJuiz do trabalho substituto no TRT da 2ª região
Páginas48-66
48 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 667 I DEZ20/JAN21
DOUTRINA JURÍDICA
Willian Alessandro Rocha JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO NO TRT DA 2ª REGIÃO
LGPD E OS DADOS DAS VARAS DO
TRABALHO
I
A PROTEÇÃO DE INFORMAÇÕES DIGITAIS RELATIVA À JUSTIÇA
TRABALHISTA PODE COLIDIR COM OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS
COMO O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A AMPLA DEFESA
ALei Geral de Proteção de Dados (
– Lei 13.709/18) surge em um contexto
mundial de muita preocupação em se
proteger informações capazes de iden-
tificar pessoas naturais, tendo em con-
ta a crescente onda de divulgação indevida de
dados pessoais, assim como os recorrentes ca-
sos de ataques cibernéticos, com a obtenção de
informações particulares sensíveis das pessoas.
O crescimento tecnológico permitiu o pro-
cessamento em massa de dados pessoais, sendo
percebido que tais informações, se bem trata-
das, possuem valor monetário, pois permitem
às empresas conhecer as preferências de indi-
víduos de modo a fazer ofertas de produtos e
serviços que possam lhes interessar. Em razão
disso, os dados pessoais passaram a ter conteú-
do econômico relevante, chamado no meio em-
presarial de “novo petróleo”, sendo, inclusive,
objeto de comercialização.
Nesse cenário, é importante que os titulares
dos dados sejam protegidos por meio de normas
que regulem o tratamento de suas informações
pessoais, as quais, além do valor econômico para
as empresas, acima de tudo têm valor extrapa-
trimonial incomensurável para o seu titular.
Na Europa, onde há tradição de maior prote-
ção de dados pessoais, desde 25 de maio de 2018
vige o Regulamento Geral de Proteção de Dados
Pessoais da União Europeia (, na sigla em
inglês – General Data Protection Regulation),
cujo principal objetivo é, segundo o documento
europeu, a “proteção das pessoas singulares no
que diz respeito ao tratamento de dados pesso-
ais e regras relativas à livre circulação de dados
pessoais”.
Inspirada no , a Lei Geral de Proteção
de Dados brasileira tem por principal finalida-
de materializar o direito constitucional à in-
violabilidade da intimidade, da vida privada,
da honra e da imagem das pessoas (, art.
5º, ) e, com isso, a própria dignidade da pessoa
humana. Ou seja, embora o objeto imediato da
 seja a proteção dos dados pessoais, o seu
objeto mediato é a proteção da privacidade e da
intimidade do indivíduo. Em razão disso, seu al-
cance não atinge apenas empresas do setor pri-
vado, mas também pessoas naturais e pessoas
jurídicas de direito público. Já em seu art. 1º, a
 esclarece que suas disposições se aplicam
ao “tratamento de dados pessoais, inclusive nos
meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa
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REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 667 I DEZ20/JAN21
Dados constantes nos processos judiciais devem ser adequadamente tratados,
a m de proteger a intimidade e a privacidade dos titulares. Mostra-se, assim,
necessária uma regulamentação da forma como se rão armazenados
jurídica de direito público ou privado, com o ob-
jetivo de proteger os direitos fundamentais de
liberdade e de privacidade e o livre desenvolvi-
mento da personalidade da pessoa natural”1.
A  alcança também o Poder Judiciário,
uma vez que manipula dados de partes, advoga-
dos, testemunhas, servidores e juízes, os quais
devem ser objeto de atenção e tratamento ade-
quado, com vistas a proteger a liberdade e a pri-
vacidade de seus titulares, assim como o livre
desenvolvimento da personalidade.
Nesse cenário, os dados das secretarias das
varas do trabalho merecem especial cuidado,
pois a grande quantidade é armazenada em
meio eletrônico ou sico.
Não se pode perder de vista que a operacio-
nalização dos processos judiciais, desde o ajui-
zamento da ação até a fase executiva, demanda
o tratamento de diversos dados pessoais. Na
petição inicial, geralmente constam o nome,
, número de identidade, endereço e telefone
tanto do reclamante quanto da reclamada. Na
procuração que acompanha a petição inicial, os
dados do advogado que patrocina a causa tam-
bém estão presentes. A depender do objeto da
ação, são juntados documentos relativos à con-
dição de saúde do trabalhador, assim como de
sua eventual filiação sindical, informações tra-
tadas como dados sensíveis pela  (art.
5º, ). No termo de acordo celebrado em audi-
ência constam os dados bancários do titular da
conta que receberá os créditos, além de na fase
executiva as partes informarem os dados ban-
cários para crédito dos valores pagos. Havendo
a necessidade de execução forçada, os vários
convênios utilizados permitem o acesso a diver-
sos dados sensíveis das partes, citando-se como
exemplos o Cadastro de Clientes do Sistema
Financeiro Nacional (), o Sistema de Busca
de Ativos do Poder Judiciário (SJ), o Sis-
tema de Informações ao Judiciário (I) e
o Sistema de Investigação de Movimentações
Bancárias (S).
Todos os dados constantes nos processos
judiciais devem ser adequadamente tratados,
a fim de proteger a intimidade e a privacidade
dos titulares. Mostra-se, assim, necessária uma
regulamentação da forma como esses dados se-
rão armazenados e tratados no âmbito do Poder
Judiciário.
A Portaria 63/19 do  instituiu um grupo de
trabalho “destinado à elaboração de estudos e
propostas voltadas à política de acesso às bases
de dados processuais dos tribunais”.
A  previu a criação da Autoridade Nacio-
nal de Proteção de Dados (), que veio a ser
efetivamente criada apenas recentemente, no
dia 26 de agosto de 2020 (Decreto Presidencial
10.474). A referida agência terá por atribuições,
entre outras, “elaborar diretrizes para a Políti-
ca Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da
Privacidade” (art. 55-J, , da ).
Naturalmente, tão só após a elaboração dessas
diretrizes é que se poderá ter a exata dimensão
do alcance da , em termos gerais. E, a partir
das diretrizes gerais estabelecidas pela , po-
derão os órgãos do Poder Judiciário regulamen-
tar a matéria no âmbito de sua competência.
1. CONTEXTO NORMATIVO
Anteriormente à temática da proteção de dados
pessoais, inaugurada no direito brasileiro pela
, já havia preocupação com a proteção de
dados pessoais sigilosos ou que pudessem com-
prometer o livre desenvolvimento da personali-
dade do indivíduo.
A Lei de Acesso à Informação ( – Lei
12.527/11), que tem por escopo materializar o
princípio constitucional da publicidade dos
atos emanados do poder público, prevê em seu
art. 25 ser “dever do Estado controlar o acesso e
a divulgação de informações sigilosas produzi-
das por seus órgãos e entidades, assegurando a
sua proteção”.
A despeito do aparente conflito entre a  e
a , elas têm pontos de contato e podem con-

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