Teoria da relação jurídica

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas631-678
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Capítulo XIV
TEORIA DA RELAÇÃO JURÍDICA
SUMÁRIO: 1. Relação jurídica no contexto do direito; 2. Falácia
da relação jurídica “efectual”; 3. Teoria das Relações; 4. Relação
jurídica como enunciado factual; 4.1. Determinação do enuncia-
do relacional; 4.2. Aplicação das categorias da semiótica; 5. Ele-
mentos do fato relacional; 5.1. Sujeitos; 5.2. Objeto – prestação;
5.3. Direito subjetivo e dever jurídico; 6. Características lógico-se-
mânticas da relação jurídica; 7. Classificação das relações jurídi-
cas; 8. Eficácia das relações jurídicas; 9. Efeitos das relações jurí-
dicas no tempo; 10. Modificação e extinção das relações jurídicas.
1.
RELAÇÃO JURÍDICA NO CONTEXTO DO DIREITO
Relação é o modo de ser ou de comportarem-se dois
termos entre si482. O homem, na sua incessante busca pelo
conhecimento, experimenta as sensações do mundo bruto
que o cerca e vai associando suas percepções a fim de tor-
ná-lo inteligível. Assim o faz, estabelecendo relações entre
elementos linguísticos. Imersos numa realidade constituí-
da pela linguagem, vivemos num mundo de relações, dado
a natureza relacional dos signos que a compõem. Toda lin-
guagem é, antes de um conjunto estruturado de signos, um
482. NICOLA ABBAGNANO, Dicionário de filosofia, p. 809.
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AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
sistema de associações, ou melhor, de relações. A isto não
foge a realidade jurídica.
Tomando o direito como objeto de análise, EURICO MAR-
COS DINIZ DE SANTI observa que vamos encontrar tantas
relações quanto as formas possíveis de combinar a multiplici-
dade de sujeitos, normas, fatos, efeitos que compõem o fenô-
meno jurídico483. Há relação entre: (i) norma e o sistema; (ii)
normas e normas; (iii) hipótese e o consequente; (iv) norma
e fato jurídico; (v) norma e efeito jurídico; (vi) fato social, as
provas e fato jurídico; (vii) sujeitos de direito; (viii) conduta
social e conduta prescrita; etc. Todas relações jurídicas em
sentido amplo. Mas interessa-nos, neste capítulo, as relações
jurídicas em sentido estrito, ou seja, aquelas tidas como efeito
jurídico, instauradas entre dois sujeitos de direito, com a inci-
dência de normas jurídicas.
Define-se “relação jurídica” (stricto sensu) como o víncu-
lo abstrato segundo o qual, por força da imputação normativa,
uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo
de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimen-
to de certa prestação, sendo que esta última tem o dever jurí-
dico de adimpli-la. Tal vínculo é constituído no consequente
de normas individuais, produzidas no processo de aplicação
do direito. Dizemos que é abstrato para reforçar o fato do vín-
culo não existir empiricamente (enquanto dado bruto). Trata-
-se de uma construção proposicional, identificada com a for-
malização (abstração lógica) da linguagem veiculada pelo ato
de aplicação. E é decorrente de imputação normativa, porque
produzido mediante a incidência de uma norma jurídica de
caráter geral, como efeito de um fato jurídico, propagado em
razão da existência da causalidade do direito (vínculo que liga
a proposição-hipótese à proposição-consequente).
Tomado por base o caráter instrumental do direito posi-
tivo, cujo objetivo primordial é ordenar a convivência social
mediante a regulação de comportamentos intersubjetivos,
483. Lançamento tributário, p. 74.
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CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
observa-se que o único meio de que dispõe o sistema para
alcançar tal objetivo é a relação jurídica, no contexto da qual
emergem direitos e deveres correlatos. Vê-se assim, a impor-
tância do vínculo relacional na operacionalidade do sistema,
o que leva PAULO DE BARROS CARVALHO eleger o pres-
critor normativo como dado por excelência da realização do
direito. Nos dizeres do autor, “é incontestável a importância
que os fatos jurídicos assumem, no quadro sistemático do
direito positivo, pois sem eles jamais apareceriam direitos
e deveres, inexistindo possibilidade de regular a convivên-
cia dos homens no seio da comunidade, mas sem desprezar
este papel fundamental, é pela virtude de seus efeitos que as
ocorrências factuais adquirem tanta relevância, e tais efei-
tos estão prescritos no consequente da norma, irradiando-se
por via de relações jurídicas”484.
O direito prescreve condutas, estabelecendo relações
entre sujeitos, em virtude da verificação de certos aconteci-
mentos. Pensemos em qualquer instituição jurídica e depa-
ramo-nos com uma relação entre sujeitos. Pagar tributo, por
exemplo, é uma relação entre o fisco e o contribuinte; com-
prar e vender é uma relação entre o vendedor e o compra-
dor; casar é constituir uma relação entre o marido e esposa; a
sucessão é uma relação entre o de cujos e os herdeiros; o ser
agente público é uma relação entre o agente e o ente público;
e assim por diante. Toda atuação jurídica, invariavelmente,
se estabelece mediante a constituição de relações entre, pelo
menos, dois sujeitos distintos, pois esta é a forma de que dis-
põe a linguagem prescritiva para alcançar seu objetivo de dis-
ciplinar condutas.
Os efeitos jurídicos, instaurados com a incidência nor-
mativa, constituem-se em relações jurídicas. Como acentua
LOURIVAL VILANOVA, “proibir, ou obrigar, ou permitir
ações e omissões importa necessariamente estabelecer rela-
ções normativas entre os portadores – sujeitos-de-direito – da
484. Curso de direito tributário, p. 279.

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