A teoria do estado de dante alighieri na visão de Hans Kelsen
| Autor | Oliver Lepsius |
| Cargo | Universidade de Münster |
| Páginas | 293-310 |
Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 293-310, mai./ago. 2022.
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22500
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
A TEORIA DO ESTADO DE DANTE ALIGHIERI NA VISÃO DE HANS KELSEN*
HANS KELSEN ON DANTE ALIGHIERI’S POLITICAL PHILOSOPHY
Oliver Lepsius
Professor Catedrático de Direito Público e Teoria Constitucional na Universidade
de Münster, Alemanha.
Resumo
O primeiro livro escrito por Hans Kelsen (1881-1973) foi uma investigação
abrangente de “A Monarquia” de Dante Alighieri (1265-1321). Por que Kelsen se
interessou pela teoria política medieval? Este artigo aborda o tratamento dado
por Kelsen à teoria do Estado de Dante e questiona o que se pode inferir da
leitura de Dante feita por Kelsen para o desenvolvimento intelectual do jovem
Kelsen, seu interesse futuro de pesquisa e suas convicções filosóficas.
Palavras-chave: Kelsen. Dante. Estado. Monarquia. Teoria Política Medieval.
Abstract
Hans Kelsen’s first book was a thorough investigation of Dante’s The Monarchia.
Why did Kelsen become interested in medieval political theory? This article deals
with Kelsen’s treatment of Dante’s political p hilosophy and asks what one can
infer from Kelsen’s reading of Dante for the intellectual development of the young
Kelsen and his further research interests and philosophical convictions.
Keywords: Kelsen. Dante. State. Monarchy. Medieval Political Theory.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Não deixa de ser surpreendente que o primeiro livro de Hans Kelsen trate de um
assunto que ele nunca abordou novamente: teoria política medieval. É acidental que o
primeiro trabalho acadêmico de Kelsen seja um estudo sobre Dante e sua teoria política?
Neste artigo, discutirei as origens do livro de Kelsen: por que ele o escreveu?; o que o
atraiu em Dante?; ele representa Dante corretamente?; e o que aprendemos sobre
Kelsen com este livro, a formação de seu universo intelectual e sua agenda de pesquisa?
294
Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 293-310, mai./ago. 2022.
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22500
A TEORIA DO ESTADO DE DANTE ALIGHIERI NA VISÃO DE HANS KELSEN
2. A GÊNESE DO LIVRO DE KELSEN SOBRE DANTE
Kelsen, inicialmente, não queria se tornar um jurista. Sob a influência do
modernismo vienense e com um julgamento maduro para os desenvolvimentos
intelectuais que mais tarde o levaram a ter contato com o Wiener Kreis, ele pretendeu
estudar filosofia, matemática e física1. As dificuldades para encontrar um emprego o fez
reconsiderar essa pretensão. Como ele conhecia juristas entre os amigos dos seus pais
e pretendia se tornar juiz futuramente, acabou se matriculando na Faculdade de Direito2.
No entanto, em seus primeiros semestres, sendo obrigado a assistir as aulas bastante
entediantes sobre história do direito, Kelsen não se sentiu atraído pelo direito. Em suas
reminiscências, ele revela um interesse voltado para a cultura antiga, para as questões
sociais contemporâneas e, claro, para questões filosóficas3.
Foi a curiosidade de Kelsen que o fez escrever o estudo “Die Staatslehre des
Dante Alighieri”, o qual foi publicado, em 1905, no Wiener Staatswissenschaftliche
Studien4. O tema foi selecionado por ele mesmo e se mostra original em todos os
aspectos5. Não se trata da tese de doutorado de Kelsen, pois o doutorado em direito na
* Artigo traduzido do inglês “Hans Kelsen on Dante Alighieri’s Political Philosophy” publicado em The
European Journal of International Law, Vol. 27, n. 4, 2017, em cotejamento com a versão original em
alemão “Die Staatslehre des Dante Alighieri in der Sicht Hans Kelsens”, publicado em ZNR – Zeitschrift für
Neuere Rechtsgeschichte, Ano 37, n. 1/2, 2015.Tradução do inglês por Samuel Araujo de Oliveira e
Octavio Campos Fischer. Revisão da tradução e cotejamento com a versão original em alemão por Marcos
Augusto Maliska.
1 Ver Jabloner, ‘Objektive Normativität: Zu einem Bezugspunkt von Reiner Rechtslehre und Wiener Kreis’,
em R. Walter, W. Ogris e T. Olechowski (eds), Hans Kelsen – Leben – Werk – Wirksamkeit (2009) 169;
também em C. Jabloner, Methodenreinheit und Erkenntnisvielfalt (2013) 337. Sobre o clima intelectual em
Viena por volta de 1900, ver A. Janik e S. Toulmin, Wittgenstein’s V ienna (1973); C. Schorske, Fin de
Siècle Viena: Politics and Culture (1979); sobre a situação política, ver J.W. Boyer, Political Radicalism in
Late Imperial Vienna (1981). A amizade e os conhecidos de Kelsen, Ludwig von Mises, Otto Weininger e
Sigmund Freud são mencionados por Walter, ‘Nachwort’, em H. Kelsen (ed.), Was ist Gerechtigkeit?
(2000) 59, 63.
2 Kelsen, ‘Autobiographie (1947)’, em M. Jestaedt (ed.), Hans Kelsen Werke (HKW) (2008), vol. 1, 29, 34.
Ver também, referindo-se à autobiografia, R.A. Métall, Hans Kelsen: Leben und Werk (1969), em 4-5.
Sobre a vida e obra de Kelsen, ver também R. Walter, Hans Kelsen: ein Leben im Dienste der Wissenschaft
(1985), em 1; H. Dreier, Rezeption und Rolle der Reinen Rechtslehre (2001), pp. 17–35, com mais
referências.
3 Cf. Kelsen, nota 2 supra, em 34.
4 H. Kelsen, Die Staatslehre des Dante Alighieri (1905), E. Bernatzik e E. von Philippovich (eds), Wiener
Staatswissenschaftliche Studien, série 6, vol. 3), também em HKW, nota 2 supra, vol. 1, 134-300. O livro
foi reimpresso nos EUA três vezes entre 2010 e 2013. Sobre origem e contexto, ver HKW, nota 2 supra,
volume 1, em 598-601.
5 Kelsen, no entanto, já tinha acesso a traduções alemãs de “A Monarquia”. Ele lista três traduções alemãs,
ver Kelsen, nota 4 supra, p. 49 (também em HKW, nota 2 supra, vol. 1, p. três traduções de “A Monarquia”.
A primeira é de Herold zu Basel 1559, a segunda de J Kannegiesser e finalmente a já mencionada versão
de Oskar Hubatsch.” Depois de uma tradução anterior de “A Monarquia” por C. Sauter (1913), temos agora
a edição de estudo. Imbach e Flüeler, ‘Introduc tion and Commentary’, em D. Alighieri, The Monarchia
(1989). Esta tradução também é usada como base neste ensaio.
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO