Teoria geral do processo civil

AutorLeonardo de Faria Beraldo
Páginas3-126
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Já no art. 1º do novo Código de Processo Civil (novo CPC), o legislador dei-
xa claro que o direito processual civil deverá ser guiado pela Constituição Federal
(CF/88). Dispõe que "o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado
conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código". Trata-se
de dispositivo que não tem correspondente no Código de Processo Civil de 1973
(CPC/1973).
Normas, para a grande maioria da doutrina, é o gênero do qual são espécies os
princípios e as regras. Observe-se, pois, que o Capítulo I do Título Único do Livro I da
Parte Geral do novo CPC cuida dos princípios e das regras fundamentais do processo civil.
Assim, para aqueles que ainda tinham dúvidas sobre a importância que a CF/88
tem no direito processual civil (assim como em todos os demais ramos do Direito),
agora já não resta mais nenhuma dúvida. Como o brasileiro gosta muito do direito
positivo, talvez agora que mais fácil valer-se de princípios como os da ampla defesa,
do contraditório e da igualdade das partes em toda a sua plenitude.
O interessante será ver o comportamento, do Supremo Tribunal Federal (STF)
e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento dos recursos extraordinário e
especial, no que concerne às normas e valores constitucionais e, claro, a esse disposi-
tivo do novo CPC. Será que recursos serão conhecidos e providos, na era da restrição
máxima àquelas Cortes, para dizer que o princípio do contraditório é uma garantia
de não surpresa e de inuência no teor das decisões judiciais? O tempo nos dirá isso.
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O novo CPC incorporou no seu texto o princípio da inafastabilidade, que já
estava expresso no inciso XXXV do art. 5º da CF/88. Consta do art. 3º do novo CPC
que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito".
Book-Leonardo de Faria.indb 3 08/06/2015 16:43:19
Leonardo de Faria Beraldo
A inovação é desnecessária, porém, não traz nenhum prejuízo do ponto de vista
técnico-normativo. Já do ponto de vista prático, é mais um dispositivo genérico que
poderá ser utilizado para se interpor recurso especial pela parte mal intencionada e
interessada em procrastinar o feito.
Nesse ponto é preciso ressaltar que, em alguns casos, a jurisprudência tem exi-
gido que a pessoa tente resolver o seu problema, antes de ajuizar a ação, junto à outra
parte, como, v.g ., quando se tratar de pedido de concessão de benefício junto ao INSS
(STF, RE n. 631.240/MG). Esse posicionamento faz sentido, se lembrarmos de que
a jurisdição foi criada para resolver as lides entre pessoas, uma vez que a autotutela
é vedada. Assim sendo, e se lide signica conito de interesses qualicado por uma
pretensão resistida, não faz sentido ajuizar ação sem que exista contrariedade da parte
contrária em atender a pretensão da suposta vítima. E, se isso for feito, deverá arcar
com os honorários sucumbenciais, caso o réu não se contraponha ao pleito inicial.
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O art. 3º do novo CPC possui dois parágrafos muito importantes e que devem
ser ressaltados. O § 1º diz que "é permitida a arbitragem, na forma da lei". O § 2º
dispõe que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos con-
itos". Ambos os dispositivos não possuem correspondentes no CPC/1973.
A arbitragem não é novidade no Brasil e está em franco crescimento, no entanto,
o dispositivo reforça a sua existência e importância. Será cabível sempre que pessoas
jurídicas e pessoas naturais capazes quiserem, por livre e espontânea vontade, resolver
seus litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Não é um meio consensual
de resolução de conitos, mas é extrajudicial, adequado e altamente recomendado.
No tocante à promoção, pelo Estado, da solução consensual de conitos, tam-
bém não pode ser visto como novidade, pois a conciliação vem sendo largamente
utilizada. Já a mediação, bem menos do que poderia e deveria.
A arbitragem não é uma forma de se resolver o problema da morosidade da
Justiça. Já a conciliação e, especialmente, a mediação, podem reduzir sobremaneira o
acervo de processos judiciais. Mais ainda: pode evitar que o litígio chegue ao Poder
Judiciário, o que é o recomendado e desejado.
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Segundo o art. 4º do novo CPC, "as partes têm o direito de obter em prazo
razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa". Não há corres-
pondente no CPC/1973.
A nosso ver, parece-nos que o legislador está pretendendo eliminar as decisões
meramente terminativas do nosso ordenamento. Em outras palavras, sempre que o
magistrado puder, ele deverá optar por proferir decisões de mérito. E, para efetivar
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Comentários às Inovações do Código de Processo Civil
essa norma, deve o julgador, sempre que constatar vício sanável, intimar a parte para
que o retique, ao invés de optar pelo caminho mais fácil, que, como se pode imagi-
nar, seria o de, simplesmente, extinguir o feito sem resolução de mérito.
Todo mundo sabe que o juiz deve, ao receber a petição inicial, vericar se ela
preencheu todos os seus requisitos legais, e, na falta ou indevido preenchimento de
um deles, precisa intimar o autor para emendá-la, sob pena de extinção. E por que é
que todos sabem disso? Simples. É porque, há mais de quarenta anos, existem dois
dispositivos no CPC/1973 com esses dizeres (arts. 284 e 616).
Dito isso, raticamos que o que se espera de toda a magistratura nacional é que,
ao se depararem com um vício sanável, intime a parte para que o corrija, no prazo
assinalado, sob pena de sofrer as sanções legais, sendo a extinção do processo sem
resolução de mérito a mais dura de todas. Aliás, isso nem é tão novo assim. Basta
nos lembrarmos do disposto no § 4º do art. 515 do CPC/1973, acrescido no ano de
2006: "constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a
realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência,
sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação".
Além desse direito a uma decisão de mérito, diz o art. 4º que a atividade jurisdi-
cional deve ser prestada em prazo razoável. Essa expressão não pode ser confundida
com a palavra célere. Talvez o melhor sentido para a expressão "prazo razoável" seja
"sem dilações indevidas".
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O art. 5º do novo CPC estabelece que "aquele que de qualquer forma participa
do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé". Não é novidade e seu corres-
pondente no CPC/1973 seria o art. 14, II.
Sobre o princípio da boa-fé objetiva no dispositivo em comento, algumas notas.
Primeiro, o referido princípio já existia de forma tímida no CPC/1973.
Segundo, deixemos claro que o legislador está se referindo ao princípio da boa-
fé objetiva, e, não, subjetiva.
Terceiro, o princípio é aplicável não apenas às partes, mas ao magistrado, ao
membro do Ministério Público (MP), aos auxiliares da justiça (escrivão, leiloeiro,
ocial de justiça, perito, dentre outros) e aos terceiros intervenientes.
Quarto, a aplicação desse princípio não se resume apenas às hipóteses listadas
no dispositivo que regula a litigância de má-fé (art. 80). Vejamos um exemplo de vio-
lação ao princípio da boa-fé que não pode ser enquadrado como litigância de má-fé.
O autor ajuíza uma ação visando anular uma suposta dívida e requer, liminarmente, a
retirada de seu nome do SPC e do SERASA, que, como é sabido, são os dois cadastros
de inadimplência mais conhecidos no Brasil. O juiz defere o pedido, mediante a apre-
sentação de caução do autor, que é prontamente apresentada. O réu, citado, não agrava
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