Terrenos de marinha e seus acrescidos

AutorRodrigo Marcos Antonio Rodrigues
Páginas153-171

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1. Conceituação

Os terrenos de marinha e seus acrescidos, sob o aspecto de seus titulares, são bens da União Federal; considerados em si mesmos, são imóveis; quanto à sua constituição física, são terrestres; e relativamente à sua formação, podem ser tanto naturais, terrenos de marinha, como naturais ou artificiais, terrenos acrescidos aos de marinha, estes últimos formados natural ou artificialmente para o lado do mar, em seguimento aos de marinha.

Quanto à localização, podem ser continentais, costeiros ou insulares. O primeiro quando situado no interior do continente; o segundo quando situado na costa; e o terceiro quando situado nas ilhas oceânicas e costeiras. Podem, ainda, ser classificados tendo por objeto as águas que com eles confrontam e determinam a posição da linha do preamar-médio em: marítimos, fluviais e lacustres (GASPARINI, 2009, p. 938). Finalmente, em relação à sua destinação, são bens dominicais.

A definição dos terrenos de marinha e seus acrescidos está inserta na Seção II do Decreto-lei nº 9.760/1946:

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Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizon-talmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

Urge esclarecer ao leitor qual a definição de “preamar-médio”. Preamar é o nível máximo da maré; maré cheia, maré alta. O preamar-médio era obtido com a observação ou análise, durante certo período de tempo, da elevação média que a maré atingia. Para tanto, era preciso que a maré estivesse regular dentro de uma lunação1, situação sem a qual ensejava a medição dos pontos aonde

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chegavam as águas na sua elevação média no decurso de um ano2.

A referência ao ano de 1831 foi feita pela primeira vez no Decreto nº 4.105, de 22 de fevereiro de 1868, que regulava “a concessão dos terrenos de marinha; dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente” e já definia os terrenos de marinha como sendo: “todos os que banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis vão até a distância de 15 braças craveiras (33 metros) para a parte de terra, contadas desde o ponto a que chega o preamar médio”, esclarecendo que “este ponto refere-se ao estado do lugar no tempo da execução da lei de 15 de novembro de 1831, art. 51, § 14 (Instruções de 14 de novembro de 1832, art. 4º)”. Essa definição foi repetida no artigo 13 do Código de Águas.

Cumpre salientar que desde a entrada em vigor do Decreto-lei nº 4.120, de 21 de fevereiro de 1942, até o advento do Decreto-lei nº 9.760/1946, ficou determinado que a origem da faixa de 33 metros passaria a ser a da linha do “preamar máximo atual”, trazendo instruções para as medições.

Vejamos o artigo 3º do mencionado Decreto-lei:

Art. 3º A origem da faixa de 33 metros dos terre-nos de marinha será a linha do preamar máximo atual,

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determinada, normalmente, pela análise harmônica de longo período. Na falta de observações de longo período, a demarcação dessa linha será feita pela análise de curto período.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, a análise de longo período deve basear-se em observações contínuas durante 370 dias. Para a análise de curto período, o tempo de observação será, no mínimo, de 30 dias consecutivos.

§ 2º A posição da linha do preamar máximo atual será fixada pela Diretoria do Domínio da União, de acordo com as observações e previsões de marés, feitas pelo Departamento Nacional de Portos e Navegação ou pela Diretoria de navegação do Ministério da Marinha.

§ 3º No caso de ser reconhecida a existência de aterros naturais ou artificiais, tomar-se-á, como linha básica de marinhas, a que coincidir com o batente do preamar máximo atual, feita abstração dos referidos aterros.

Observa-se substancial mudança quando não mais prevalece o preamar-médio de 1831 para fins de medição da faixa de 33 metros, passando a prevalecer o “preamar máximo atual”, o que significa o máximo de elevação que a maré poderá atingir num espaço de tempo determinado por aquele decreto-lei.

Ocorre que o Decreto-lei nº 4.120/1942 antecedeu o
9.760/1946, o que pressupõe sua revogação total, quanto à extensão, e tácita, quanto ao modo, não somente em virtude de o Decreto-lei nº 9.760/1946 reafirmar em seu artigo

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2º que a posição é a da linha do preamar-médio de 1831, mas, também, por regular inteiramente a matéria que tratava a lei anterior, conforme preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro3.

A norma contida no Decreto-lei de 1942 deixou de pertencer ao nosso sistema jurídico vigente, porém, as relações originadas nas demarcações que tenham sido feitas no lapso temporal entre os dois decretos-leis estão garantidas pelo direito adquirido e pelo ato jurídico perfeito, continuando a norma revogada a produzir efeitos em relação às situações constituídas quando em vigor.4A justificativa para que o Decreto-lei nº 9.760/1946 retornasse à posição da linha do preamar-médio de 1831 para contagem dos 33 metros que definem a faixa de marinha, seguindo a orientação vigente desde o século XIX, segundo Messias Junqueira, na época Procurador-Chefe do Patrimônio Imobiliário do Estado de São Paulo, foi: “Como o assunto envolve antecipações prováveis e possíveis invasões da propriedade imóvel particular, confrontante com as marinhas, preferiu o projeto, a ser acoimado

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de inconstitucional, voltar à regra tradicional que definiu os terrenos de marinha como sendo aqueles situados em uma profundidade de 33 metros, medidos para a parte da terra, da posição em que passava a linha do preamar médio de 1831” (GASPARINI, 2009, p. 1940).

É preciso esclarecer que a influência das marés, a que alude o item “a” do artigo 2º do Decreto-lei nº 9.760/1946, diz respeito às margens dos rios e lagoas, como bem asseverou Celso Antônio Bandeira de Mello apud Diógenes Gasparini, ao definir o que seriam os terrenos de marinha: “São faixas de terra de 33 metros de profundidade, contados horizontalmente, a partir da linha do preamar médio de 1831, para o interior das terras banhadas pelo mar – sejam continentais, costeiras ou de ilhas –, ou pelos rios e lagos que sofram a influência das marés, entendendo-se como tal a oscilação periódica em seu nível de águas, em qualquer época do ano, desde que não inferior a 5 centímetros, e decorrentes da ação das marés” (GASPARINI, 2009, p. 938). Uma vez inexistente tal influência não há o que se falar em terrenos de marinha, as margens dos rios e lagoas entram no conceito de terrenos reservados (DI PIETRO, 2007, p. 655).

Os terrenos acrescidos de marinha não têm uma extensão definida, formam-se a partir da linha do preamar-médio de 1831 para o lado do mar (e também dos rios e lagoas que sofram a influência das marés), pela ação da...

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