O testamento vital como expressão da autonomia individual

AutorLaura Miraut Martin
CargoUniversidade de Las Palmas de Gran Canaria, Espanha
Páginas158-186
Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 158-186, mai./ago. 2022.
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22441
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
O TESTAMENTO VITAL COMO EXPRESÃO DA AUTONOMIA INDIVIDUAL
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THE LIVING WILL AS AN EXPRESSION OF INDIVIDUAL AUTONOMY
Laura Miraut Martín
Professora Titular de Filosofia do Direito na Universidade de Las Palmas de
Gran Canaria, Espanha. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “La Decisión
Judicial. Especial consideración del fenómeno migratorio” (LDJC; GIR 261) e
do Grupo de Innovação Educativa “Juristas ante el Reto de la Convergencia
Europea” (GIE-25). E-mail: laura.miraut@ulpgc.es
Resumo
O testamento vital representa uma expressão da autonomia atual do sujeito
que se pretende que seja efetiva num momento futuro. Pressupõe uma certa
ideia da disponibilidade da vida e da saúde pessoal. Como tal, exige a mais
estrita consideração dos requisitos de capacidade que denotam a
competência do sujeito. É um instrumento indicativo da vontade do paciente
de natureza não determinante, que deve ser combinada com outras
indicações, com o entendimento de que a vontade presente do sujeito,
mesmo que seja uma vontade tácita, deve prevalecer sobre a vontade
expressa no passado. A nomeação de representantes no documento pode ser
útil na medida em que ajuda a delimitar o significado preciso da vontade
individual, dada a impossibilidade de prever antecipadamente todas as
nuances do caso. Propomos que o controlo da legalidade do conteúdo do
documento seja efetuado a posteriori, no momento da sua execução, e não
no momento da sua assinatura.
Palavras-chave: Autonomia. Competência individual. Direitos.
Disponibilidade da vida. Personalidade.
Abstract
The living will represent an expression of the subject's current autonomy which
is intended to be effective at a future point in time. It presupposes a certain
idea of the availability of life and personal health. As such, it calls for the
strictest consideration of the capacity requirements that denote the subject's
competence. It is an indicative instrument of the patient's will of a non-
determining nature, which should be combined with other indications, it being
1 Artigo traduzido ao português por Rubén Miranda Gonçalves, Pós -doutor em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Doutor em Direito pela Universidade de Santiago de Compostela
(Espanha) e Professor de Filosofia do Direito na Universidade de Las Palmas de Gran Canaria
(Espanha).
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Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 158-186, mai./ago. 2022.
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22441
LAURA MIRAUT MARTÍN
understood that the present will of the subject, even if it is a t acit will, should
prevail over the will expressed in the past. The appointment of representatives
in the document can be useful insofar as it helps to delimit the precise
meaning of the individual will give the impossibility of foreseeing in advance all
the nuances of the case. We propose that the control of the legality of the
content of the document be carried out a posteriori, at the time of its execution,
and not at the time of its signature.
Keywords: Autonomy. Availability of life. Individual competence. Rights.
Personality.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A impossibilidade de controlar pessoalmente o curso da fase final da vida de
cada indivíduo deu origem à preocupação de assegurar que os tratamentos médicos e
os cuidados de saúde que podem ser aplicados respondam o mais próximo possível à
vontade do sujeito envolvido. O testamento vital é assim apresentado como uma
expressão concreta da vontade destinada a ser efetiva em um momento futuro. Sua
consideração exige uma disquisição precisa sobre a disponibilidade da vida e da
saúde individual, uma vez que estes são normalmente os bens que estão em jogo no
momento de sua aplicação.
A possibilidade de que o conteúdo expresso no documento possa ser
contraditório à regulação jurídica exigirá uma decisão sobre se é apropriado
estabelecer um controle de legalidade no momento de sua assinatura, o que poderia
determinar a nulidade do documento, ou se esse controle de legalidade deve ser
adiado para o momento de sua implementação. O problema surge da hipotética
contradição entre a vontade expressa no documento e as indicações da vontade do
sujeito que podem ser reveladas por sua atividade diária, a expressão de suas
emoções etc., um problema ainda mais grave em vista da distância no tempo entre o
momento da assinatura do documento e o momento de sua implementação.
2. O SENTIDO DO TESTAMENTO VITAL
Na figura do testamento vital, questões relacionadas com o princípio da
autonomia individual e a proteção da saúde estão entrelaçadas, bastiões que hoje
merecem uma inquestionável valorização social e jurídica. Isto explica sua crescente
popularidade e a crescente aceitação que está recebendo em diferentes sistemas
legais. Mas também explica a cautela que ela desperta em certos setores sociais,
especialmente entre os profissionais de saúde, em vista dos possíveis efeitos anti-

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