Título I - Disposições preliminares

AutorMarcos Vinícius Torres Pereira
Páginas1-49
1
Livro I
Parte Geral
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Capítulo I
Disposições Gerais
Marcos Vinícius Torres Pereira
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deciência
(Estatuto da Pessoa com Deciência), destinada a assegurar e a promo-
ver, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais por pessoa com deciência, visando à sua inclusão social e
cidadania.
Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deciência e seu Protocolo Facultativo, raticados pelo
Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de
2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da
plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo
Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no
plano interno.
1. ASPECTOS GERAIS
Após a Segunda Guerra Mundial, devido ao trauma do Holocausto, somado ao
rastro de devastação da civilização e de perdas de vidas humanas, nos dois conf‌litos
mundiais, no curto espaço de cerca de três décadas; a sociedade mundial reagiu
através da emergência dos direitos humanos. A doutrina dos direitos humanos af‌ir-
ma a existência da raça humana como única, e, que pressupõe, ipso facto, um rol de
direitos mínimos a serem assegurados a todos os indivíduos, sem distinção. Direitos
estes, que são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis a todos os seres humanos.
Num primeiro momento existe a preocupação em se garantir as liberdades, a
proteção e os direitos essenciais de todos os indivíduos, numa base igualitária. A
partir dos anos sessenta, ganha força a ideia de que, ainda que se reconheça uma única
raça humana de maneira isonômica, alguns grupos de indivíduos se diferenciam por
condições pessoais, que os tornam alvos de discriminação e, consequentemente,
candidatos a sofrerem restrições no acesso e no gozo de determinados direitos. Tais
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ART. 1º
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: COMENTÁRIOS À LEI 13.146/2015
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grupos são comumente chamados de minorias – terminologia que soa inadequada,
não somente por uma possível conotação pejorativa, mas também porque estes
grupos soem ser bastante numerosos –, e, representam grupos vulneráveis – nomen-
clatura mais adequada, por representar sua posição fragilizada frente aos demais
indivíduos, em razão da discriminação que sofrem por sua condição. Dentre tais
grupos vulneráveis, podemos indicar, por exemplo, as mulheres – discriminadas
em função do gênero –, as crianças e adolescentes, e, os idosos – discriminados por
sua fragilidade física relacionada à idade e pela consequente dependência de tercei-
ros –; os indígenas, os negros, e, os estrangeiros – discriminados em razão da etnia,
da raça ou da origem; os indivíduos LGBTI – perseguidos por causa da orientação
sexual ou da identidade de gênero –, e, as pessoas com def‌iciência – excluídos em
virtude de suposta “def‌iciência”. Cabe registrar que o foco dos direitos humanos a
todos estes grupos vulneráveis corresponde aos direitos humanos de terceira gera-
ção, ou, à chamada especialização dos direitos humanos na doutrina do pensador
Norberto Bobbio.1
Desse modo, é indispensável atentar para o fato de que a elaboração da presente
lei no Brasil se insere num vasto projeto de promoção de direitos humanos, em níveis
internacional e interno – não somente no Brasil, mas também em outros países –, a
um grupo vulnerável específ‌ico: as chamadas pessoas com def‌iciência.
2. A OPÇÃO PELO MODELO DE UM MICROSSISTEMA
Do mesmo modo como fez para o estatuto protetivo dirigido a outros grupos
supostamente vulneráveis, tais como os idosos – Estatuto do Idoso –, e, as crianças
legislador optou pela elaboração de um microssistema. Id est, priorizou-se uma lei
protetiva que abarque, numa pretensão (quase) exaustiva, os mais diversos temas
relativos à proteção do grupo tutelado, incluindo normas processuais e materiais.
A principal vantagem de um microssistema repousa na especialidade. O
microssistema permite a coexistência de normas de direito civil, processual,
administrativo, e, mesmo, penal; tendo como elo o foco na proteção do grupo
hipossuf‌iciente que se busca proteger. Costuma-se indicar ou priorizar princí-
pios que guiarão os operadores do direito na aplicação das normas do próprio
microssistema, a semelhança do que é feito para algumas espécies normativas,
como a Constituição Federal. Os princípios escolhidos levam em consideração as
peculiaridades do grupo tutelado e os objetivos do microssistema. Faz-se mister
ter em mente que os microssistemas legislativos fazem parte do ordenamento ju-
rídico de determinado Estado, sujeitando-se a eventuais conf‌litos com outras leis
já existentes, com códigos e com a própria constituição nacional. Quanto à técnica
1. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 7ª reimpressão. trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Elsevier,
2004. p. 31-32.
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ART. 1º
MARCOS VINÍCIUS TORRES PEREIRA
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legislativa, cabe observar que os microssistemas fazem uso tanto da redação de
dispositivos que criam, alteram ou extinguem, de forma explícita (e tradicional),
direitos, bem como de dispositivos que preveem mera alteração da redação de
dispositivos de outras leis já existentes.
A escolha por um modelo de microssistema para regulamentar os direitos das
pessoas com def‌iciência no Brasil é acertada, já que tal opção se mostrou ef‌icaz
para a promoção de direitos para outros grupos vulneráveis, através dos chamados
estatutos. Não há dúvidas de que é uma estratégia do legislador, uma vez que a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Def‌iciência é batizada mediante o epíteto de
“Estatuto da Pessoa com Def‌iciência”, no caput do artigo 1º.
3. OBJETIVOS DA LEI
A Lei visa assegurar e promover direitos das pessoas com def‌iciência. A Lei visa
assegurar tais direitos através da enumeração de direitos que, uma vez disciplinados
em um estatuto legal, adquirem força cogente e trazem segurança jurídica; levando,
portanto, à paz social. A promoção de direitos é consagrada por meio da promoção
de políticas públicas que tornem efetivos esses direitos, muitas vezes, por medidas
af‌irmativas.
A referência a “direitos e liberdades fundamentais” da pessoa com def‌iciência
tem conexão direta com “os direitos e garantias fundamentais” do artigo 5º da
Carta Magna, ainda que não pareça haver similitude entre alguns dispositivos do
artigo 5º da Lex Maxima e os dispositivos do caput do artigo 1º do Estatuto. Como
próprio a um microssistema, os direitos e liberdades fundamentais elencados no
Estatuto são aqueles que se relacionam com a realidade de uma pessoa com def‌i-
ciência, num espectro mais limitado do que alguns dispositivos da Constituição
Federal, que visam a todos os indivíduos e com objetivos mais amplos. O artigo 1º
do Estatuto não enumera os direitos e liberdades fundamentais, uma vez que eles
serão tratados ao longo da Lei. De todo modo, o ponto importante é o reconhe-
cimento de direitos das pessoas com def‌iciência, alçados ao patamar dos direitos
fundamentais
Faz-se mister observar que três expressões se relacionam no texto do caput
do artigo 1º, constituindo um trinômio para delinear e efetivar os objetivos do
Estatuto, a saber: “em condições de igualdade”, “inclusão social” e “cidadania”.
Apesar da igualdade formal entre todos os indivíduos, é sabido que as pessoas com
def‌iciência enfrentam dif‌iculdades e barreiras para a efetivação de vários direi-
tos, em razão de sua condição. O legislador tem consciência dessa desvantagem
em comparação com outros indivíduos, quando prevê que tal promoção deve se
dar em condições de igualdade. Permite tacitamente antever a necessidade da
adoção de medidas af‌irmativas, como estratégia para reequilibrar forças, garantir
a paridade entre os indivíduos; utilizando, assim, a já conhecida técnica de me-
didas af‌irmativas para a promoção de direitos de grupos vulneráveis, tal como
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