Título III - Da acessibilidade

AutorVitor Almeida, Lorranne Carvalho da Costa e Gabriela Helena Mesquita de Oliveira Campos
Páginas197-257
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TÍTULO III
DA ACESSIBILIDADE
Capítulo I
Disposições Gerais
Vitor Almeida
Lorranne Carvalho da Costa e
Gabriela Helena Mesquita de Oliveira Campos
Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deciência ou
com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direi-
tos de cidadania e de participação social.
1. COMENTÁRIOS AO ART. 53
O termo acessibilidade já def‌inido no art. 3º, inciso I, do presente Estatuto,
trata do direito garantido à pessoa com def‌iciência ou com mobilidade reduzida
de ter condições e possibilidades de exercício efetivo e pleno gozo de seus direitos
fundamentais, nas mais variadas esferas, seja nos espaços públicos, privados, mo-
biliários, nos serviços de transportes, no acesso a informação e tecnologia. Cumpre
dizer que a acessibilidade viabiliza o exercício da autonomia e assegura uma vida
independente dada pessoa com def‌iciência.
Nesse passo, implica na efetivação do princípio da isonomia previsto no caput
do art. 5º da Constituição Federal, uma vez que a acessibilidade representa a con-
cretização da igualdade de exercício pleno dos direitos às pessoas portadoras de
def‌iciência, sendo entendida enquanto um direito instrumental para o exercício
dos demais direitos. Nesse sentido, o dispositivo em tela impõe a forma como o
ambiente social deve ser adaptado (ou readaptado) para propiciar um espaço de
convívio igualitário e democrático, desprovido de barreiras ambientais de toda sorte
(físicas, sensoriais, auditivas etc.), o que ref‌lete a plena adoção do modelo social
da def‌iciência, que impõe à sociedade o dever de retirar ou diminuir os obstáculos
à plena e igualitária participação social das pessoas com def‌iciência. Busca-se um
ambiente inclusivo e plural, capaz de permitir o convívio de todos e não somente
restringido às pessoas com def‌iciência.
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ART. 53
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: COMENTÁRIOS À LEI 13.146/2015
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O objetivo central da acessibilidade é a efetiva inclusão social por meio de
condições materiais que assegurem à autônoma, independente e igualitária partici-
pação das pessoas com def‌iciências no exercício da cidadania, como consequência
da isonomia substancial e da solidariedade social. A almejada capacidade plena das
pessoas com def‌iciência1 somente é alcançada com a efetiva acessibilidade, eis que
essa é instrumental para o exercício da autonomia relacionada aos atos da vida civil.
A acessibilidade é um dos princípios gerais previstos na Convenção Interna-
cional dos Direitos da Pessoa com Def‌iciência (CDPD) no seu art. 3, f, com o f‌im de
“possibilitar às pessoas com def‌iciência viver de forma independente e participar
plenamente de todos os aspectos da vida” (art. 9, CDPD). Desse modo, a Convenção
determina que “os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar
às pessoas com def‌iciência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos
sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e
instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural”.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.733.468-
MG, no qual examinou em ação de compensação por dano moral a falta de acessibi-
lidade a transporte público municipal à pessoa com def‌iciência usuária de cadeira de
rodas motorizada, asseverou que a CDPD alçou a “acessibilidade a princípio geral
a ser observado pelos Estados Partes, atribuindo-lhe, também, o caráter de direito
humano fundamental”.
A acessibilidade é, portanto, elemento central para a garantia de diversos ou-
tros direitos assegurados à pessoa com def‌iciência, sobretudo no que concerne ao
seu reconhecimento e inclusão.2 Nos termos da redação dada pelo Estatuto ao art.
2º, I, da Lei 10.098/2000, a acessibilidade consiste na “possibilidade e condição
de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários,
equipamentos urbanos, edif‌icações, transportes, informação e comunicação”. Nessa
esteira, as barreiras encontradas pelas pessoas com def‌iciência que limita ou impede
a plena participação social, bem como o exercício de seus direitos à acessibilidade,
basicamente, se baseiam em quatro eixos: (i) barreiras urbanísticas nas vias e nos
espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; (ii) barreiras
arquitetônicas nos edifícios públicos e privados; (iii) barreiras nos transportes; e,
1. Sobre o assunto permita-se remeter a BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azeve-
do. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Def‌iciência. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de
(Org.). Direito das pessoas com def‌iciência psíquica e intelectual nas relações privadas Convenção sobre os
direitos da pessoa com def‌iciência e Lei Brasileira de Inclusão. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 249-274.
Cf., ainda, BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo. A (in)capacidade da pessoa
com def‌iciência mental ou intelectual e o regime das invalidades: primeiras ref‌lexões. In: Marcos Ehrhardt
Jr. (Org.). Impactos do novo CPC e do EPD no direito civil brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 205-
228.
2. Cf. BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo. Reconhecimento e inclusão das
pessoas com def‌iciência. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 13, p. 17-37, 2017.
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ART. 53
VITOR DE A. A. JUNIOR, LORRANNE C. DA COSTA E GABRIELA HELENA M. DE O. CAMPOS
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(iv) barreiras nas comunicações e na informação que dif‌iculte ou impossibilite a
expressão ou recebimento de mensagens e informações por intermédio de sistemas
de comunicação ou de tecnologia da informação.
Como visto, a CDPD não apenas elevou a acessibilidade ao patamar de um
princípio (artigo 3º, f), mas também uma obrigação do Estado signatário, na forma
prevista pelos artigos 4º (f a i), 9º e 20. A Constituição da República já estabelecia a
necessidade de “normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público
e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a f‌im de garantir acesso adequado
às pessoas portadoras de def‌iciência” (artigo 227, § 2º). Da mesma forma, a Consti-
tuição também previu, em seu artigo 244, a necessidade de se legislar a respeito de
normas de adaptação do espaço público já construído e adequação dos veículos de
transporte coletivo existentes para garantir do acesso às pessoas com def‌iciência.
A Constituição repartiu a competência legislativa e administrativa sobre a pro-
teção das pessoas com def‌iciência, inclusive aspectos ligados à acessibilidade, entre
todos os entes federativos. No artigo 24, inciso XIV, atribui-se à União, Estados e
Distrito Federal a competência para legislar sobre a proteção e integração das pessoas
portadoras de def‌iciência. Cabe frisar que por força do art. 30, inciso I, compete
aos municípios legislar sobre matéria de interesse local, incluindo-se as questões
atinentes à acessibilidade das pessoas com def‌iciência. No campo da competência
administrativa, o artigo 23, inciso III, atribuiu a todos os entes da Federação o dever
de proteção e garantia das pessoas com def‌iciência.
Com base na aludida repartição constitucional de competências, atribui-se à
União a edição de normas gerais. Nessa linha, logo após a promulgação da Consti-
tuição, a Lei 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de def‌ici-
ência, determinou em seu artigo 2°, parágrafo único, inciso V, alínea a, que o Poder
Público deve tomar medidas necessárias para evitar ou remover óbices às pessoas
com def‌iciência, de modo a lhes permitir acessar edifícios, logradouros e meios de
transporte. Posteriormente, a Lei 10.098/00 estabeleceu normas gerais e critérios
básicos para acessibilidade das pessoas com def‌iciência ou mobilidade reduzida,
assegurando medidas voltadas à superação de barreiras nos quatro eixos de rele-
vância para a efetividade da acessibilidade: arquitetônico, urbanístico, transporte e
informacional (artigo 2º, inciso II) com redação dada pelo Estatuto da Pessoa com
Def‌iciência.
Além das leis gerais editadas no âmbito da União, encontra-se na esfera estadual
e municipal inúmeras leis que objetivam igualmente concretizar a acessibilidade,
suplementando, no que couberem, as regras gerais. Apesar da aparente boa vontade
legislativa, o que ref‌lete, em certa medida, a conscientização social em prol da in-
clusão das pessoas com def‌iciência, é induvidoso que ainda é incipiente as medidas
concretas para a eliminação das barreiras de todas as ordens ainda existentes e que
impedem a plena cidadania das pessoas com def‌iciência.
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