Tomada de decisão em fim de vida

AutorLuciana Dadalto
Páginas75-94
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TOMADA DE DECISÃO
EM FIM DE VIDA
4.1. CRITÉRIOS DE AUTONOMIA PARA TOMADA DE DECISÃO NOS
CUIDADOS DE SAÚDE TRAZIDOS POR BEAUCHAMPS E CHILDRESS
Em 1977, foi editada nos Estados Unidos a primeira edição da obra Principles
of Biomedical Ethics de Tom L. Beauchamp e James F. Childress. Esta obra, a partir
da segunda edição, em 1979, com a incorporação dos princípios da autonomia, da
justiça, da não maleficência e da beneficência, derivados dos princípios do respeito
ao outro, da beneficência e da justiça apresentados no Relatório de Belmont,1 passou
a assumir um papel central nas discussões afetas à Bioética e à clínica médica.
No que diz respeito à aplicação da autonomia do paciente na tomada de decisões
acerca dos cuidados de saúde aos quais estes devem (ou não) ser submetidos, Beau-
champ e Childress2 oferecem grande contribuição quando apontam três modelos de
autonomia a serem levados em conta.
O primeiro é chamado de modelo de julgamento substituto, que “parte da premissa
de que as decisões sobre tratamentos pertencem propriamente ao paciente incapaz
ou não autônomo, em virtude dos direitos à autonomia e à privacidade”.3 Por este
modelo, o paciente, nomeia um decisor substituto que deverá tomar decisões como
se fosse o paciente.
Esses autores defendem a utilização desse modelo apenas para pacientes que já
foram capazes, quando existam sérias razões para se acreditar que é possível prever
qual seria a decisão que este teria tomado se estivesse no gozo de suas atribuições
físicas e mentais. E, conforme se verá, o modelo do julgamento substituto é ins-
trumentalizado na procuração para cuidados de saúde (durable power of attorney,
positivado em 1991 nos EUA).
1. O Relatório de Belmont foi elaborado em 1978 pela Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos Humanos
nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais e estabeleceu os princípios éticos fundamentais que deve-
riam nortear pesquisas com seres humanos. (THE NATIONAL COMMISSION FOR THE PROTECTION
OF HUMAN SUBJECTS OF BIOMEDICAL AND BEHAVIORAL RESEARCH, 1979) Segundo Barboza
(2000), estes “princípios da Bioética não deverão ser preteridos pelo legislador, na medida em que têm por
fundamento valores reconhecidos pelo Direito”. BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da bioética e do
biodireito. Revista Bioética. Brasília, v. 8, n. 2, p. 209-216, 2000.
2. BEAUCHAMP, Tom L; CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. Trad. Luciana Pudenzi. São Paulo:
Loyola, 2002.
3. Op. Cit., p. 196.
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O segundo modelo é denominado modelo de pura autonomia e “se aplica exclusi-
vamente a pacientes que já foram autônomos e expressaram uma decisão autônoma
ou preferência relevante”.4 Aqui, o paciente expressou previamente sua vontade
e é essa vontade que orientará a tomada de decisões nos cuidados de sua saúde. O
modelo de autonomia pura orientará sobremaneira a presente pesquisa, vez que se
aplica in tontum ao testamento vital.
Por fim, o terceiro e último é o modelo dos melhores interesses no qual “um decisor
substituto deve determinar o maior benefício entre as opções possíveis, atribuindo
diferentes pesos aos interesses que o paciente tem em cada opção e subtraindo os
riscos e os custos inerentes a cada uma”.5
Percebe-se que esse modelo possui uma carga valorativa, vez que se baseia na
atribuição de pesos aos interesses, o que não se coaduna com a teoria do Direito
como Integridade de Dworkin, na qual a atribuição de pesos – ponderação – dá lugar
à adequação dos princípios jurídicos. Assim, o modelo dos melhores interesses só
poderia ser aplicável no Estado Democrático de Direito se objetivasse adequar os
interesses em jogo perante o caso concreto e não os equacionar de modo axiológico.
4.2. DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE
Primeiramente, é imperioso retomar a ideia já apresentada de que o consen-
timento livre e esclarecido e as diretivas antecipadas são institutos próximos, pois
ambos têm como consequência a aceitação ou não de cuidados, procedimentos
e tratamento. Entretanto, como será visto a seguir, esses institutos possuem uma
diferença essencial, que é a abrangência das situações, o momento em que é feito, o
momento em que produz efeitos, e o papel do médico na feitura deles.
Grande parte dos poucos estudos brasileiros sobre diretivas antecipadas e/ ou
sobre testamento vital faz grande confusão com esses institutos, induzindo o leitor,
por vezes, a acreditar que são sinônimos. Todavia, a distinção entre os institutos foi
feita pela Patient Self-Determination Act (PSDA), uma lei federal americana que será
melhor trabalhada no capítulo seguinte.
As diretivas antecipadas de vontade (advanced directives), tradicionalmente, têm
sido entendidas como gênero do qual são espécies o testamento vital (living will) e
a procuração para cuidados de saúde (durable power attorney for health care), pois
essa foi a construção feita pela PSDA, contudo, como será visto adiante a população
norte-americana criou outras espécies de DAV não positivadas na lei federal, mas
regulamentadas por legislações e atos normativos estaduais.
Atualmente, as DAV não tratam apenas de desejos para fim de vida, sendo enten-
didas como documentos de manifestação de vontade prévia que terão efeito quando
4. Op. Cit.
5. Op. Cit.
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