A trajetória do irb e o desmonte do sistema de seguros e resseguros do brasil

AutorJ?ssica Anne de Almeida Bastos
Páginas413-434
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E RE SS EG UR OS DO BR AS IL
Jéssica Anne de Almeida Bastos
I. CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS SOBRE O PAPEL DO
ESTADO NA ECONOMIA
O
Estado sempre desenvolveu, em algum nível, atuação no campo econômico.
Ainda no tempo do liberalismo, esse ente era chamado a atuar na economia,
e não apenas como corretor de “falhas de mercado”.
Em verdade, o livre mercado se manteve “em funcionamento” através de contí-
nua, organizada e centralizada atuação do Estado. Ao contrário do que se imagina,
o laissez-faire foi produto da ação deliberada do Estado, enquanto as subsequentes
restrições decorrentes de sua subversão, não.1
Essa visão do Estado como mero corretor de “falhas de mercado” parte da
ideia de que o desenvolvimento ocorre gradualmente, de maneira espontânea,
se iniciativas individuais tiverem espaço, e enxerga o mercado competitivo como
eficiente alocador de recursos. Tal perspectiva também parte da crença no surgi-
mento natural da indústria nos países desenvolvidos.
Essa tese, entretanto, ignora a realidade histórica das condições em que sur-
giram a indústria e os mercados nacionais, além do inegável papel exercido pelo
Estado por meio de políticas deliberadas. O Estado inglês, por exemplo, garantiu
as condições necessárias para a viabilização da Revolução Industrial a partir da
criação simultânea de mercado, mão de obra e acumulação de capital, que permi-
tiram inclusive a colonização da América e da África. A partir do desenvolvimento
1 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus,
2000, p. 172.
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JÉ S S I C A A N N E D E A L M E I D A B A S T O S
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da indústria, a atuação estatal também cresceu, com reforço do sistema colonial,
do protecionismo, de guerras comerciais.
Por outro lado, com o surgimento do capitalismo, logo as crises dele decorren-
tes, como a eclosão dos monopólios e o advento de ciclos de crise do capitalismo,
revelaram que seria necessário ao Estado um incremento da sua forma de atuação,
porquanto o desenvolvimento da economia de mercado leva ao acirramento da
subordinação econômica e da desigualdade social.
Como bem resumiu Eros Grau,2à idealização de liberdade, igualdade e fra-
ternidade se contrapôs a realidade do poder econômico”, que revelou uma lógica de
dominação econômica baseada em uma desigual divisão social do trabalho e criou
uma hierarquia entre classes baseada na assimetria de poder.
Essa mesma assimetria de poder que permeia as relações econômicas também
existe em Estados e regiões, gerando hierarquias entre eles. O mundo não se com-
põe de um conjunto de unidades separadas, mas é entendido como uma unidade
dentro da qual os países estão interligados. A característica principal do mundo
atualmente é a diminuição das fronteiras econômicas, políticas e culturais de cada
unidade, e se entende a separação dessas unidades a partir de uma divisão interna-
cional do trabalho, que divide os países entre centro e periferia.3
Os países centrais se ocupam da produção de alto valor agregado (produção
industrial) e, embora as exportações sejam importante componente da dinâmica
econômica, não lhes cabe a exclusiva responsabilidade pelo desenvolvimento da
economia do país. Tampouco há uma nítida divisão entre a capacidade produtiva
destinada a atender aos mercados externo e interno. Aliás, sequer é possível des-
tacar um setor propriamente exportador: o que é produzido tanto é exportado
quanto consumido internamente.
Já os países periféricos encarregam-se de fornecer commodities ou bens de baixo
valor, que servirão de matéria prima para a produção de alto valor dos países cen-
trais, portanto as exportações são praticamente a única componente autônoma
do crescimento da renda nacional.4 Nestes territórios, é comum haver ainda uma
grande heterogenia social.5
2 GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 17.
3 Nesse sentido, ver: BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-X-
VIII: os jogos das trocas, vol. II. São Paulo: Martins Fontes, 1997; e WALLERSTEIN, Immanuel. The
capitalist world-economy. Londres: Cambridge University Press, 1977.
4 TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 7. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978, p. 20.
5 Ibid., p. 32. Nesse sentido, também, Celso Furtado: “O resultado prático disso – mesmo que cresça o setor
industrial ligado ao mercado interno e aumente a sua participação no produto, mesmo que cresça, tam-
bém, a renda per capita do conjunto da população – é que a estrutura ocupacional do país se modifica com
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