Tutela do direito provável em combate ao dano marginal: tutela de evidência

AutorEster Camila Gomes Norato Rezende
Páginas97-181
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TUTELA DO DIREITO PROVáVEL EM
COMBATE AO DANO MARGINAL:
TUTELA DE EVIDÊNCIA
O Código de Processo Civil de 2015 inova na disciplina das denomina-
das tutelas provisórias dentre outros, ao cunhar na legislação codicada a
expressão tutela de evidência para designar a tutela do direito provável em
situações em que não há situação excepcional de urgência, que, no direito
brasileiro, tradicionalmente mereceu tutela pela via da cautelar e, a partir da
década de 1990, pelo instrumento da antecipação de tutela.
O legislador de 2015, no entanto, escorou-se em lições doutrinárias na-
cionais, que, pelo menos desde também a década de 1990, valiam-se da lo-
cução tutela de evidência para nominar essa espécie de provimento jurisdi-
cional fundada em juízo de probabilidade, ausente perigo de dano, buscando
sinalizar que o nível da probabilidade exigido para concessão de tutela desse
jaez seria superior àquele hodiernamente exigido para as chamadas tutelas
de urgência. Assim, por exemplo, verica-se na obra de Luiz Fux, “Tutela
de segurança e tutela de evidência”, cuja primeira edição data de 1989, em
que o autor conceitua tutela de evidência como aquela direcionada ao que
denomina direito evidente, por sua vez, assim conceituado pelo autor:
De tudo quanto aqui foi exposto, merece estender-se a tese ao que se
denomina, hodiernamente de “direito evidente”. A expressão vincula-se
àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-
se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do
mandamus ou o direito documento do exequente.
São situações em que se opera mais do que o fumus boni juris, mas a
probabilidade de certeza do direito alegado, aliada à injusticada demora
que o processo ordinário carreará até a satisfação do interesse do deman-
dante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, posto que injusta
a espera determinada. (...)
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tutela de evidência: combate ao dano marginal do processo
ester camila gomes norato rezende
É o material probatório fornecido com a postulação de ‘tutela urgente’
que vai indicar da “evidência do direito”.
Essa forma de tutela distingue-se daquela do mandamus, porque não se
trata de ato de autoridade apenas, mas também de ato de particular; isto é,
não exclui a tutela da evidência qualquer que seja a pessoa jurídica, quer
de direito público, quer de direito privado.1
Importa rememorar que a hoje nominada tutela de evidência tem sede
secular no direito pátrio, para situações assaz excepcionais, que o legisla-
dor ponderou o relevo do direito material em discussão e, assim, admitiu a
concessão de provimento célere, antes, portanto, da prestação jurisdicional
denitiva, fundada eminentemente em juízo de probabilidade quanto ao di-
reito alegado. Exemplo recorrente são as liminares das ações possessórias e
das ações locatícias, que em defesa de posse e também de propriedade sobre
o bem, prescindem da discussão sobre excepcional urgência no deferimento
da tutela.
Apenas em 1994 o legislador tradicionalmente escorado na tratativa
extraordinária da tutela do direito provável, admitiu a tutela de evidência
para a generalidade dos procedimentos de conhecimento, ao permitir a an-
tecipação de tutela desprovida de perigo de dano em hipótese de abuso no
exercício do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu,
consoante previa o art. 273, II, do Código de Processo Civil de 1973, acres-
Como já se destacou, a excepcionalidade da tutela jurisdicional em tais
casos é avigorada pela exigência de requisito outro para além do juízo de
probabilidade positivo quanto ao direito alegado (na redação do art. 273 do
CPC/1973, para além da verossimilhança e da prova inequívoca da alega-
ção). Muito se discutiu doutrinariamente a respeito do requisito entabula-
do no inciso II do art. 273 do CPC/1973, prevalecendo majoritariamente a
conclusão de que se cuidaria de tutela-sanção2, imposta, por conseguinte,
1 FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 305-306 e 310.
2 “Rejeitada a pretensão do autor, não parece possível sejam mantidos os efeitos decorrentes da ante-
cipação da tutela. Essa providência foi tomada com base em cognição sumária, que apontou para a
probabilidade do direito armado na inicial. Investigação mais profunda dos fatos revelou, todavia,
o equívoco dessa conclusão, o que motivou a improcedência da pretensão. (...)
Nada impede, porém, dirija-se o apelante ao tribunal, em conformidade com o disposto no art. 800,
parágrafo único, do Código de Processo Civil, e pleiteie novamente a concessão da tutela antecipa-
da. Isso, evidentemente, para quem entenda tratar-se de medida com natureza cautelar.
Tal solução não se agura possível, todavia, nas hipóteses do inciso II do art. 273. Se a demanda
foi julgada improcedente, signica não ter ocorrido abuso do direito de defesa ou intuito manifes-
tamente protelatório do réu. O próprio juiz concordou com seus argumentos, conclusão que não se
coaduna com a denominada antecipação-sanção.” BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela
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não apenas em benefício do titular de direito provável, mas, sobretudo, em
reprimenda àquele que exerce resistência abusiva ou protelatória.
O Código de Processo Civil de 2015 amplia as hipóteses de cabimento
da tutela de evidência, conferindo regulamentação mais ampla do que dis-
punha o CPC/1973, precisamente trazendo no art. 311 rol mais extenso de
cabimento geral da tutela de evidência, para além do abuso no exercício
do direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu, previsto no
art. 273, II, do CPC/1973.
Muito embora disponha sobre a tutela de evidência em um único arti-
go, o novo Código brasileiro avança também da disciplina dessa espécie
de provimento jurisdicional ao capitula-lo no livro das Tutelas Provisórias,
reunindo-as, assim, ao mesmo gênero a que também integram as tutelas de
urgência, indicando, por conseguinte, a presença na tutela de evidência das
características que denem o gênero tutela provisória e, também como con-
sectário dessa capitulação, determinando a aplicação à tutela de evidência
de regulamentações procedimentais similares à tutela de urgência.
O direito estrangeiro também conhece essa espécie de prestação juris-
dicional fundada em juízo de probabilidade e ausente situação emergencial,
igualmente utilizando-se de expressões que indicam a marca característica
de alta probabilidade para designar a tutela jurisdicional dessa estirpe.
Exemplicadamente, o direito suíço refere-se à possibilidade de prote-
ção estatal em situação de clara procedência da pretensão do demandante,
através do chamado Befehlsverfahren previsto no art. 257 do novo Código
de Processo Civil Suíço. Consoante esclarece a doutrina, o desiderato do
dispositivo legal é redistribuir entre as partes o ônus do tempo do processo,
facultando ao demandante o acesso ao bem da vida pleiteado sem a neces-
sidade de submeter-se ao longo trâmite do procedimento ordinário3. Merece
cautelar e tutela antecipada: tutelas sumária e de urgência (tentativa de sistematização). 3ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2003, p. 395-397.
3 “O novo Código incorpora, em um único dispositivo (art. 257) um importante instituto, sob a deno-
minação Befehlsverfahren, a ser veiculado por meio do procedimento sumário. Segundo apontam
Hofmann e Lüscher, embora desconhecido nos cantões de inuência francesa, o referido instituto já
se encontrava presente na experiência daqueles de inuência alemã. A denominação literal no texto
da lei invoca a ideia de tutela jurisdicional no sentido de proteção a ser outorgada pelo Estado-Juiz
para os casos de clara, manifesta, patente pertinência da pretensão do demandante (Rechtsschutz in
klaren Fällen, Tutela giurisdizionale nei casi manifesti, Cas clairs).
É possível ainda, grosso modo, uma equiparação do instituto com aquelas hipóteses em que se torna
factível a antecipação da própria tutela jurisdicional a ser concedida sobre a parte incontroversa da
demanda. A particularidade do instituto, que não prescinde do necessário contraditório, reside no
caráter denitivo da decisão que vier a ser pronunciada, hábil a formar, em caso de procedência
da ação, coisa julgada. Revela-se a opção do legislador em conferir ao demandante, o mais rápido
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