A tutela do nome da pessoa humana

AutorMaria Celina Bodin de Moraes
Ocupação do AutorProfessora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ
Páginas149-168
A tutela do nome da pessoa humana*
Meu nome é 174.517.
Primo Levi
1. Introdução. 2. O nome da pessoa humana como direi-
to e como dever. 3. O prenome e a relativização da regra
da imutabilidade. 4. O sobrenome adquirido com o ca-
samento e a sua situação após o divórcio. 5. Conclusão.
1. Introdução
O nome é o substantivo que se emprega para designar as coisas
e as pessoas. Adquire relevo especial, do ponto de vista jurídico,
quando serve para individualizar pessoas. Este é justamente o pri-
meiro aspecto a ser evidenciado, isto é, o da importância do nome
como o sinal designativo que permite a individualização da pessoa
humana, constituindo, por isso mesmo, um dos direitos mais es-
senciais da personalidade.
* Versão original publicada na Revista Forense, n. 364. Rio de Janeiro: nov.-
dez. 2002, p. 217-228; em versão distinta (intitulada “Sobre o nome da pessoa
humana”), na Revista da EMERJ, v. 3, n. 12. Rio de Janeiro: 2000, p. 48-74; e na
Revista Brasileira de Direito de Família, n. 7, out.-nov. 2000, p. 38-59.
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Poucos se mostraram tão conscientes desta essencialidade, em
relação à constituição e à preservação da individualidade humana,
quanto as mentes responsáveis pelas políticas nazistas dirigidas
para a “purificação da raça ariana” e para a “solução global da ques-
tão hebraica”. De fato, na lógica dos campos de concentração, um
dos primeiros direitos que o haftling, o prisioneiro, perdia era o
direito a ser chamado pelo seu nome.1 Primo Levi, na primorosa
obra É isto um homem?, conta como se passou em Auschwitz:
Meu nome é 174.517; fomos batizados e carregaremos até a mor-
te a marca tatuada no braço. A operação foi levemente dolorosa e
extraordinariamente rápida: fomos colocados todos numa fila, e
um a um, segundo a ordem alfabética de nossos nomes, passáva-
mos na frente de um hábil funcionário que tinha uma espécie de
punção com uma agulha muito curta. Parece que esta era a verda-
deira iniciação: somente “mostrando o número” se recebia o pão e
a sopa. Foram necessários vários dias e muitas bofetadas e socos,
para que nos acostumássemos a mostrar o número prontamente,
de maneira a não dificultar as quotidianas operações de distribui-
ção da comida; foram necessárias semanas e meses para aprender
o relativo “som” em língua alemã. E por muitos dias, quando o
hábito da vida em liberdade me levava a olhar a hora no relógio,
aparecia-me ironicamente esse meu “novo nome”, o número reca-
mado em marcas azuis sob a pele.2
2. O nome da pessoa humana como direito e como dever
O Código Civil de 1916 não adotou a então recém-elaborada
categoria dos direitos da personalidade, e, em particular, quanto à
previsão de um direito ao nome, considerou-se que o nome civil
não constituiria um direito pessoal porque não é exclusivo da pes-
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1 Esta não foi a única maneira adotada pelo nazismo para usar o nome com a
finalidade de desumanização. De fato, uma resolução de 1938 impôs às mulheres
judias a inclusão, em seus documentos, de um segundo prenome, indistinto,
idêntico para todas – “Sara”.
2 Primo LEVI, É isto um homem? 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 25-26.

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