Um direito que não quer ter culpa? Abuso de posição dominante

AutorManuel Pelicano Antunes
Ocupação do AutorProcurador da República
Páginas1-232
UM DIREITO QUE NÃO QUER TER
CULPA? ABUSO DE POSIÇÃO
DOMINANTE
Manuel Pelicano Antunes
Procurador da República
A MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA
(MEO) apresentou à Autoridade da Concorrência Portu-
guesa (AdC) denúncia contra a Cooperativa de Gestão dos
Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL
(GDA), por abuso de posição dominante caracterizado pela
prática de preços excessivos na exploração de direitos co-
nexos dos artistas e na aplicação de condições desiguais re-
lativas à remuneração desses direitos. A AdC arquivou o
processo. Desta decisão a MEO recorreu para o Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS). Assim nas-
ceu o processo 77/16.7 YUSTR deste Tribunal que, ao
abrigo da disposição do art. 267º do TFUE, formulou pedi-
do de reenvio ao Tribunal de Justiça, do qual resultou o
Acórdão proferido pela Segunda Secção de 19/04/2018,
MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia SA versus
Autoridade da Concorrência, P. C-525/16, cujo dispositivo
1
foi publicado no JO C 200 de 11.6.2018, pp. 7-8. Este
texto ensaia analisar as normas pertinentes ao abuso de po-
sição dominante no direito da concorrência e propõe-se, a
partir delas, fazer uma pequena viagem a algumas das prin-
cipais peculiaridades do mundo das contraordenações en-
quanto direito sancionatório.
I- Considerações Gerais
A disputa que opõe a MEO à AdC respeita à aplicação
da disposição contida no art. 11.º, n.º 2, alínea c) da LC
(Lei da Concorrência Portuguesa ou Novo Regime Jurídico
da Concorrência, aprovado pela Lei n.º 19/2012, de
08/05), do seguinte teor: «1- É proibida a exploração abu-
siva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante
no mercado nacional ou numa parte substancial deste. 2-
Pode ser considerado abusivo, nomeadamente (...): c) Apli-
car, relativamente a parceiros comerciais, condições desi-
guais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por
esse facto, em desvantagem na concorrência».
A disposição congénere europeia está contida no art.
102.º, c) do TFUE: «É incompatível com o mercado inter-
no e proibido, na medida em que tal seja susceptível de
afetar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de
uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma
posição dominante no mercado interno ou numa parte
substancial deste. Estas práticas abusivas podem, nomeada-
mente, consistir em (...): c) Aplicar, relativamente a parcei-
ros comerciais, condições desiguais no caso de prestações
equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem
na concorrência».
2
1. A finalidade das normas contidas nos atuais artigos 101.º
e 102.º do TFUE e o objetivo genérico do art. 102º TFUE
do TFUE.
§1. Como referiu o Ac. do TJ de 21/02/19731, Europem-
ballage Corporation, Bruxelas (Bélgica), e Continental Can
Company Inc., New York (EUA)/Comissão, P. C-6/72, no
seu n.º 25, 3.º parágrafo, «Em planos diferentes, os artigos
85.º e 86.º [atuais artigos 101.º e 102.º do TFUE] têm a
mesma finalidade, a saber, a manutenção de uma concor-
rência efetiva no mercado comum» e por isso «não podem
ser interpretados em sentidos contraditórios, uma vez que
procuram atingir um mesmo objectivo» (25., 11.º §). É esta
coerência de sentido que constitui a matriz do direito origi-
nário europeu da concorrência.
§2. Ao proibir a exploração abusiva de uma posição domi-
nante, a norma do art. 102º do TFUE, talqualmente a con-
tida nos anteriores arts. 86º do Tratado CEE e 82º do Tra-
tado CE, tem por objectivo genérico garantir que a concor-
rência não é falseada no mercado interno (nº 38, 1º § e nº
125., 1º § do Ac. do TJ de 13/02/1979, Hoffmann-La Ro-
che/Comissão, P. C-85/76) e dessa forma evitar «não ape-
nas as práticas susceptíveis de causar um prejuízo direto aos
consumidores, mas também aquelas que lhes causam um
prejuízo indirecto ao violarem uma estrutura de concorrên-
cia efectiva» (nº 125., 2º § deste Ac. do TJ de
13/02/1979)2. Este entendimento foi sendo reiterado ao
3
1 Acórdão disponível, como os demais citados, em https://cu-
ria.europa.eu/jcms/jcms/j_6/.
2 Também assim já havia expendido o citado Ac. do TJ de

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