Uma crítica histórico-democrática ao sistema brasileiro de precedentes judiciais em favor da criatividade forense

AutorPaulo de Freitas Campos Neto - América Cardoso Barreto Lima Nejaim - Clara Cardoso Machado Jaborandy
CargoMestrando em Direitos Humanos e Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes - Doutoranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá - Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia
Páginas343-377
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 3. Setembro-Dezembro de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 343-377
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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UMA CRÍTICA HISTÓRICO-DEMOCRÁTICA AO SISTEMA BRASILEIRO DE
PRECEDENTES JUDICIAIS EM FAVOR DA CRIATIVIDADE FORENSE
1
A HISTORICAL-DEMOCRATIC CRITIQUE OF THE BRAZILIAN SYSTEM OF
JUDICIAL PRECEDENTS IN FAVOR OF FORENSIC CREATIVITY
Paulo de Freitas Campos Neto
2
América Cardoso Barreto Lima Nejaim
3
Clara Cardoso Machado Jaborandy
4
RESUMO: Este trabalho aborda a implementação da teoria dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico
brasileiro, voltando-se, referencialmente, à autonomia decisória do magistrado, em razão da inserção de novos
mecanismos de uniformização jurisprudencial atrelada ao silogismo exegético no método decisório. Com base
na abordagem metodológica qualitativa e valendo-se de instrumentos de cunho bibliográfico e documental,
parte-se para um estudo histórico acerca da edificação do Poder Judiciário, transpassando as teorias políticas
de divisão do poder estatal. Em segu ida, analisa-se os pontos dissociativos entre a cultura jurídica brasileira e
a doutrina dos precedentes judiciais adotada pelo CPC/15, atentando-se ao prejuízo sofrido pela criatividade
dos servidores togados e, por fim, abordam-se as técnicas hábeis à promoção da superação dos precedentes
judiciais, visando conciliar a figur a do juiz criativo com os enunciados normativos advind os das cortes
superiores. Em sede conclusiva, a independência da interpretação jurisdicional se mostra como um pilar na
arquitetura democrática, de modo que o paradigma exegético, ostentado p ela lei processual, deve ceder diante
da abertura princip iológica viabilizada pelo constitucionalismo contemp orâneo e instrumentalizada por meio
de técnicas de superação dos precedentes judiciais, especialmente da signalling, à luz da segurança jurídica.
1
Artigo recebido em 05/03/2022 e aprovado em 01/09/2022.
2
Mestrando em Direitos Humanos e Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes. Bolsista do Programa
de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares vinculado à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Integrante do g rupo de pesquisa “Direitos Fundamentais,
Novos Direitos e Evolução Social”, registrado no diretório do CNPq. Aracaju/SE. E-mail:
paulofcneto20@hotmail.com.
3
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade Estácio de
Sá. Especialista em Direito Processual Civil e Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes. Professora
da Universidade Tiradentes. Advogada. Conselheira Federal da OAB. Aracaju/SE. E-mail:
americanejaim@gmail.com.
4
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e d a Região do Pantanal. Graduada em Direito pela
Universidade Federal de Sergipe. Professora do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e da
Graduação em Direito da Universidade Tiradentes. Coordenad ora do grupo de pesquisa “Direitos
Fundamentais, Novos Direitos e Evolução Social”, presente no diretório do CNPq. Advogada. Aracaju/SE. E -
mail: claracardosomachado@gmail.com.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 3. Setembro-Dezembro de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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PALAVRAS-CHAVES: Precedentes judiciais; cu lturas jurídicas; constitucionalismo; autonomia do
magistrado; técnicas de superação.
ABSTRACT: This work approaches the implementation of the theory of judicial precedents in the Brazilian
legal system, referring to the decision-m aking autonomy of the magistrate, due to the insertion of new
mechanisms of jurisprudential uniformity related to exegetical syllogism in the decision-making method. Based
on the qualitative methodological approach and using bibliographic and documentary instruments, it then goes
on to a historical study about the building of the judiciary, passing through the political theories of division of
state power. Next, we analyze the dissociative points between the Brazilian legal culture and the doctrine of
judicial precedents adopted by the “CPC/15”, taking into p ractice the damage suffered by the creativity of the
gown servers and, finally, the skilled techniques to promote the overcoming of judicial precedents, aiming to
reconcile the figure of the creative judge with the normative statements arising from the h igher courts. In
conclusive view, the independence of judicial interpretation is shown as a pillar in dem ocratic architecture, so
that the exegetical paradigm, abided by procedural law, must yield before the principled openness made
possible by contemporary constitutionalism and instru mentalized through techniques of overcoming judicial
precedents, especially the signaling, in the light of legal security.
KEYWORDS: Judicial precedents; legal cu ltures; constitutionalism; judge’s autonomy; overcoming
techniques.
1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil vigente trouxe várias temáticas importantes, dentre elas,
destaca-se a instauração de um sistema de precedentes judicias em solo brasileiro.
Inegavelmente, o desígnio desta nova ordem jurídica se direciona à uniformização
da jurisprudência, prezando por valores de estabilidade e de efetividade. O legislador
determina, então, a formação de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente,
especialmente diante da litigiosidade em massa, a qual preenche os gabinetes dos órgãos
jurisdicionais, através da adoção da doutrina do stare decisis, que é típica da tradição do
common law, mas apresenta hegemonia em relação à cultura civilista brasileira.
Neste cenário, os precedentes judiciais, especialmente aqueles advindos das cortes
superiores, passam a gozar de efeito vinculante em relação aos demais órgãos que promovem
a atividade jurisdicional, visando consolidar um posicionamento a ser seguido por todos.
Ocorre que esta vinculação, de forma subsuntiva, acarreta numa limitação de
autonomia dos magistrados em seus julgamentos, isto é, o espectro cognoscível e criativo
disponível aos juízes sofre limitações, na medida em que deve, e é estimulado, a adotar os
entendimentos advindos das instâncias superiores, as quais, por sua vez, seriam responsáveis
por moldar a jurisprudência ao seu raciocínio jurídico.
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Da arquitetura do Poder Judiciário, extrai-se, pela doutrina do stare decisis, uma
concentração de poder por parte dos tribunais nacionais, em detrimento do virtuosismo da
instância ordinária, que se limita a instruir o feito e aplicar os entendimentos excelsos, em
atividade autônoma.
A prática forense se deixa levar pela promessa de efetividade, mas acaba envolta por
ares antidemocráticos, em direto prejuízo à ordem constitucional, seja pela violação direta
aos direitos fundamentais, por meio de jurisprudências cesaristas, seja também pela
impossibilidade de acompanhar a necessária tutela de proteção à dignidade humana, diante
do enrijecimento do entendimento jurisprudencial.
Com efeito, este trabalho se propõe a estudar a importância da autonomia do
magistrado no equilíbrio dos poderes estatais, assim como a construção dos sistemas
jurídicos que consolidaram a tessitura das tradições jurídicas adotadas na
contemporaneidade.
No mesmo intento, os impactos da adoção da doutrina do stare decisis no método
decisório dos magistrados nacionais, com vistas à liberdade criativa dos órgãos
jurisdicionais, movem a dedicação desta pesquisa, reservando espaço, ao final do texto, para
ponderar sobre condutas resolutivas para os embaraços verificados durante o ensaio. Ato
contínuo, a pesquisa constituiu-se a partir da análise qualitativa de obras pertinentes ao tema
abordado, de modo que foi essencialmente bibliográfica e documental.
2. A INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO E DO MAGISTRADO COMO GARANTE
DA ORDEM CONSTITUCIONAL E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
As bases da independência do Poder Judiciário têm raízes na concepção do Estado
Moderno. Iniciada na Espanha, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), com o tempo,
espalhou-se por todo o continente europeu.
O final do conflito só veio a ser possibilitado pela assinatura de uma série de tratados
entre as hegemonias existentes à época, marco que se denominou Paz de Westfália (1648),

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