Uma década de audiências públicas no Supremo Tribunal Federal (2007-2017)

AutorFernando Leal, Rachel Herdy, Júlia Massadas
CargoProfessor da FGV Direito Rio (Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Doutor em Direito pela Christian-Albrechts-Universität zu Kiel. Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ, Brasil)/...
Páginas331-372
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v5i1.56328
Como citar esse artigo/How to cite this article: LEAL, Fernando; HERDY, Rachel; MASSADAS, Júlia. Uma década de audiências
públicas no Supremo Tribunal Federal (2007-2017). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 331-372,
jan./abr. 2018. DOI: 10.5380/rinc.v5i1.56328.
* Este artigo é resultado de um projeto de pesquisa interinstitucional desenvolvido no âmbito dos grupos de pesquisa Argu-
mentação Jurídica, Instituições e Aspectos Constitucionais da Regulação (FGV Direito Rio) e Grupo de Pesquisa sobre Epistemo-
logia Aplicada aos Tribunais (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro), e contou com
uma bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientíca (PIBIC/CNPq). Além dos autores, participaram do levanta-
mento de dados os seguintes pesquisadores: Ana Carolina Rezende, Ana Maria Côrrea, Andressa Carvalho, Luís Guilherme Reis,
Maria Mello Franco e Vanessa Tourinho.
** Professor da FGV Direito Rio (Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Doutor em Direito pela Christian-Albrechts-Universität zu Kiel. Doutor
e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do Mestrado em Direito da
Regulação da FGV Direito Rio. E-mail: fernando.leal@fgv.br.
*** Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Ja-
neiro, RJ, Brasil). Doutora em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é Investigadora Visitante
no Laboratório de Argumentação (ArgLab) do Instituto de Filosoa da Universidade Nova de Lisboa (Pós-Doutorado). Líder do
Grupo de Pesquisa sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais (GREAT). E-mail: rachelherdy@direito.ufrj.br.
**** Mestranda em Direito da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Bolsista da CAPES e da FGV. As-
sistente de pesquisa da FGV Direito Rio. Membro dos Grupos de Pesquisas sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais (GREAT) e
Argumentação Jurídica, Instituições e Aspectos Constitucionais da Regulação. E-mail: juliamassadas@gmail.com.
Uma década de audiências públicas no Supremo
Tribunal Federal (2007-2017)*
A decade of public hearings in the Supreme
Federal Tribunal (2007-2017)
FERNANDO LEAL**
Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio (Brasil)
fernando.leal@fgv.br
RACHEL HERDY***
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)
http://orcid.org/0000-0003-0210-3567
rachelherdy@direito.ufrj.br
JÚLIA MASSADAS****
Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio (Brasil)
http://orcid.org/0000-0001-8775-9009
juliamassadas@gmail.com
Recebido/Received: 14.11.2017 / November 14th, 2017
Aprovado/Approved: 31.12.2017 / December 31st, 2017
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 331-372, jan./abr. 2018.
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FERNANDO LEAL | RACHEL HERDY | JÚLIA MASSADAS
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 331-372, jan./abr. 2018.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. Para quê servem as audiências públicas? 2.1. O que diz o direito positivo?; 2.2. Por que
a legitimidade democrática não importa? 3. Um balanço sobre as audiências públicas; 3.1 Questões
metodológicas; 3.2 O que dizem os dados; 4. Conclusão; 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em 2017, completam-se 10 anos de audiências públicas no Supremo Tribunal
Federal brasileiro (STF). Tais audiências foram previstas como um mecanismo de con-
sulta a especialistas para o esclarecimento de matéria ou circunstância de fato. Sua
previsão consta de duas leis ordinárias aprovadas em 1999 (Lei 9.868 e Lei 9.882), as
quais têm como objetivo dispor sobre os principais mecanismos de controle abstrato
de constitucionalidade no direito brasileiro. Em 2007, quando foi realizada a primeira
audiência, não havia regulamentação especíca sobre o procedimento a ser seguido
para a sua realização. Neste vácuo normativo, o então ministro Carlos Ayres Britto, re-
lator do primeiro caso, invocou a aplicação dos parâmetros sobre audiências públicas
previstos no Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Dois anos depois, com a
Emenda Regimental no. 29/2009, o Regimento Interno do tribunal foi alterado e passou
a prever dispositivos especícos sobre a forma de convocação e as matérias objeto de
audiências públicas. A partir de então, ampliou-se a possibilidade de sua convocação
para toda e qualquer classe processual. Iniciamos o segundo semestre de 2017, uma
década após a realização da primeira audiência, com o marco de 22 audiências públicas
convocadas e realizadas.
O objetivo deste artigo é apresentar uma análise das audiências públicas no STF
durante a última década (2007-2017). Os dados levantados até o presente indicam que
Resumo
O presente artigo oferece um balanço dos últimos dez
anos de audiências públicas no Supremo Tribunal Federal
do Brasil. Argumenta-se que, durante esse tempo, o insti-
tuto foi utilizado de maneira incoerente e inconsistente.
A incoerência diz respeito especialmente à tentativa de
atribuir ao instituto das audiências públicas a função de
legitimidade democrática. Essa associação entre audiên-
cia pública e democracia pode ser criticada com base em
razões normativas, referentes ao direito positivo, e con-
ceituais. A inconsistência, por sua vez, está relacionada
à operacionalização desparametrizada do instituto. Essa
segunda conclusão será argumentada com a ajuda de
um conjunto de análises majoritariamente quantitativas.
Palavras-chave: audiências públicas; jurisdição con-
stitucional; legitimidade democrática; justicação
epistêmica; conhecimento cientíco.
Abstract
The present article oers an assessment of the last 10 years
of public hearings in the Brazilian Supreme Federal Tribu-
nal. It is argued that, during this period, the institute has
been employed in an incoherent and inconsistent manner.
The incoherency refers especially to the attempt to attribu-
te the function of democratic legitimacy to the institute of
public hearings. This association between public hearings
and democracy can be criticized on the basis of normative
reasons, with respect to the positive law, and conceptual
reasons. On the other hand, the inconsistency refers to the
unstandardized operationalization of the institute. This
second conclusion will be argued with the help of a set of
mostly quantitative analysis.
Keywords: public hearings; judicial review; democratic le-
gitimacy; epistemic justication; scientic knowledge.
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 331-372, jan./abr. 2018.
Uma década de audiências públicas no Supremo Tribunal Federal (2007-2017)
este mecanismo de consulta a especialistas tem sido utilizado de forma inconsistente
e incoerente. Por “inconsistente”, entendemos uma ação ou comportamento que difere
em face de circunstâncias semelhantes. A “inconsistência” refere-se não a uma ação em
particular, de um especíco ministro, mas ao conjunto de ações ou práticas da corte
como uma instituição ao longo da última década. Como pretendemos evidenciar, não
existe consistência tanto no que diz respeito à convocação das audiências públicas,
como critérios de admissibilidade e natureza da questão a ser esclarecida, como aspec-
tos especícos referentes ao procedimento de consulta e deferência aos especialistas.
Em se tratando de uma prática judicial, a consistência emerge como um problema de
igualdade e, no limite, como uma questão de justiça. Já o termo “incoerente” é aqui utili-
zado em um sentido pragmático, e não lógico-formal. Do mesmo modo, aplicamos este
conceito ao pensamento da corte como uma instituição, manifestado na fala e na escri-
ta de seus respectivos ministros. Por “incoerente”, entendemos aquele pensamento que
exprime uma tensão, isto é, duas ou mais ideias que apontam em direções opostas ou
que se comprometem com valores irreconciliáveis. Como pretendemos argumentar, é
incoerente, pelas razões normativas e conceituais que expomos, atribuir uma função
de legitimação democrática às audiências públicas que pretendem recorrer aos escla-
recimentos de especialistas sobre questões de fato. A partir daí, pontuamos uma sequ-
ência de incoerências adicionais: a utilização deste mecanismo para o esclarecimento
de questões de direito exclusivamente; a autorização para a participação de advogados
quando os ministros são presumidamente especialistas em questões de direito; o con-
ito de interesses que se revela em relação a alguns dos participantes habilitados; a au-
sência de um procedimento dialético que permita um uso não-falacioso do argumento
de autoridade; etc.
Este artigo está dividido em duas partes. A primeira parte, que podemos chamar
de teórico-analítica, consiste na apresentação de questões normativas e conceituais
sobre a dupla função das audiências públicas. Antes de expormos os dados propria-
mente ditos, e para que possamos justicar as nossas conclusões, iniciamos com consi-
derações sobre o que diz o direito positivo em relaçãoàs audiências públicas e por que
razão o ideal de legitimidade democrática parece fora de lugar no presente contexto. A
segunda parte, que podemos chamar de empírica, está dedicada à apresentação, por
meio de grácos e tabelas, dos dados levantados até o momento. Enquanto a crítica
teórico-analítica que formulamos na primeira parte à dupla função das audiências pú-
blicas – política e epistêmica – será importante para justicar a conclusão de que este
mecanismo tem sido utilizado de modo incoerente, os dados apresentados na segunda
parte são indicativos do seu uso inconsistente. A falta de coerência e consistência na
utilização deste importante mecanismo de consulta a especialistas comprometeram
nos últimos anos o grau de justicação das decisões da corte.

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