O uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura, seus impactos na saúde do trabalhador rural e a consequente responsabilidade civil no Brasil

AutorThiago Henrique Costa Silva, Ludmila Rodrigues Coimbra Moreira,Luciana Ramos Jordão, Nara Rúbia Rodrigues do Nascimento Silva, Valquíria Duarte Vieira Rodrigues
CargoDoutorado em Agronegócio pela Universidade Federal de Goiás (UFG); mestrado em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG); graduação em Direito pela UFG. Professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual de Goiás (UEG). / Graduação em Direito no Centro Universitário Alves Faria. Advogada. / Doutorado em Agronegócio pela Uni
Páginas1-18
1
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0007, 2022
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.173146
Artigo Original
http://revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
Esta pesquisa bus cou compreender os impactos
gerados na saúde do tr abalhador rural pelo uso
indiscriminado de agrotó xicos e os desafios para
a responsabilização no Brasil. Contrapôs-se o
discurso produtivista, utilizado para ampliar
cada vez mais a quantidade e variedade de
agrotóxicos utilizados, e o discur so em torno da
segurança e soberani a alimentar e nutricional,
que busca alternativas ao modelo produtivo
hegemônico. Para tanto, com uma abord agem
qualitativa guiada pela dialética, utilizaram-se
pesquisas bibliográficas e documentais, além
de análises indiretas de da dos acerca do uso
e da contaminação por agrotóxicos e análises
jurisprudenciais acerca da responsabilidade civil
decorrente de sua má u tilização. Inferiu-se que
há casos de responsabilização na jurisprudência
brasileira, mas que, pela natureza do dano e
pela dificuldade de es tabelecer o nexo causal,
ela ocorre em caráter excepcional. Como
consequência, revelou-se a necessidade de
avançar no estudo da re sponsabilidade e do
risco da atividade, de maneira a proteger a
saúde humana, em especial a do trabalhador
rural, afetado diariamente pelos impactos
dos insumos químicos que é obrigado ou,
no mínimo, instado a manipular.
Palavras-Cha ve: Agrotóxicos; Direito à
Alimentação; Saúde Pública; Segurança
Alimentar e Nutricional; Soberania Alimentar.
ABSTRACT
This research sought to und erstand the impacts
generated in the health of rural workers due
to the indiscriminate use of pesticides and
the challenges related to accountability in
Brazil. The discourse of productivism, used
to progressively incre ase the amount and the
varieties of approved pesticides, is oppose d to
the discourse on food and nutritional security
and sovereignty, which seek s alternatives to the
hegemonic produc tive model. To this end, with
a qualitative approach oriented by dialectic s,
a bibliographic and documentary research
were used, as well as indirect analysis of data
on the use and contamination b y pesticides and
jurisprudential analysis of civil liability arising
from their misuse. It was infer red that there are
cases of liability in Br azilian jurisprudence, but
that, due to the nature of the damage and the
difficulty of es tablishing the causal link, it occurs
on an exceptional basis. A s a consequence,
the need to advance in th e study of liability and
activity risk was revealed, in order to protec t
human health, especially that of the rural
worker, affected daily by th e impacts of the
chemical inputs that he is forced or, at least,
urged to handle.
Keywords: Pesticides; Right to Food; Public
Health; Food and Nutrition Security; Food
Sovereignty.
Thiago Henrique Costa Silva1
https://orcid.org/0000-0002-2916-6587
Ludmila Rodrigues Coimbra Moreira1
https://orcid.org/0000-0003-0479-615X
Luciana Ramos Jordão2
https://orcid.org/0000-0002-2594-3887
Nara Rúbia Rodrigues do Nascimento Silva2
https://orcid.org/0000-0003-1318-9298
Valquíria Duarte Vieira Rodrigues2
https://orcid.org/0000-0002-1783-1068
1Centro Universitário Alves Faria. Goiânia/GO, Brasil.
2Universidade Federal de Goiás. Goiânia/GO, Brasil.
Correspondência:
Thiago Henrique Costa Silva
thiagocostasilva.jur@gmail.com
Recebido: 01/08/2020
Revisado: 13/08 /2021
Aprovado: 18 /08/2 021
Conito de interesses:
Os autores declaram não haver
conflito de interesses.
Contribuição dos autores:
Todos os autores contribuíram
igualmente para o
desenvolvimento do artigo.
Copyright: Esta licença permite
que outros remixem, adaptem
e criem a partir do seu trabalho
para fins não comerciais, desde
que atribuam a você o devido
crédito e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.
O uso indiscriminado de agrotóxicos
na agricultura, seus impactos na saúde
do trabalhador rural e a consequente
responsabilidade civil no Brasil
The indiscriminate use of pesticides in agriculture, its impacts on
rural worker’s health and the consequent civil liability in Brazil
2
Agrotóxicos, impactos na saúde do trabalhador rural e responsabilidade civil no Brasil Silva T. H. C., Moreira L. R. C., Jordão L. R., Silva N. R. R. N., Rodrigues V. D. V
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0007, 2022
Introdução
Com o processo de desindustrialização, a partir da década de 1970, o Brasil se
consolidou como exportador de bens primários, com proeminência do setor agropecuário.
A produção agropecuária é apontada como responsável pelo fomento da economia
brasileira, sendo sustentada por aparato político e jurídico que estabelece o uso intensivo
de agrotóxicos e fertilizantes químicos como fórmula de produtividade (CONTERATO;
FILLIPI, 2009).
Desde os anos 1950, quando se iniciou a revolução verde, houve mudanças no
processo tradicional da produção agrícola, em conjunto com impactos gerados no meio
ambiente e saúde humana (RIBAS; MATSUMURA , 2009). O uso dos agentes químicos
foi disponibilizado em nome do controle de doenças, do aumento da produtividade e da
proteção contra insetos e pragas. Porém, essa modernização não foi seguida de políticas
de qualificação da força de trabalho, especialmente em países em desenvolvimento,
submetendo as comunidades rurais a uma soma de riscos até então desconhecidos,
originados pelo uso intensivo de substâncias químicas (MOREIRA et al., 20 02).
Assim, teve-se como premissa da pesquisa a possibilidade de o uso indiscriminado dos
agrotóxicos afetar a saúde humana diretamente, por meio do contato com os produtos.
A via ocupacional é uma das principais, responsável por mais de 80% dos casos de
intoxicação, devido à intensidade e à frequência com que os trabalhadores mantêm
contato com produtos tóxicos (MOREIRA et al., 2002).
Em 2010, o consumo de agrotóxicos na América Latina era de 22%. Desse total,
19% eram consumidos no Brasil. Diante desse cenário, o país é apontado como
o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, seguido pelos Estados Unidos
(CARNEIRO et al., 2015).
Anualmente, três milhões de pessoas são contaminadas por agrotóxicos no planeta,
sendo que 70% desses casos ocorrem nos países ditos em desenvolvimento. Tal fato
decorre, principalmente, do difícil acesso às informações pelos usuários, somado ao
descontrole sobre sua produção, distribuição e utilização. No comércio de agrotóxicos,
faltam referências sobre o uso seletivo e os cuidados a serem tomados. Os responsáveis
pela indústria química propagandeiam não haver alternativas ao uso de agrotóxicos nas
lavouras (PERES et al., 2001). Entretanto, seu uso intensivo acarreta vários problemas
de saúde, especialmente de quem os manipula.
Repensar o modelo produtivo, portanto, é imperativo para respeitar o ordenamento
jurídico brasileiro e os princípios constitucionais que promovem a proteção do direito
à vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A pesquisa teve como objetivo central avaliar a responsabilização decorrente dos
impactos gerados na saúde do trabalhador rural pelo uso indiscriminado de agrotóxicos
e compreender como direitos são ameaçados pela adoção de um modelo produtivo
mais preocupado com as questões econômicas do que com a finalidade de produzir
alimentos de qualidade preservando a natureza.
Não há método de interpretação mais adequado para entender a dialética das escolhas
quanto à forma de produzir no campo brasileiro do que o materialismo histórico, que
foi efetivado por meio de pesquisa bibliográfica e documental e de análise indireta de
dados (MARCONI; LAKATOS, 2003). Nesse sentido, o trabalho adotou as premissas
teóricas cunhadas por David Harvey (2004), ao lançar um olhar crítico e dialético
sobre a acumulação do capital por meio da espoliação da natureza, em um processo
econômico hegemônico e excludente das pessoas, de seus saberes e fazeres e de todos
os bens naturais.
A primeira seção buscou verificar o surgimento dos agrotóxicos no Brasil, por meio de
análise da legislação e discussão sobre a violação de direitos constitucionais gerada

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT