4a Vara do Trabalho de Curitiba ? PR

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Processo: 0000666-32.2011.5.09.0004 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA (15385-2011-004-09-00-07) Autor: Ministério Público do Trabalho
Réu: Bergerson Jóias e Relógios Ltda.

Relatório

N os presen tes autos de ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho postula: a condenação do Réu na obrigação de, em três meses, contratar e manter em seu quadro de empregados, trabalhadores com de?ciência habilitados, nos termos do arts. e do Decreto n. 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004, ou reabilitados da Previdência Social, em número su?ciente para o preenchimento da cota legal a que está obrigada, nos termos do art. 93 da Lei n. 8.213/91 e art. 36 do Decreto n. 3.298/99, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.0000 (dez mil reais), por empregado que faltar para o integral cumprimento da cota, sendo o valor dessa pena pecuniária revertido ao FAT — Fundo de Amparo do Trabalhador; observar o disposto no § 1º do art. 93 da Lei n. 8.213/91 e no § 1º do art. 36 do Decreto n. 3.298/99, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por empregado dispensado sem a observância dessa providência, reversível ao FAT — Fundo de Amparo do Trabalhador; indenizar o dano moral e material coletivo decorrente de sua conduta ilícita, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Deu à causa o valor de R$ 250.000,00.

O réu Bergerson Joias e Relógios Ltda. apresentou sua defesa na forma de contestação escrita, nos termos das ?s. 79/104. Arguiu em preliminar a ilegitimidade “ad causam” do Ministério Público do Trabalho, a restrição do âmbito de e?cácia da sentença a ser proferida, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85. No mérito, pugnou pela total improcedência da pretensão deduzida na petição inicial.

Foram juntados documentos por ambas as partes.

Diversas audiências foram promovidas para tentativa de composição, com esboço de projeto apresentado pelo Réu às ?s. 306 e com resposta pelo MPT às ?s. 335/337. As tratativas restaram frustradas.

Por iniciativa do Juízo foi realizada audiência pública, retratada em registro audiovisual, conforme termo de audiência de ?. 496. O Réu requereu oitiva de testemunha, o que ocorreu também por registro audiovisual, conforme termo de audiência de ?. 713.

Não houve conciliação.

Razões ?nais por memorais.

Fundamentação

1. Preliminar
1.1. Ilegitimidade “ad causam” do Ministério Público do Trabalho

O Réu arguiu a ilegitimidade “ad causam” do Ministério Público do Trabalho sob o argumento da ausência de interesse difuso ou coletivo a ser defendido no tocante à pretensão de condenação por danos morais coletivos.

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Sustenta também que não existe lesão ao patrimônio moral coletivo, razão da falta de legitimidade.

A arguição apresentada pelo Réu não pros-pera, pois confunde a legitimidade assegurada ao Ministério Público pela Lei n. 7.347/85 para postular em Juízo, na defesa de direitos metaindividuais, com a possibilidade de obtenção do provimento judicial postulado. Eventual existência de lesão, por outro lado, não comporta análise de ordem meramente processual.

Rejeito.

2. Mérito
2.1. O conceito jurídico da pessoa com deficiência e as disposições normativas em questão de trabalho e emprego

A análise do problema exige a eleição de pontos fundamentais, em especial, o estabelecimento de conceitos e a compreensão da matriz constitucional que orienta a temática dos direitos da pessoa com de?ciência.

Dentre as diversas disposições contidas em Tratados e Pactos internacionais de Direitos Humanos, muitos dos quais rati?cados pelo Brasil, destaca-se a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De?ciência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque em 30 de março de 2007. O texto da referida Convenção e seu Protocolo Facultativo foi aprovado pelo Congresso Nacional, por intermédio do Decreto Legislativo n. 186, de 2008, conforme o art. 5º, § 3º, da Constituição da República.

Importante insistir que o § 3º do art. 5º é fruto da Emenda Constitucional n. 45, de 2004 e dispõe:

§ 3º Os tratados e convenções internacio nais sobre direitos humanos que forem aprovados, emcadaCasadoCongressoNacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Assim, por se tratar de emenda constitucional e de?nidora de direitos e garantias fundamentais, as disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De?ciência e de seu Protocolo Facultativo têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da Constituição da República).

Sobre de?nições e conceitos, ARAUJO1 aponta que o ornamento jurídico brasileiro adotou nova expressão: “pessoa com deficiência” e chama atenção para a simbologia importante do novo tratamento.

A de?ciência passa a ser parte da pessoa, integrando-se a ela, e não algo que estava perto em virtude de posse ou portabilidade. Ela não carrega; ela é. Mas, antes de tudo, é uma pessoa. Logo, houve um ajuste de contemporaneidade à expressão empregada no Texto Constitucional.

Em seu preâmbulo, a Convenção (Emenda Constitucional) reconhece que a de?ciência:
(e) é um conceito em evolução e que a de?ciência resulta da interação entre pessoas com de?ciência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Signi?ca dizer que atitudes e condições do ambiente são capazes de produzir de?ciência, o que acontece quando não é possível à pessoa com de?ciência participar de maneira plena e efetiva na sociedade, com igualdade de oportunidades em relação às demais pessoas. Como corolário, ela deixará de existir quando também aqueles obstáculos (atitudes e condições do ambiente) são eliminadas.

FONSECA2 assinala:
Os impedimentos de caráter físico, mental, intelectual e sensorial são, a meu sentir,

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atributos, peculiaridades ou predicados pessoais, os quais, em interação com as diversas barreiras sociais, podem excluir as pessoas que os apresentam da participação na vida política, aqui considerada no sentido amplo. As barreiras de que se trata são os aspectos econômicos, culturais, tecnológicos, políticos, arquitetônicos, comunicacionais, en?m, a maneira como os diversos povos percebem aqueles predicados. O que se nota culturalmente é a prevalência da ideia de que toda pessoa surda, cega, paraplégica, amputada ou com qualquer desses impedimentos foge dos padrões universais e por isso tem um “problema” que não diz respeito à coletividade. É com tal paradigma que se quer romper.

A Convenção (Emenda Constitucional) estabelece cinco de?nições em seu art. 2º que, analisadas no conjunto, demonstram quais os pontos a ser atingidos para superação dos obstáculos ou de?ciências que produzem a discriminação ou a exclusão: comunicação, língua, discriminação por motivo de de?ciência, adaptação razoável e desenho universal. A propósito, a de?nição de “desenho universal” contribui para a clareza daquilo que se pretende, pois sugere que produtos, ambientes, programas e serviços sejam utilizados por todos sem necessidade de adaptação ou de projeto especí?co, sem exclusão de ajuda para situações especí?cas.

FONSECA sustenta, a partir dessas e de outras considerações, que as pessoas cegas, surdas, paraplégicas e tetraplégicas possuem atributos equiparados aos demais atributos humanos (gênero, raça, idade, etc.). Esses atributos não contêm a de?ciência, a qual é encontrada nas barreiras sociais que impedem o acesso aos direitos humanos básicos3.

O autor assevera:
O novo conceito de pessoa com de?ciência, constitucionalmente adotado pelo Brasil por força da ratificação da Convenção

Internacional da ONU sobre os Direitos das Pessoas com De?ciência, transcende o aspecto meramente clínico e assistencialista que pautava a legislação anterior. Ressalta o fator político para que se reconheça a necessidade de superarem-se as barreiras sociais, políticas, tecnológicas e culturais. A leitura do Art. 1 da Convenção demonstra ênfase da de?ciência em relação ao ambiente e não na patologia.

Pessoas com de?ciência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

A rigor, o novo conceito, de ordem constitucional, revoga ou, no mínimo, exige leitura diferenciada das disposições contidas no Decreto n. 5.296/2004, em seu art. 5º e no Decreto n.
3.298/99, arts. 3º e 4º, exigindo adoção daqueles critérios. Nesse sentido e em consonância com a diretriz constitucional, a atual redação do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, incorporou o novo conceito.

Ao discorrer sobre trabalho e emprego, em seu Art. 27, a Convenção reconhece o “direito das pessoas com de?ciência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”, em “ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com de?ciência”.

A respeito, a já mencionada Lei n. 8.742/93, recebeu o art. 21-A, incluído pela Lei n. 12.470/2011, in?uenciada pela Convenção e em sintonia com seus princípios, cujo texto aponta importante inovação para incentivar o acesso das pessoas com de?ciência ao mundo do trabalho.

Art. 21-A. O...

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