Watchdogs da democracia: proteção democrática em rede.

AutorPatrícia Perrone Campos Mello, Renata Helena Souza Batista de Azevedo Rudolf
Páginas101-140
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COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
Patrícia Perrone Campos Mello1
Renata Helena Souza Batista de Azevedo Rudolf
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CAPÍTULO 3
WATCHDOGS DA DEMOCRACIA:
PROTEÇÃO DEMOCRÁTICA EM REDE3
1 Professora do Programa de Mestrado do Centro Universitário de Brasília – Uni-
CEUB. Doutora e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – UERJ. V isiting Scholar no Max Planck Institute of Comparative
Public Law and International Law, Heidelberg, Alemanha. Professora Associada
do Programa de Mestrado da Universidade de São Paulo, sede de Ribeirão Preto.
Procuradora do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: pcamposmello@uol.com.br.
2 Mestranda do Programa de Mestrado do Centro Universitário de Brasília – Uni-
CEUB. Graduada em Relações Internacionais e em Direito, ambos pelo Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB. Egressa da Escuela Virtual de Constitucio-
nalismo Tr ansformador en América Latina, do Max P lanck Institute of Compara-
tive Public Law and International Law (Heidelberg, Alemanha). Especialista em
Políticas Públicas com Ênfase em Gestão Governamental pela UPIS – Faculdade
Integradas. Advogada e internacionalista. E-mail: renata82@gmail.com.
3 O presente artigo é produto de dois projetos de pesquisa complementares apre-
sentados, a título de estudos pós-doutorais, pela primeira autora, ao Max Planck
Institute of Comparative Public Law and International Law (MPIL, Heidelberg,
Alemanha), nos anos de 2018 e 2019. A autora agradece ao Instituto pela bolsa
concedida ao segundo projeto, ainda em curso, e pelo rico debate que permitiu
avançar na pesquisa. A pesquisa se insere, ainda, no marco do grupo de investi-
gação Cortes Constitucionais, Democracia e Direitos Humanos, do Programa de
Mestrado e Doutorado do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, sob a
coordenação geral da primeira autora e coordenação de linha de pesquisa da segun-
da. Conclusões preliminares foram apresentadas por meio da palestra Retrocesso
Democrático y Resiliencia: el caso de Brasil, proferida no MPIL, em 2019.
DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA NO BRASIL A DISPUTA EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
PATRÍCIA PERRONE CAMPOS MELLO | THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE ORGANIZADORES
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INTRODUÇÃO
Em 2013, grandes manifestações populares irromperam no Brasil, expres-
sando uma insatisfação generalizada com o sistema político, marcada pela rejei-
ção geral a partidos e políticos prossionais, pelo questionamento da qualidade
dos serviços públicos prestados à população e por palavras de ordem contra a
corrupção4. Em 2014, a deagração da fase ostensiva da Operação Lava Jato
4 As referidas manifestações foram deagradas em virtude de um aumento de 20
(vinte) centavos no preço do transporte público em São Paulo e, em função do
uso de redes sociais, tomaram proporções nacionais, passando a veicular as mais
diversas insatisfações, sem ideologia ou objeto especíco. CONTI, Mário Sér-
RESUMO
Diante do contexto brasileiro de retrocesso democrático, o artigo
se propõe a pensar estratégias de resiliência voltadas à proteção
à democracia e aos direitos fundamentais. Com esse propósito,
demonstra que há um padrão na forma pela qual os retrocessos
democráticos têm se operado no mundo: por meio da desabili-
tação da rede de watchdogs democráticos, atores que asseguram
a accountability democrática. O trabalho expõe como tais atores
atuam na proteção à democracia e aos direitos fundamentais.
Classica-os em internos e externos, verticais e horizontais. De-
fende que adotem uma abordagem pedagógica, reputacional e
dialógica, com vistas, respectivamente, à construção de uma cul-
tura democrática, à consolidação de capital político institucional e
à proteção recíproca dos demais watchdogs. Defende que a defesa
da democracia não se resolve com protagonismos e sim por meio
de um esforço coletivo e cooperativo de todos e de cada um de
tais atores na proteção à rede.
PALAVRAS-CHAVE
Retrocesso democrático, erosão democrática, watchdog democrá-
tico, rede de proteção.
3 WATCHDOGS DA DEMOCRACIA: PROTEÇÃO DEMOCRÁTICA EM REDE
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PATRÍCIA PERRONE CAMPOS MELLO | RENATA HELENA SOUZA BATISTA DE AZEVEDO RUDOLF
COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
expôs uma situação de corrupção endêmica no país, envolvendo seus princi-
pais partidos políticos, empresas de infraestrutura, altos executivos e autoridades
públicas5. Em 2015, a economia brasileira começou a dar importantes sinais
de crise, agravados pela instabilidade política decorrente das operações anticor-
rupção6. Em 2016, acusações de ilícitos contábeis levaram ao impeachment da
então presidente da República7. Em 2018, conrmou-se a condenação penal
do presidente que a antecedeu, um dos políticos de esquerda mais populares do
país e potencial sucessor da presidente, por corrupção e lavagem de dinheiro.
Tal fato o retirou da corrida presidencial do mesmo ano8. O quadro geral e seus
gio. Rebelião: relâmpago, fagulha e incêndio num m de outono., In: Revista
Piauí, São Paulo, ed. 82, jul. 2013. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.
br/materia/rebeliao/. Acesso em: 23 mar. 2021.; e CASTELLS, Manuel. Redes
de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. 2. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2017, p. 245-249.
5 BRASIL. Ministério Público Federal. Lava Jato: Entenda o Caso. Disponível
em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-lava-jato/entenda-o-caso. Aces-
so em: 15 mar. 2021.
6 LAMUCCI, Sérgio; BASILE, Juliano. FMI: corrupção e crise política aprofun-
daram recessão no Brasil. Valor Econômico, Lima, Peru, 07 out. 2015. Disponível
em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2015/10/07/fmi-corrupcao-e-crise-
-politica-aprofundaram-recessao-no-brasil.ghtml. Acesso em: 25 mar. 2021.
7 Trata-se de processo profundamente traumático. A legitimidade do processo e
a conguração de crime de responsabilidade são objeto de relevantes questiona-
mentos. Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. O impeachment de 2016: rup-
tura constitucional e cultura política democrática. In: BARROSO, Luís Roberto;
MELLO, Patrícia Perrone Campos. A República que ainda não foi: trinta anos
da Constituição de 1988 na visão da Escola de Direito Constitucional da UERJ.,
Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 281-295.
8 TRF4, ACr 5046512-94.2016.404.7000/TRF, Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran
Neto. Recentemente, a condenação foi suspensa, por decisão da 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal, que anulou as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal
de Curitiba (PR) nas ações penais em que o ex-presidente havia sido conde-
nado, após reconhecer a incompetência daquele juízo para processar e julgar os
processos. O caso foi remetido ao Plenário do STF pelo Relator Min. Edson
Fachin, para o julgamento dos recursos e foi pautado para o dia 14 de abril de
2021, pelo presidente Min. Luiz Fux. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Fede-
ral. (Decisão monocrática) Emb. Decl. Habeas Corpus 193.726/PR. Paciente:

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