'Whistleblowing' no Brasil: o informante do bem uma ferramenta de empoderamento do cidadão

AutorAnderson de Paiva Gabriel
CargoO presente trabalho, desenvolvido dentro de um contexto de crise do processo penal e de necessidade de combate à corrupção, aborda a criação da figura intitulada como 'informante do bem' e objetiva demonstrar como este pode constituir ferramenta jurídica apta a empoderar o cidadão na luta por um Brasil melhor. Nesse diapasão, metodologicamente,...
Páginas150-181
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 150-181
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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WHISTLEBLOWING NO BRASIL: O INFORMANTE DO BEM
UMA FERRAMENTA DE EMPODERAMENTO DO CIDADÃO
1
WHISTLEBLOWING IN BRAZIL: THE GOOD INFORMANT
A CITIZEN EMPOWERMENT TOOL
Anderson de Paiva Gabriel
2
RESUMO: O presente trabalho, desenvolvido dentro de um contexto de crise do processo penal
e de necessidade de combate à corrupção, aborda a criação da figura intitulada como
“informante do bem” e objetiva demonstrar como este pode constituir ferramenta jurídica apta
a empoderar o cidadão na luta por um Brasil melhor. Nesse diapasão, metodologicamente,
parte-se de sua origem histórica, perpassando a sua positivação em outros países e os resultados
obtidos, para, por fim, analisar os contornos que o whistleblowing adquiriu ao ser instituído no
ordenamento brasileiro, por meio da lei anticrime, concluindo-se, por fim, que, a despeito da
necessidade de aprimoramentos, sua regulamentação e disseminação social pode contribuir de
forma efetiva para melhores resultados no campo processual e, como consequência, para uma
transformação cultural deveras positiva.
PALAVRAS-CHAVE: Informante do bem; cidadania; combate à corrupção; pandemia.
1
Artigo recebido em 15/02/2021 e aprovado em 09/02/2022.
2
Doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador
visitante (Visiting Scholar) na Berkeley Law School (University o f California-Berkeley). Juiz auxiliar da
Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Juiz de Direito do TJRJ. Anteriormente, atuou como Delegado
de Polícia na PCERJ e PCSC. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ, b em como
especialização em Direito Público e Privado pelo ISMP, em Direito Constitucion al pela UNESA e em Gestão em
Segurança Pública pela UNISUL. Professor de Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do
Rio de Janeiro (EMERJ) e da Escola de Administração Judiciária (ESAJ). Integrante do Comitê Gestor de Proteção
de Dados Pessoais (CGPDP) do TJRJ, d o Conselho Editorial da Revista da Escola Na cional de Magistratura
(ENM) e da Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Grupo de Estudos de Processo Penal do Instituto de Magistrados do
Brasil (IMB). Membro honorário do Conselho da HSSA (Humanities e Social Sciences Association) da University
of California-Berkeley. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: andersonpaiv ag@yahoo.com.br
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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ABSTRACT: The present article addresses the creation of the figure entitled the good
informant”, narrating its historical origin and the contours it acquired when being positivized
in the Brazilian order through the anti-crime law, emphasizing, finally, that it is a tool capable
of empowering citizens in the struggle for a better Brazil. The present article, developed within
a context of crisis in criminal procedure and the need to combat corruption, addresses the
creation of the figure entitled "the good informant" and aims to demonstrate how this can
constitute a legal tool capable of empowering citizens in the struggle for a better Brazil. In this
vein, it starts from its historical origin, passing through its creation in other countries and the
results obtained, to, finally, analyze the contours that whistleblowing acquired when it was
instituted in the Brazilian legal system, through the anti-crime law, concluding that, despite the
need for improvements, its regulation and social dissemination can effectively contribute to
better results in the procedural field and, as a consequence, to a truly positive cultural
transformation.
KEYWORDS: The good informant; citizenship. fight against corruption; pandemic.
1. INTRODUÇÃO
Nunca houve uma definição formal ou consensual quanto ao conceito de
Whistleblowing
3
, mas prevalece que se trata, lato sensu, da revelação por membros de uma
organização, ou por quem já a integrou, de práticas ilegais, imorais ou ilegítimas por parte
daqueles que a dominam
4
.
3
“Whistleblower, em tradução literal, é o assoprador de apito. Na comunidade jurídica internacional, o termo
refere-se a toda pessoa que espontaneamente leva ao conhecimento de uma au toridade informações relevantes
sobre u m ilícito civil ou criminal. As irregularidades relatadas podem ser atos de corrupção, fraudes públicas,
grosseiro desperdício d e recursos público, atos que coloquem em risco a saúde pública, os direitos dos
consumidores etc. Por ostentar conhecimento privilegiado sobre os fatos, decorrente ou não do ambiente onde
trabalha, o instituto jurídico do whistleblower, ou reportante, trata-se de auxílio indispensável às autoridades
públicas para deter atos ilícitos. Na grande maioria do s casos, o reportante é apenas um cidadão honesto que, n ão
tendo participado dos fatos que relata, d eseja que a autoridade pública tenha conhecimento e apure as
irregularidades”. ENCCLA. O que é o whistleblower? Disponível em: http://enccla.camara.leg.br/noticias/o-que-
e-o-whistleblower. Acesso em: 01 jun. 2019.
4
VAUGHN, Robert G. The Successes and Failures of Whistleblower Laws. Washington: Edward Elga r, 2014.
p. 457-486.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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O termo teria surgido no século XIX, decorrendo do uso de apitos para comunicar algum
tipo de evento negativo, seja a violação de regras em um esporte ou até mesmo a prática de
crime em uma rua. Indubitavelmente, a utilização de apitos em jogos de futebol está relacionada
a esse costume. Vladimir Passos de Freitas narra que a palavra caiu no gosto dos jornalistas em
1960, e, na década seguinte, passou a ser utilizada no âmbito jurídico, como forma de substituir
o termo “delator”, cuja conotação é pejorativa
5
.
Os alicerces históricos do instituto remontam séculos atrás. O Conselho da cidade-
estado de Veneza, por exemplo, adotava uma prática do gênero para ajudar a combater a
corrupção e dar aos cidadãos uma voz mais significativa em seu governo
6
. Com base em uma
antiga construção inglesa, aprovou-se a primeira lei de whistleblowing
7
nos Estados Unidos
durante a Guerra Civil, como forma de complementar os esforços governamentais no combate
às fraudes. Na época, havia contratados do governo que, entre outras coisas, estavam vendendo
serragem como pólvora
8
.
O sucesso ao longo do tempo foi tão grande que novas leis contemplando o
whistleblowing se seguiram e a figura se consolidou na cultura americana, expandindo-se
depois por outros países. Embora todas as legislações busquem proteger o informante de
retaliação, outras disposições variam consideravelmente, a exemplo do destinatário da
denúncia, se a motivação desta deve ser considerada, se o denunciante deve receber algum tipo
de benefício, qual tipo de prova das irregularidades deve ser exigido, e qual o remédio deve ser
fornecido a um denunciante que sofra retaliação.
2. O PARADIGMA AMERICANO
5
FREITAS, Vladimir Passos de. O whistleblower (informante do bem) na ordem jurídica brasileira.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-03/whistleblower-informante-bem-ordem-juridica-
brasileira. Acesso em: 01 jun. 2019.
6
BOULTON, Susie; CATLING, Christopher. Venice e The Veneto. Eyewitness, 2003. p. 88-89. In the Sala della
Bussola in the Doge's Palace, for example, there is a "bocca deleone" or lion's mouth. Id. The lion's m outh has a
slit through which citizens could slip secret denunciations. Id. Catching tax evaders was one goal; another was
state security.
7
Act of Mar. 2, 1863, ch. 67, § 6, 12 Stat. 696; False Claims Act, 31 U.S.C. §§ 3729-33 (1988) (formerly the False
Claims Act of March 2, 1863, 31 U.S.C. §§ 3729-3 (1988).
8
STACEY VANEK SMITH, Stacey Vanek. How A Law From The Civil War Fights Modern -Day Fraud. NPR,
01 out. 2014. Disponível em: https://www.npr.org/sections/money/2014/10/01/352819369/how -a-law-from-the-
civil-war-fights-modern-day-fraud. Acesso em: 22 jul. 2019.

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