Introdução

Autorde Araujo Lima Filho, Altamiro
Páginas31-41

Page 31

PREFEITOS E VEREADORES - CRIMES E INFRAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

Art. 9º O presente Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as Leis nºs 211, de 7 de janeiro de 1948 e 3.528, de 3 de janeiro de 1959, e demais disposições em contrário.

Brasília, 27 de fevereiro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.

H. Castelo Branco.”

INTRODUÇÃO

“Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências.”

Por força dos princípios da lógica, parece ser incompatível com a racionalidade própria ao Homem, uma visão unilateral do relato de conjuntos encadeados de fatos formadores da História, a qual implica em necessário estudo crítico e interpretativo para a exata compreensão do caminhar evolutivo da humanidade.6Por essa via, em que pese, por questão de princípios, a nossa repulsa ao domínio político-militar imposto ao País a partir de abril de 1964, não nos podemos furtar — igualmente por princípios —, em reconhecer o espírito nacionalista e moralizador que presidiu a edição de vários atos discricionários, dentre os quais o DecretoLei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

O ilustre Adilson Abreu Dallari, Lente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, muito a propósito, lembra que “Durante os tenebrosos anos de governo militar, os detentores do poder impingiram ao povo a crença de que a virtude era monopólio das autoridades federais, ao passo que a incompetência e a desonestidade grassavam apenas no campo municipal (os governos estaduais estavam fora de cogitação, dado que os governadores eram simples delegados do governo federal). Na realidade, descerrados os véus que encobriam a verdadeira face da ditadura, revelou-se, no âmbito federal, um nível de corrupção jamais alcançado e verdadeiramente inatingível por qualquer governo democrático. No entanto, como fruto da falsa crendice acima referida, o governo federal editou uma legislação severíssima, draconiana, para punir os bodes expiatórios: os Prefeitos e Vereadores municipais eleitos pelo povo, talvez até mesmo

Page 32

32 ALTAMIRO DE ARAUJO LIMA FILHO

para ‘provar’ que o povo não sabia votar e, por isso, deveria permanecer afastado do processo de escolha dos dirigentes estaduais e federais”.7Acerca do nível de corrupção e a impunidade que a ela se seguiu é de trazer à colação as palavras do douto Advogado Wolgran Junqueira Ferreira, lembrando que “Em 1964, quando do Golpe Militar, o Brasil devia por volta de US$ 6 bilhões. Hoje, deve US$ 120 bilhões. Entendemos que os empréstimos tomados no exterior, com taxa de risco superior ao normal, são hoje atos jurídicos perfeitos e que não poderão deixar de ter validade. Saber-se se o dinheiro tomado por empréstimo chegou ou não ao Brasil não gera nulidade contratual, pois cabia aos Ministros da Fazenda e ao Presidente do Banco Central, verificar a exatidão da vinda do empréstimo tomado. Assim, resta a suspeita de que algum negociador do Brasil ficou com parte do empréstimo ou pagou por fora ao emprestador alguma importância para obtenção do empréstimo. Mas, como representante do Governo, agiu em nome do Brasil e não cabe argüir nulidade alguma. Parece-nos que o mais importante seria verificar a exata aplicação no Brasil dos empréstimos feitos. A ponte Rio-Niterói custou realmente o que foi contabilizado? Idem quanto à Ferrovia do Aço. Se a ‘moratória unilateral’ formalizada pelo ex-Ministro da Fazenda Dilson Funaro, custou ao Brasil, US$ 2,3 milhões, ficará este prejuízo para o país ou ex-Ministro responderá pelo prejuízo que causou ao erário público? Afinal de contas, ninguém, no Brasil, que ocupa cargo de mando, responderá pelos prejuízos que causaram aos cofres públicos? Não basta verificar se os empréstimos tomados chegaram integralmente ao Brasil. Há mister verificar-se, também, como foram gastos (...) Era de se esperar que os constituintes tivessem os pés firmes na terra e não inoculassem, no texto das Disposições Gerais e Transitórias da Constituição uma vaga poesia sem rima e sem graça.”8O esclarecimento preliminar a que nos obrigamos deixa-nos mais à vontade para abordarmos, mesmo que apenas perfunctoriamente, a

6. Conforme explanamos em trabalho anterior, em conjunto com o prof. Reginaldo Fonteles, Estudos Sociais, Recife, 1976, p. 7.
7. Adilson Abreu Dallari, por ocasião do prefácio à obra do Advogado José Nilo de Castro, A Defesa dos Prefeitos e Vereadores em Face ao Decreto-Lei nº 201/67, Belo Horizonte, Del Rey, 2ª ed., 2ª tir., 1996, p. 19.
8. Wolgran Junqueira Ferreira, Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores – Decreto Lei n. 201/67 – Comentários – Legislação – Jurisprudência, São Paulo, 3ª ed., 1992, pp. 44-45.

Page 33

PREFEITOS E VEREADORES - CRIMES E INFRAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

complexa temática do “vigiar e punir” Alcaides e Edis em nosso País. Feita a ressalva, passemos à apreciação do tema.

Sociedade e Estado são realidades perfeitamente perceptíveis no evoluir dos grupos humanos. Avulta, este último, como forma especial da estruturação social a que o douto Darcy Azambuja denomina “organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”.9Em função da sempre crescente complexidade evolutiva desse organismo, vem-se forjando, através dos tempos, uma necessária divisão social de trabalho visando à condução do mesmo. Salvo melhor juízo, é surgente daí, pelo menos em parte, a clássica tripartição dos poderes estatais. É assim que vamos encontrar, dentre as várias tarefas inerentes ao Estado, aquela da concretização efetiva das metas e normas de caráter político-administrativo, cuja efetivação se produz através da atuação do que se convencionou denominar de Poder Executivo.10Por conta da nossa estrutura federativa e do municipalismo

9. Darcy Azambuja, Teoria Geral do Estado, Porto Alegre, Globo, 1966, p. 8.
10. Alertamos, neste ponto, para a precisa observação do insigne Lafayette Pondé, Professor da Universidade da Bahia, porquanto “A expressão ‘Poder Executivo’ foi sempre vista com reserva: de um lado, entre outras objeções, a argüição de que ao Judiciário também é dado executar, em cada litígio, a lei a este adequada; de outro, que a função do Executivo nem sempre é meramente executória (e o próprio Montesquieu anunciou que a ela também cumpria prover sobre ‘as coisas de Direito das Gentes’ (Cf. MONTESQUIEU, L’esprit de lois). À primeira dessas argüições foi já respondido que o Executivo, ao dar execução às leis, atua mediante uma atividade própria e imediata exercitada no mundo externo, enquanto o juiz, ao decidir o litígio, constrange a essa execução sujeitos estranhos ao Estado. A segunda argüição levou a doutrina a preferir a expressão ‘função administrativa’, ou de Administração Pública, em vez de ‘função executiva’, tradicional entre os escritores do século passado e ainda hoje conservada, por tradição, nos textos constitucionais. Na verdade, o Executivo não se reduz à só execução das leis e decisões. Sua atividade é predominantemente discricionária, de sua livre iniciativa na escolha das soluções e processos de interesse geral, exercida, embora, nos limites das normas legais, limitação esta que também toca, por igual, a qualquer outro sujeito de relações jurídicas. Sobre isto, é próprio do Executivo, além do poder administrativo, um poder de governo — exercido a mesmo título de Parlamento (CHEVALLIER, J. e LUSCHAK, D. Introduction à la science administratif, 1974, p. 16; BURDEAU, G. Droit constitutionnel et institutions politiques, 1974). A extensão dos domínios de intervenção do Estado, em particular o do Executivo na direção global da economia, acentua a sua posição de comando da política e impõe uma revisão do sistema de repartição dos poderes públicos. Não obstante essa dilação conceitual, a diferenciação de Governo e Administração se expressa sem dualidade orgânica do Poder Executivo, isto é, não há órgãos diferenciados, nem específicos da função de Governo, outros próprios da função

Page 34

34 ALTAMIRO DE ARAUJO LIMA FILHO

reinante entre nós, desde o Império, cristalizou-se o exercício desse poder em três níveis superpostos e de gradação ampliativa: municipal, estadual e federal, cuja regulamentação encontra-se em nossa vigente Lei Maior.11Relativamente ao Município, o Poder Executivo é exercido pelo Prefeito, em conjunto com o corpo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT