A Organização Sindical

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas465-496

Page 465

1. A formação sindical brasileira - Escrevemos a tempo que o erro da formação do sindicalismo brasileiro vem de origem, uma vez que a "Revolução de 1930" frustrou aqueles que sonhavam com a vitória de instituições liberais entre nós e, em consequência, com a solidificação da democracia por meio da participação da sociedade no processo decisório. O principal líder desse movimento, Getúlio Vargas, influenciado pelo positivismo filosófico, como defendia Júlio de Castilho, caudilho gaúcho, estava convencido de que era possível proteger a classe trabalhadora cooptando-a ao Estado.

A classe trabalhadora brasileira tem registro de lutas durante o período inicial republicano, conforme se constata do balanço realizado por Evaristo de Moraes Filho em toda a legislação no período de 1919 a 1930. Nesse período, ocorreram diversas conquistas trabalhistas, razão pela qual negá-las seria uma injustiça que, muitas vezes, se comete à massa operária; aos grandes idealistas e lutadores que a defenderam e orientaram; aos parlamentares, principalmente aos membros da Comissão de Legislação Social; e, final-mente, a alguns membros do governo.1

A legislação operária aparece inicialmente no Código Penal de 1890, que capitulava a greve como um ilícito penal. No entanto o Governo Provisório republicano baixou um decreto que derrogava tais artigos do Código e capitulava como crime apenas os atos de violência praticados no seu decurso. Um ano depois, foi promulgada a primeira Constituição republicana, que não dispunha de qualquer artigo sobre questões trabalhistas. O mesmo ocorreu em 1917, com relação ao Código Civil, que trata das relações entre trabalhadores e patrões no capítulo "locação de serviços".

Até o final da primeira década do século XX, somente existiram três Decretos, de ns. 1.313, de 1891, 979, de 6.1.1903, e 1.637, de 5.1.1907, respectivamente, que regulamentam matérias de trabalho das crianças e dos adolescentes nas fábricas, cuja aplicação foi restrita ao Distrito Federal, enquanto o segundo permitia a organização de associações para defesa dos interesses dos profissionais da agricultura e indústria rurais, e o terceiro criava sindicatos e sociedades cooperativas.

Aproximando-se o ano de 1920, as greves foram se intensificando e visavam à criação de uma legislação protetora dos trabalhadores. Deve-se recordar que, em 1919, "com a assinatura do Tratado de Versalhes pelo governo brasileiro, este se obrigava a cumprir determinadas recomendações em favor dos trabalhadores. O princípio do contratualismo individualista aproximava-se do seu fim institucional, embora se assegurasse sobrevida formal até 1926, quando só então se emendou a Constituição de 1891. A secção da locação de serviços do Código Civil vai ceder lugar ao emergente Direito do Trabalho, retificando-se o pacto liberal por pressão das classes subalternas. Um novo contratante começava a surgir legitimamente no mercado - o trabalhador coletivo organizado em sindicatos".2

Page 466

No ano de 1919 surge finalmente a primeira lei de caráter social, a que regulamenta o acidente do trabalho, o que caracteriza "o início de um outro momento na história do movimento operário. De 1919 a 1930, portanto, o restante da República Velha, os sindicatos, permaneceriam atuando, mas o mercado de trabalho começara a sofrer a ação regulatória do Estado".3

"Durante a década de 1920, os debates em torno da questão social e especialmente em torno da elaboração de uma legislação trabalhista e previdenciária continuam desenvolvendo-se na Câmara, tendo como seu núcleo principal de iniciativa a Comissão de Legislação Social [...] Desde o ano de 1919, medidas sistemáticas e violentas de repressão à agitação social já vinham sendo tomadas. Porém, a partir de 1921, elas se acentuam com a aprovação do Decreto n. 4.247, de 6.1.1921, conhecido como Lei de Expulsão de Estrangeiros, e também com a decretação do estado de sítio em 1922 que, motivada basicamente pelo levante tenentista, vem colocar o recém-criado Partido Comunista do Brasil na ilegalidade. Por conseguinte, o período final do governo de Epitácio Pessoa já anuncia que dominaria o governo do seu sucessor, Arthur Bernardes."4

A gestão de Artur Bernardes à frente do Governo Federal foi caracterizada por uma permanente instabilidade política, em consequência da crise econômica e dos conflitos políticos, além das revoltas armadas que se intensificaram nessa época. Por governar sob estado de sítio, ele utilizou os poderes excepcionais de que dispunha e baixou normas repressivas que restringiram a liberdade de imprensa e os direitos individuais. Tal fato motivou muitas revoltas armadas promovidas pela jovem oficialidade do Exército: os tenentes. Assim, o movimento iniciado em 1922 com a Revolta do Forte de Copacabana se tornou cada vez mais organizado a ponto de levar o país a uma guerra civil.

Os tenentes exigiam a renúncia do presidente Artur Bernardes, além da eleição de uma Assembleia Constituinte e a adoção do voto secreto. A cidade de São Paulo se transformou em campo de batalha com a ocorrência de inúmeros combates violentos que levaram o governador daquele Estado, Carlos de Campos, a abandonar a capital.

Tentando controlar a situação, Artur Bernardes promoveu a Revisão Constitucional em 1926 e, entre outras matérias, a que retirou dos Estados-membros a competência legislativa em matéria trabalhista (CF 1891, art. 34, XXVIII). "O Parlamento passa a legislar aceleradamente em matéria trabalhista. O ano de 1926 termina com boa parte das condições de trabalho recoberta pela lei, como a dos acidentes de trabalho, a de férias e a do código de menores. No ano seguinte, criava-se a de seguros contra doença, estabelecendo-se o primeiro perfil do Direito do Trabalho no Brasil".5

O governo de Artur Bernardes, mesmo diante das graves crises econômica e política que atravessa, conseguiu manter as bases do "republicanismo oligárquico" e terminar o seu mandato. A denominada política "café com leite", constituída pela união dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, teve ainda força para eleger o sucessor de Artur Bernardes na presidência da República.

O escolhido foi Washington Luís, que, apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, era politicamente atuante em São Paulo e conhecido como "paulista de Macaé". Seu mandato, porém, foi caracterizado por um período econômico de muita dificuldade. O café tinha desde 1925 uma produção em contínua expansão, o que dificultava a exportação e provocava uma baixa do preço internacional. A produção brasileira anual média de 21 milhões de sacas superava o consumo mundial, que atingia 14 milhões de sacas. Além do café, a exportação da borracha e do cacau também estava em crise.

Para piorar ainda mais a situação, os efeitos do colapso de Nova Iorque, ocorrido em outubro de 1929, chegaram ao Brasil, uma vez que os principais importadores europeus de café estavam em profunda depressão financeira. O principal mercado consumidor era o centro principal da crise: os Estados Unidos da América. A política de valorização do café entrou em colapso, afundando o restante da economia nacional.

O governo de Washington Luís era de tendência liberal, não admitindo intervenção no processo econômico. A Constituição de 1891, elabora-

Page 467

da ao melhor estilo norte-americano, não concedia ao governo instrumentos que o permitissem combater a crise econômica nacional. Assim, como o seu lema era "governar é construir estradas", a falta de recursos dificultou a concretização das duas grandes rodovias Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis, esta última visando posteriormente a prolongar-se até Belo Horizonte.

Além do mais, a sua segunda preocupação era a reforma financeira, tendo Washington Luís se empenhado em conseguir a estabilização monetária mediante a formação de reservas em ouro. Todavia, como a sua estratégia se baseava na obtenção de empréstimos, o Brasil viu-se endividado em um momento em que havia escassez de recursos no mercado mundial.

Na área política, o governo também não ia bem. A representação popular havia sempre sido uma farsa. As fraudulentas eleições, feitas pelos chefes políticos ou "coronéis", se por um lado mantinham no poder seus representantes, por outro provocavam um natural desejo de reformas, que encontraria eco, sobretudo, entre a oficialidade mais jovem.

Assim, toda a política de conchavos ruiu por terra. A oligarquia do "café com leite" ficou rachada diante da pretensão de Antônio Carlos de Andrada, governador de Minas Gerais, de candidatar-se, quando Washington Luís apoiava Júlio Prestes, governador de São Paulo. Por sua vez, por iniciativa de líderes políticos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, a Aliança Liberal, partido de oposição, lançou as candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa respectivamente à presidência e vice-presidência da República nas eleições de 1º de março de 1930.

Getúlio havia sido ministro da Fazenda de Washington Luís, com base no acordo feito por Borges de Medeiros, líder do Rio Grande do Sul, com Artur Bernardes, para o apoio daquele ao candidato deste às eleições presidenciais de 1926. Getúlio, depois de deixar a pasta da Fazenda, tornou-se governador gaúcho, em sucessão a Borges de Medeiros, e logrou construir uma frente ampla em seu Estado, com força tal de vir a ser lançado candidato a presidente da Aliança Liberal, representando também uma união entre diversos políticos oposicionistas de várias tendências.

Logo no início da campanha, no ano de 1929, uma corrente mais radical da Aliança Liberal, formada por políticos jovens como João Neves da Fontoura, Oswaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco, passou a admitir a hipótese de desencadear um movimento armado em caso de derrota nas urnas. Como primeiro passo, buscaram a colaboração dos tenentes, levando em conta seu passado revolucionário e seu prestígio no interior do Exército. Essas negociações se deram com grande dificuldade, devido a desconfianças recíprocas. A Aliança Liberal se constituía numa frente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT