O Silêncio Epidemiológico e o Acesso à Informação: uma Perspectiva do Enfrentamento a Partir de Algumas Experiências do Ministério Público do Trabalho

AutorMarcos Oliveira Sabino
Páginas160-174

Page 160

1. Introdução

As condições dos ambientes de trabalho e suas repercussões sobre a vida, a saúde e segurança dos trabalhadores são de crescente preocupação dos vários atores sociais e agentes políticos no mundo contemporâneo, sendo que no Brasil diversas questões relacionadas ao tema vêm sendo alvo de judicialização e tratadas na esfera do direito coletivo, seja no âmbito do Ministério Público do Trabalho (MPT) e sindicatos, seja na própria Justiça do Trabalho (JT).

Nessa evolução, a partir da década de 1990 (e fortalecida com a Emenda Constitucional n. 45), questões ligadas ao direito à vida, à saúde e segurança dos trabalhadores e ao meio ambiente equilibrado e saudável (nele incluído o do trabalho), balisado pelo respeito aos direitos humanos e à proteção da dignidade da pessoa humana, têm sido investigadas e alvo de intervenções de natureza coletiva, tanto na seara administrativa quanto judicial.

Dentro dessa perspectiva, propostas e conceitos como o do trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT)1, incluindo questões como saúde, segurança e meio ambiente laborais, têm representado objetivos e pautado a atuação institucional de diversos órgãos públicos e entidades sociais. Nessa perspectiva cabe enfatizar que para a efetiva melhoria das condições de trabalho é primordial o acesso às informações que evidenciem, por um lado os agentes, as

Page 161

situações e os contextos de riscos ambientais e por outro, os efeitos e os danos (acidentes, lesões, agravos à saúde)2 associados.

Tal acesso, sob a égide do direito à informação (condição básica para a luta pela saúde dos trabalhadores) toma realce numa série de atuações realizadas no âmbito institucional pelo MPT, voltadas ao combate ao silêncio epidemiológico brutal vigente no país quanto aos adoecimentos e óbitos associados aos ambientes de trabalho, sendo objetivo do presente texto o relato e breve reflexão sobre algumas dessas experiências.

2. Do silêncio epidemiológico na saúde dos trabalhadores

O reconhecimento dos efeitos estabelecidos ou potenciais dos agentes e condições agressivas do trabalho sobre a saúde humana representa elemento fundamental para a luta pela melhoria dos ambientes de trabalho. Nessa condição melhor pode-se viabilizar a efetivação do binômio informação - ação, elemento de uma ação organizada e passível de planejamento e avaliação.

Assim, o não reconhecimento da natureza laboral dos agravos à saúde dos trabalhadores vem sendo há tempos demonstrado, inclusive por agências internacionais, a exemplo da Organização Mundial da Saúde (OMS) num documento (Fact Sheet n. 84, revisado em junho de 1999)3, sobre a

Saúde Ocupacional e que já trazia a seguinte informação:

SUBESTIMADA: a avaliação da carga global de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho é difícil. Informação confiável para a maioria das nações em desenvolvimento é escassa, principalmente por causa de sérias limitações no diagnóstico do adoecimento ocupacional e nos sistemas de notificação. A OMS estima que na América Latina, por exemplo, apenas entre 1 e 4 % de todas as doenças ocupacionais são notificadas. Mesmo nos países industrializados, os sistemas de notificação são algumas vezes fragmentados. Por exemplo, uma análise de impacto econômico dos regulamentos de substâncias perigosas, de 1993, na Austrália, descobriu falta de dados em muitas áreas e teve que se basear em extrapolações de dados da Escandinávia e Estados Unidos.

Há dois problemas principais e comuns tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento: resistência em reconhecer as causas ocupacionais de acidentes e problemas de saúde, e falha em notificá-los, mesmo uma vez reconhecidos. A história da saúde ocupacional é aquela de uma luta entre trabalhadores buscando proteção e medidas de prevenção ou compensação (indenização), e seus empregadores tentando negar ou reduzir sua responsabilidade por acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho). Este conflito tem influenciado de forma muito grande as estatísticas de notificação. Como um dos resultados, a carga de doenças devidas a exposições ocupacionais é normalmente SUBESTIMADA. (sem destaque no original)

Dessa forma, conforme Correa (2008)4, configura-se um perverso processo de negação da saúde-doença dos trabalhadores, principalmente pela ausência de reconhecimento do caráter social

Page 162

do adoecimento e pela ausência dos registros dos casos nas estatísticas oficiais, o que contribui para o seu desaparecimento da história do trabalho e da saúde, tomando força e sentido a expressão "silêncio epidemiológico", a qual representa, conforme a autora5:

um neologismo linguístico que busca atribuir um sentido próprio e espontâneo ao desconhecimento de uma situação de agravo ou risco pela ausência de informações quanto à ocorrência, distribuição e aos fatores determinantes de enfermidades em uma coletividade.

Em caso concreto, o próprio Conselho Nacional de Saúde fez referência direta ao termo, por meio da Moção de Apoio n. 26, de 14.2.2007 e considerando a "necessidade de pôr fim ao silêncio epidemiológico e dar visibilidade às doenças relacionadas ao amianto no Brasil", manifestou solidariedade ao posicionamento do Ministério da Saúde em sua normatização dos procedimentos para efetivo cumprimento do art. 5º da Lei n. 9.055/95 (envio ao SUS e sindicatos informações sobre a morbidade dos trabalhadores, relacionada à exposição laboral ao amianto), obrigação suspensa por liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em mandado de segurança7 impetrado por várias empresas vinculadas ao uso daquele mineral cancerígeno, no país.

De importância, ainda, trazer à baila a magnitude da lesividade dos processos produtivos no mundo contemporâneo, tendo por fonte a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que em seu documento anual de 2013 do dia mundial da segurança e saúde no trabalho (28 de abril) faz referência à epidemia oculta das mortes por doenças ocupacionais (estimativa de 2,02 milhões por ano) e por acidentes de trabalho (estimativa de 321 mil mortes anuais), redundando em 6.300 óbitos estimados relacionados ao trabalho, dos quais 5.500 por doenças profissionais. A triste estatística é complementada pela carga anual estimada de 160 milhões de casos de doenças não mortais ligadas à atividade profissional8.

3. Do direito à informação no meio ambiente do trabalho

Frente ao quadro apresentado pela OIT, o acesso à informação apresenta-se como elemento fundamental na proteção ao meio ambiente do trabalho, vez que permite desnudar os vários elementos vinculados tanto às condições de riscos à saúde e segurança, bem como os efeitos danosos deles resultantes diretamente sobre os trabalhadores.

Discorrendo sobre o tema, Padilha (2002)9, também apresenta o direito à informação como instrumento de proteção do meio ambiente do trabalho, a partir da inserção na lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81)10, inciso XI do art. 9º, e conforme previsão constitucional, lembrando a autora, a partir dos ensinamentos do prof. Fiorillo11, que "a informação

Page 163

ambiental é corolário do direito de ser informado, previsto nos arts. 220 e 221 da Constituição Federal, sendo que o art. 220 engloba não só o direito à informação, mas também o direito de ser informado, que se identifica como direito difuso"12.

Discorrendo sobre os princípios gerais do direito ambiental, Machado (2009)13 tece

importantes considerações sobre o princípio da informação e após apresentar diversos instrumentos de convenções e recomendações internacionais14 assinala a "ligação inegável entre meio ambiente e direito de ser informado", lembrando que "a informação serve para o processo de educação de cada pessoa e da comunidade", visando ainda "a dar chance à pessoa informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada".

Abordando o tema do direito à informação ligada ao meio ambiente do trabalho, Lira (2003)15 enfatiza estar-se a contemplar "um princípio basilar para o exercício do direito de resistência, capitulado em várias normas", algumas inclusive de natureza internacional. Assim, de forma não exaustiva, relaciona o autor alguns desses dispositivos16 - 17:

Especificamente em relação à saúde, à segurança e ao meio ambiente do trabalho, a OIT dispõe de inúmeras convenções, ratificadas pelo Brasil, disciplinando o direito dos trabalhadores à informação (art. 9º da Convenção n. 115; art. 4º da Convenção n. 139; art. 7º da Convenção n. 148; art. 4º, ‘c’ da Convenção n. 152; art. 19, ‘c’ da Convenção n. 155; art. 22, item 3 da Convenção n. 162; art. 15 da Convenção n. 170; art. 13, ‘d’, da Convenção n. 176; art. 8º, I, ‘a’, da Convenção n. 184).

A Lei n. 8.080/90, art. 6º, § 3º, inciso V, garante o direito de "informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional."

No mesmo sentido, as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho (NR1, item 1.7, VI, ‘c’; NR-5, 5.16, ‘f’; NR 9, itens 9.3.6.1, 9.5.1, 9.5.2; NR-12, anexo I, itens 5 e 7; NR-12, anexo 12 item 3; NR-13 itens13.1.5, 13.1.6, 13.1.7.1, 13.3.10, 13.3.11 e 13.8.10; NR-18 item 18.28.3 etc.) e art. 19, § 3º, da Lei n. 8.213/91.

Os trabalhadores também devem ser cientificados dos resultados de seus exames médicos (admissional, periódico e demissional) conforme disposto no art. 168, § 5º, da CLT.

Em termos concretos, a efetividade da proteção da saúde e do meio ambiente do trabalho demanda que todo esse arcabouço jurídico-normativo possa incorporar-se à realidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT