A Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho - PNSST

AutorSebastião Geraldo de Oliveira
Páginas238-251

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1. Introdução

Pretendemos neste artigo discorrer sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, aprovada pelo Decreto n. 7.602/2011.

A questão da segurança e saúde no local de trabalho cada vez mais ganha importância, especialmente em razão das estatísticas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

O conhecimento já acumulado, principalmente nos ramos da Engenharia de Segurança do Trabalho, da Ergonomia e da Medicina do Trabalho, demonstra que a grande maioria dos acidentes do trabalho é previsível e, por mera consequência, é também prevenível. Mas, apesar de todo o desenvolvimento acadêmico do tema, convive-se no Brasil com elevados números da sinistralidade ocupacional, gerando graves consequências para o trabalhador e sua família, para as empresas e para toda a sociedade.

Diante desse panorama preocupante, percebeu-se que era necessário estabelecer uma estratégia para enfrentamento do problema, com medidas coerentes e articuladas para garantir o direito fundamental à segurança e à saúde no meio ambiente do trabalho.

Para demonstrar a relevância do tema, vamos indicar a conjuntura histórica que despertou a necessidade de formulação de uma política nacional de segurança e saúde no trabalho, bem como os diversos passos percorridos até a sua publicação oficial.

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Vamos comentar também os principais dispositivos do Decreto n. 7.602/2011, com destaque para os objetivos, os princípios e as diretrizes fixadas. Além disso, desejamos registrar a importância da atribuição das competências e responsabilidades aos diversos órgãos governamentais, bem como o sistema de gestão estabelecido.

Por fim, pretendemos discorrer sobre o significado histórico da formalização da política nacional de segurança e saúde do trabalho, assim como a respeito das suas prováveis repercussões no Brasil nas próximas décadas.

2. A necessidade de uma política de segurança e saúde no trabalho

No século XX, a ciência jurídica avançou muito na regulação econômica e social do trabalho humano, traçando regras sobre o contrato, limites para a jornada, períodos de repouso e férias, normas sobre remuneração, direitos rescisórios, organização sindical etc.

Apesar da significativa evolução alcançada, passamos a conviver com a dura realidade do número crescente de lesões, doenças e mortes decorrentes da prestação dos serviços. É suficiente registrar que no Brasil ocorrem atualmente mais de 700 mil acidentes por ano. Se somarmos o número de mortes com o número de aposentados por invalidez permanente, por volta de 50 pessoas por dia nunca mais retornam ao local de trabalho1.

Essa situação aflitiva revelou uma importante carência do sistema normativo: o progresso na tutela do trabalho não foi acompanhado da proteção necessária à segurança e saúde, seja física ou mental, da pessoa do trabalhador. Quando o empregador busca "mão de obra" para desenvolver suas atividades econômicas, não contrata apenas a "mão que obra", mas a pessoa inteira do trabalhador nas suas dimensões física, mental e social.

Desse modo, não basta ao sistema jurídico assegurar direitos reparatórios aos lesados (monetização do risco, segundo a visão da infortunística); é imperioso, também, exigir que o empregador ou o tomador dos serviços adote todos os recursos e tecnologias disponíveis para evitar as lesões e os adoecimentos (visão prevencionista). Na escala dos valores, acima dos direitos decorrentes do trabalho, devem figurar as garantias possíveis da preservação da vida e da integridade física e mental do trabalhador.

Atualmente, há um consenso nos principais organismos internacionais sobre a necessidade de mudar o paradigma nas questões que envolvem segurança e saúde ocupacional, passando a priorizar, com ênfase, a proteção do que é verdadeiramente fundamental: a vida e a saúde do trabalhador. Não se pode falar em trabalho digno ou decente sem garantir as condições de segurança e saúde na prestação dos serviços. Desse modo, ao lado dos avançados institutos jurídicos desenvolvidos na seara trabalhista, está ganhando cada vez maior visibilidade no mundo o direito ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável.

A compreensão mais nítida de que além da proteção ao trabalho era fundamental também proteger a pessoa do trabalhador, mostrou a necessidade de instituir uma política permanente sobre segurança e saúde dos trabalhadores, estabelecendo o marco regulatório da matéria e o propósito de assegurar continuidade no tratamento do tema. No Brasil, a instituição normativa da

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política nacional de segurança e saúde do trabalhador demandou quase duas décadas de estudos, debates e discussões, como veremos no tópico seguinte.

3. Histórico da instituição da política nacional de segurança e saúde no trabalho no brasil

Desde 18 de maio de 1993, quando entrou em vigor internamente a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, o Brasil assumiu o compromisso de formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho. O art. 4º da referida Convenção dispõe:

Art. 4º - 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.

  1. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. (grifo nosso)

O cumprimento do preceituado na Convenção n. 155 da OIT não somente requer a instituição de uma Política Nacional de Saúde e Segurança do Trabalho, conforme se suporia de uma leitura isolada do art. 4º. Isso porque a própria Convenção tratou de fixar elementos, objetivos e princípios mínimos que deverão ser observados pelo legislador nacional para efetivo cumprimento do compromisso internacional.

Como visto, no próprio art. 4º encontra-se o dever não só de formular a Política Nacional, mas também de: a) colocá-la em prática; b) reexaminá-la periodicamente.

A Comissão de Peritos da OIT assinala que o amplo campo de alcance das obrigações de segurança e saúde do trabalho poderia tornar inviável o cumprimento da Convenção n. 155 em especial pelos países em desenvolvimento. Ciente disto, observou que a margem de flexibilidade de "na medida do razoável e do possível" decorre da inexigibilidade de aplicação absoluta imediata.

Todavia, o art. 11 da Convenção n. 155 assinala que a Política Nacional deverá se submeter ao princípio da realização progressiva, ou seja, as conquistas obtidas não poderão posteriormente ser suprimidas no tocante aos aspectos mencionados nas alíneas "a" a "e" do aludido artigo.

Art. 11. A fim de tornar efetiva a política a que se refere o art. 4º do presente Convênio, a autoridade ou autoridades competentes deverão garantir a realização progressiva das seguintes funções:

  1. a determinação, quando a natureza e o grau dos riscos assim o exigirem, das condições que regem a concepção, a construção e o acondicionamento das empresas, seu início de exploração, as transformações mais importantes que possam requerer e toda modificação de seus fins iniciais, assim como a segurança da equipe técnica utilizada no trabalho e a aplicação de procedimentos definidos pelas autoridades competentes;

  2. a determinação das operações e processos que estarão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, bem como a determinação das substâncias e agentes aos quais a exposição no trabalho estará proibida, limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão levar-se em consideração os riscos para a saúde causados pela exposição simultânea a várias substâncias ou agentes;

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  3. o estabelecimento e a aplicação de procedimentos para a declaração de acidentes do trabalho e doenças profissionais por parte dos empregadores e, quando for pertinente, das instituições seguradoras ou outros organismos ou pessoas diretamente interessados, e a elaboração de estatísticas anuais sobre acidentes do trabalho e doenças profissionais;

  4. a realização de pesquisas cada vez que um acidente do trabalho, um caso de doença profissional ou qualquer outro dano para a saúde acontecido durante o trabalho ou em relação com o mesmo pareça revelar uma situação grave;

  5. a publicação anual de informações sobre as medidas tomadas na aplicação da política a que se refere o art. 4º do presente Convênio e sobre os acidentes do trabalho, os casos de doenças profissionais e outros danos para a saúde acontecidos durante o trabalho ou em relação com o mesmo;

  6. considerando as condições e possibilidades nacionais, a introdução ou desenvolvimento de sistemas de pesquisa dos agentes químicos, físicos ou biológicos no que diz respeito aos riscos que envolverem para a saúde dos trabalhadores.

    O art. 11, ao mesmo passo que garante a flexibilidade aos Estados signatários em cumprir as seis funções taxativamente enumeradas nas alíneas de "a" a "f", dispõe que estas poderão ser implementadas na Política Nacional de forma progressiva, ou seja, há vedação expressa de retrocesso quanto aos...

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