Ações afirmativas: noções gerais e critérios
Autor | José Claudio Monteiro de Brito Filho |
Páginas | 62-80 |
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CAPÍTULO III
AÇÕES AFIRMATIVAS: NOÇÕES
GERAIS E CRITÉRIOS
Defi nido o modelo que, entendo, é o mais adequado para a adoção
de programas de ação afi rmativa, e que inclui estes programas dentro das
estratégias necessárias para que se tenha uma mais justa distribuição de
recursos valiosos entre os integrantes da sociedade, cabe, agora, tentar
compreender melhor essas medidas.
Observo que, embora aparentemente fosse mais natural iniciar o livro
com as noções mais básicas a respeito das ações afi rmativas, entendi que
seria melhor, primeiro, situar essas medidas dentro de um universo maior,
dando a elas sua real dimensão, ou seja, como um instrumento útil, e não,
como se às vezes projeta, como um fi m em si mesmo.
Feito isso nos capítulos anteriores, ou seja, defi nido o modelo de dis-
tribuição dos recursos que justifi ca melhor o uso das ações afi rmativas, é
possível delinear algumas questões básicas a respeito dessas medidas.
Para a correta compreensão dessas ações, dividirei o capítulo em três
partes. Primeiro, pretendo demonstrar que as ações afi rmativas são, dentro
da proposta de melhor distribuir recursos, uma forma de combater uma das
razões para a distribuição desequilibrada, que é a discriminação.
Em segundo lugar, pretendo oferecer algumas noções básicas a respei-
to das ações afi rmativas, como denominação, defi nição e classifi cação, além
de discutir uma das características das ações afi rmativas, que é o fato de
que elas devem ter sua duração limitada ao tempo necessário para corrigir a
distorção que as motiva.
Na terceira parte, minha intenção é expor os critérios de validade das
ações afi rmativas, como entendo que podem ser extraídos do pensamento
de Dworkin, uma vez que, tão importante quanto justifi car a existência de
ações que criam condições diferenciadas de acesso a bens, é a demonstra-
ção de que há critérios que devem ser seguidos para que as ações afi rmati-
vas sejam os instrumentos adequados para os fi ns a que se destinam.
Todos esses aspectos, ressalto, não esgotam a discussão que faço a
respeito, neste livro. É que, no capítulo seguinte, em que analisarei casos
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concretos, algumas questões são novamente debatidas, ou são debatidas
sob outros prismas, aproveitando agora a experiência prática de programas
pertinentes ao que aqui se discute. Da mesma forma, no Capítulo V, quando
discutirei questões atuais, posteriores ao momento em que foi escrita a 1ª
edição, e em que volto a aspectos que enuncio nos capítulos anteriores.
3.1. As ações afi rmativas como forma de combater a
discriminação
Não obstante essa discussão não tenha sido travada, de forma direta,
até agora, é certo que a exclusão social, que leva alguns indivíduos à condi-
ção de vulneráveis, é motivada por diversos fenômenos, estranhos, de início,
ao Direito, como o estigma, o estereótipo e o preconceito, sendo o último e
mais abrangente de todos, quando exteriorizado, denominado de discrimina-
ção, esta, sim, uma categoria jurídica de análise(175).
Sendo as ações afi rmativas uma das respostas possíveis contra a dis-
criminação, é preciso compreender, sob esse prisma, o contexto maior em
que estão inseridas.
O combate às práticas discriminatórias, desde que foi iniciado(176), pode
ocorrer, basicamente, de duas formas: pela pura e simples adoção de normas
que vedem e reprimam a discriminação ou pela adoção de disposições que
favoreçam a inclusão de integrantes de determinados grupos, em prática
que se convencionou chamar de ação afi rmativa, e que é mais recente.
Há, então, dois modelos. No primeiro, seguramente o mais antigo, o Es-
tado cuida de editar normas que vedem as práticas discriminatórias, usual-
mente criminalizando esses atos e impondo, também, sanções de natureza
administrativa, civil e trabalhista. Denomino esse modelo de repressor.
Ele, entretanto, deve ser entendido como modelo que se caracteriza
por ser estático, no sentido de que, muito embora reprima a conduta discri-
minatória, pouco faz no sentido de dar às pessoas e grupos discriminados a
possibilidade de serem incluídos na sociedade, ao não impulsioná-los nessa
direção.
(175) A respeito da discriminação, além dos fenômenos que interferem na percepção das
pessoas, como o estigma, o estereótipo, e o preconceito, ver, para compreensão mais ampla,
o meu livro Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 37-42. O mesmo livro, regis-
tro, serve de base para a maior parte das discussões deste item.
(176) Ou seja, desde que a desigualdade deixou de ser regra prevista no ordenamento jurídico
dos países. Para melhor compreensão, observe-se o caso brasileiro, em que a escravidão foi
admitida até a edição da Lei Áurea, nos fi ns do século XIX.
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