Pressupostos para a adoção de um modelo de igualdade que justifique as ações afirmativas

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas15-32
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CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS PARA A
ADOÇÃO DE UM MODELO DE
IGUALDADE QUE JUSTIFIQUE
AS AÇÕES AFIRMATIVAS
Antes de discutir o modelo de distribuição dos recursos que acolhe,
como estratégia ef‌i caz, programas de ação af‌i rmativa, é preciso f‌i xar alguns
pressupostos para que se possam utilizar tais programas.
Com isso, quero dizer que é preciso uma combinação de fatores que
autorizem o uso de programas de ação af‌i rmativa, fatores que, adianto, são
encontrados no Brasil, embora em alguns aspectos de modo ainda bastante
incipiente.
Da mesma forma, é preciso acentuar a discussão em relação a um de-
les, que é a adoção de um modelo de justiça distributiva, o que será feito, de
forma mais geral, ainda neste capítulo e, de forma particularizada, a partir
das ideias de John Rawls, no início do capítulo seguinte.
1.1. Alguns pressupostos para a adoção do modelo
De
início,
é
obrigatório
dizer
que
o
modelo
de
distribuição dos recur-
sos que melhor justif‌i ca programas de ação af‌i rmativa, e que vou adotar, só
cabe em sociedades em que há a possibilidade do uso privado dos meios de
produção.
Não há, portanto, de se falar em ações af‌i rmativas quando se trabalha
com modelos utópicos de utilização de recursos e de relacionamento entre
as pessoas, como, no marxismo. É que, nesses modelos, não haveria ne-
cessidade de executar programas que buscassem, por meio de condições
diferenciadas de acesso a determinados bens, compensar desequilíbrios
causados pela exclusão.
De qualquer sorte, o que denomino modelos utópicos são somente
construções teóricas, algumas muito bem elaboradas e atraentes, mas que
impõem a existência de alguns pressupostos que são inalcançáveis, como a
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obrigatoriedade de as pessoas serem altruístas, no seu conjunto, tornando
esses modelos não realizáveis(12), ao menos da forma como se pretende(13).
Não é possível, também, pensar em ações af‌i rmativas a partir das
sociedades que adotaram, concretamente, embora divorciadas do pensa-
mento original, o socialismo, em que não se admite a propriedade privada
dos meios de produção.
É que, além de estruturalmente essas sociedades serem, em verdade,
por conta do controle rígido exercido pelo Estado em relação a todos os ci-
dadãos, avessas a uma igualdade real, até porque o que se estabelece é a
dominação de um grupo maior (sociedade) por outro reduzido (dirigentes e
burocracia), não há também um pressuposto básico para uma distribuição
de recursos que permita aos indivíduos buscar o seu bem-estar, criando as
condições para realizar o seu plano de vida: a liberdade.
Como será visto adiante, acredito que Dworkin tem razão quando pensa
um ideal político que se compõe do tripé igualdade, liberdade e comunidade
e que pode ser mais bem compreendido quando explicitamos os três aspec-
tos desse ideal, ou o que seriam três ideais pensados em conjunto(14), tradu-
zindo-os como igualdade de recursos, liberdade com restrições previamente
ajustadas, e comunidade que pratica a tolerância liberal(15).
(12) Gisele Cittadino, falando sobre o triunfo da democracia liberal, af‌i rma que ele convive, no
plano histórico, entre outros, com o “f‌i m da utopia igualitária” (Pluralismo, direito e justiça dis-
tributiva: elementos de f‌i losof‌i a constitucional contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. p. 75-76).
(13) No mundo real, inf‌l uenciado, ou determinado, por uma característica bastante comum dos
seres humanos: o egoísmo, ou, caso se queira suavizar, o fato de que seres humanos são
principalmente interessados em si mesmos, dar tudo a todos, independentemente de sua
contribuição, no caso de poder esta ser feita, implicaria, em verdade, dar-se para o desfrute
de uns o resultado do esforço de outros. Como diz Dworkin, “não há nada que se possa dizer
em defesa de um mundo no qual aqueles que optam pelo ócio, embora pudessem trabalhar,
são recompensados com o produto dos trabalhadores” (A virtude soberana: a teoria e prática
da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. X).
(14) Ibidem, p. 331. A propósito, Dworkin, embora reconheça que são três diferentes ideais
políticos, trata-os como um só, por defender que não podemos entendê-los de forma inde-
pendente uns dos outros. Quer enfatizar, também, que são ideais que devem ser vistos
harmonicamente, e não em conf‌l ito, especialmente a liberdade e a igualdade.
(15) Como não vou me alongar nesse aspecto da discussão, pode-se dizer que o ideal da
comunidade que pratica a tolerância liberal signif‌i ca uma comunidade que respeita a liberdade
de ser e agir de seus integrantes, sem maniqueísmos, desde que a conduta dos integrantes
não viole o direito dos demais integrantes. É uma comunidade em que os indivíduos atuam
equilibrando seus interesses críticos (o que devem querer) e seus interesses volitivos (o
que querem). É uma comunidade em que os indivíduos têm responsabilidades e interesse
pelas necessidades da comunidade, mas sem abdicar de seus interesses eminentemente
pessoais, e que compõem o seu plano de vida. Ver, a respeito, Dworkin (Ibidem, cap. 5,
p. 291-329).

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